Mais do que falta de empatia, a maioria das relações do século XXI são caracterizadas pela “Desempatia”: Não interessa o que o outro pensa, sente ou precisa. O outro, não existe!
A palavra não vem no dicionário de língua portuguesa. Nunca
a li, nem vi escrita em lado nenhum. Surgiu, repentinamente, no meio do
transito, enquanto tentava sair detrás de uma viatura parada na
estrada. Tentei uma, duas, três…várias vezes. Pedi, abri a janela,
coloquei o braço de fora, mas ninguém me deixou passar.
Fiz
tudo o que podia, mas parecia que estavam todos demasiado apressados
para parar no próximo sinal que por acaso estava vermelho.
Já lhe aconteceu? É natural que sim!
Não
foi a primeira vez, não será a ultima, estou certa e consciente que
muitas outras vezes acontecerá, como já aconteceu… comigo, consigo, com
todos nós!
E é tão triste
quanto chocante apercebermo-nos desta mesma realidade: de que para
muitos, os outros, são seres transparentes e é como se não existissem,
como se não estivessem ali à sua frente, ao seu lado, ou atrás de si. No
transito ou fora dele. Em qualquer lugar…
Pior,
a expandir-se a todas as relações, sejam elas entre desconhecidos,
conhecidos, no trabalho, na família, entre amigos, e especialmente nas
relações ditas amorosas, em muitas das quais encontrar Amor é como
encontrar ouro ou pedras preciosas.
O
que anda a acontecer com muitas pessoas para quem as outras não
existem, não tem direitos, nem necessidades, nem desejos, nem a
possibilidade de pensarem, de exprimirem as suas emoções e decidirem
diferente, de se enganarem, de cometerem erros, de pensarem de novo, de
decidirem com tempo, de escolherem o que lhes parece melhor para si?
O
que passa pela mente destas pessoas e o que esperam que aconteça quando
ignoram os outros assim como desprezam a importância de valorizarem e
reconhecerem o seu trabalho, a sua dedicação, a sua preocupação, a sua
atenção, ou mesmo só a sua educação e cuidado? Porque não conseguem
elogiar as capacidades e talento do próximo e embora não vejam os outros
conseguem apontar defeitos, ver o lado escuro especialmente quando ao
lado do lado escuro existe um lado claro e brilhante?
O
que anda a acontecer com outras tantas pessoas que muito para além de
não quererem saber dos sentimentos e emoções dos outros, isto é, de não
quererem saber se estão bem, o que estão a sentir, se estão tristes,
contentes, felizes ou infelizes, se se sentem magoados…muito para além
de tudo isso, revelam através dos seus comportamentos, atitudes,
verbalização e expressões faciais, um total desprezo e indiferença por
esses mesmos sentimentos, “passando”, se necessário, por cima delas,
como se não estivessem lá, como se não existissem e a “estrada” fosse
toda delas?
O que acontece
no transito é apenas uma pequena ilustração, do que está a acontecer
com as relações entre as pessoas. A buzina a sua arma de arremesso ou
forma de expiação da frustração, insatisfação, recalcamento… apontando
os erros daqueles que não conseguem ver, ainda que mínimos, para se
sentirem donos de um poder que há muito sentem não ter: o poder de se
sentir em paz, consigo, com os outros, com a vida.
Muito
para além da falta de empatia para com aquilo que o outro pensa ou
possa estar a sentir, esta ferocidade de atacar, de ferir, de magoar, de
dominar, de controlar, de passar à frente e não deixar passar à frente,
é todo ela projeção do que vai no seu mundo interior, do seu
sofrimento, da sua dor, do conflito, da imensidão do seu vazio, do seu
desespero.
E este misto de
gélida e preocupante indiferença e necessidade de causar mal ou dor ao
próximo está a acontecer nas ruas da cidade, dentro e fora de portas,
nas empresas, nos lares, nas relações pessoais de todos os dias, nas
relações de amizade e nas conjugais. Esta ultima, a realidade que melhor
conheço.
Cada vez me
procuram mais casais em estado emocional e psicológico muito
fragilizado, experienciando e alimentando diariamente os mais variados
jogos de poder e psicológicos, vivendo numa espécie de deserto emocional
e afetivo, de perigosa indiferença, quando não de repetida
agressividade verbal, física e psicológica. Muito para além da falta de
afeto, de ternura, de carinho, de atenção, de apoio reciproco, de
comunicação, de confiança e partilha… muito para além do não querer
saber o que é importante para o outro e do que o faz realmente feliz,
estas relações revelam uma completa ausência de respeito para com o
outro e especialmente, para consigo próprio. O outro está ali, mas não
existe. Fala, mas não é escutado. Dorme ao seu lado mas é como se não
estivesse lá. Vive na mesma casa, mas não se vê. É transparente!
Esta
realidade é tão alarmante quanto preocupante, e parece que ninguém está
preocupado com ela ou em saber até onde ela nos vai conduzir.
Chama-se
“desempatia” e se um dia vier a integrar o dicionário de língua
portuguesa, o seu significado deveria ser: “incapacidade de ver o outro
como ser humano e de sentir empatia pelo que o outro sente”
Parece-me que até lá, muita coisa acontecerá. Algumas esperadas, outras talvez inesperadas.
Parece-me
urgente a tomada de consciência desta realidade e das graves
consequências que pode despoletar aos mais variados níveis, e começarmos
a pensar como vamos travar aquilo que parece ser um grave indício de um
problema publico de saúde mental.
Não
acredito que alguma substancia química estranha paire no ar e que
estejamos a inspirar partículas que façam com que cada vez mais pessoas
tenham vincados traços de psicopatia e se comportem como verdadeiros
psicopatas…
Felizmente que
ainda existem muitas outras pessoas que sorriem, que perguntam
repetidamente aos outros como eles se sentem, que não atropelam quem
está à sua frente, que conseguem escutar e colocar-se no lugar do outro,
que tem empatia suficiente para conseguir ver o próximo, que no
transito como na vida tem altruísmo, educação e civismo e não necessitam
de magoar os outros, passar-lhes à frente ou não os deixar passar,
enganar, mentir, maltratar, ou fazê-los sentir menos bem, para sentirem
que tem importância, protagonismo, afirmação… autoestima e que existem.
Acredito
que é ainda possível uma consciencialização, educação e consequente
transformação de mentalidades no sentido de não apenas salvarmos o
planeta, mas igualmente salvarmos as relações que temos, sejam elas
quais forem, para bem da saúde mental individual e coletiva.
Mais
uma vez, parece-me que esta sensibilização/consciencialização não só
para os afetos, mas também para o respeito pelo outro e por aquilo que o
outro sente tem que começar urgentemente nas escolas o mais cedo
possível.
A solidão, o
desespero, a depressão, a venda de ansiolíticos, a doença mental, o
divórcio, os conflitos familiares… estão a tomar proporções gigantescas
neste País.
Exista alguém que se preocupe e que faça algo nesse sentido…
Comece
hoje mesmo a olhar para o seu companheiro, para os seus filhos, para os
seus pais, para os seus amigos… para o seu chefe, para o seu
colaborador… para as pessoas que passam por si na rua, com um outro
olhar, com uma outra atitude, com um outro afeto… com Amor!
Não se exija ser perfeito, não exija aos outros perfeição… exija empatia e nunca, mas nunca, aceite “desempatia”.
Mais
importante que tudo, acredite que todos juntos, podemos não apenas
fazer a diferença, mas sentirmo-nos muito melhor, connosco e com os
outros.
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