Mais tempo em família, menos tecnologia, brincar até fartar, são algumas
bases do movimento norte-americano Slow Parenting [Pais Sem Pressa].
Por cá, as ideias fazem eco. Há pais que tentam desacelerar a vida dos
filhos, esticar o tempo para estarem juntos, viver mais devagar. Pais
sem pressa? É complicado, mas não impossível.
De um lado para o outro e o tempo não estica. Tentar chegar a horas.
Casa, escola, trabalho, escola, casa e sempre a correr. O movimento Slow
Parentig, Pais sem Pressa em português, tem raízes nos Estados Unidos e
defende que é possível abrandar a rotina dos pais para desacelerar a
dos filhos. Em nome do equilíbrio. Em nome da felicidade. A ideia não
passa despercebida em Portugal. Não há um movimento organizado, mas há
famílias que pensam no assunto. E que fazem o que podem.
Helena Gonçalves Rocha, terapeuta familiar, licenciada em Educação
Especial e Reabilitação, é mãe do Guilherme de 17 anos e da Mariana de
12. Quando os filhos eram mais pequenos, fazia questão de não preencher
os horários com atividades extra. No final do dia, chegavam a casa,
punham a música bem alto e dançavam como se ninguém estivesse a vê-los.
E os banhos eram aproveitados para brincar e ouvir o que os filhos
tinham para contar. «Ainda hoje um dos programas preferidos que nos
ajuda a reforçar lados e a aprender são os passeios na natureza,
observando as pequenas alterações, os animais que se movimentam, quanto
tempo passámos nós a ver as formigas a trabalhar», conta.
Os
filhos cresceram, as estratégias foram sendo afinadas. Uma vez por ano,
vão para um sítio sem telemóveis, fazem campismo, apreciam um belo
nascer do sol. «Temos o cuidado de construir memórias», diz. E como
moram ao pé da praia, na margem sul do Tejo, com o mar à porta, e o
marido, Rui Rocha, tem uma escola de surf na Costa de Caparica, miúdos e
pai praticam surf. Helena fica na areia a tirar fotos das acrobacias no
mar.
Descomplicar não é assim tão difícil e, na sua perspetiva, é
importante. Usufruir das relações, das emoções, saber esperar e apreciar
as pequenas coisas. É certo que os relógios não param e as rotinas têm
horas marcadas. «Hoje em dia a pressão da perfeição faz que os pais
queiram preparar os seus filhos o melhor possível. Preenchem os seus
horários com todas as atividades possíveis para serem os melhores», diz.
«Experimentem a riqueza de se deitarem na relva e ver as nuvens correrem, parece simples, mas para os mais pequenos é todo um mundo», aconselha Helena.
Mas para a terapeuta familiar, que conhece o conceito dos Pais sem Pressa, não é difícil eliminar elementos de stress e
criar momentos de maior prazer. «Os miúdos são muito mais simples e
muito menos exigentes do que possamos pensar. Eles querem o adulto
efetivamente com eles, sem hora marcada, sem tecnologia no meio, apenas
apreciando.» E fica um conselho. «Experimentem a riqueza de se deitarem
na relva e ver as nuvens correrem, parece simples, mas para os mais
pequenos é todo um mundo.»
A felicidade é um pilar importante do movimento Pais sem Pressa.
Aproveitar os pequenos prazeres da vida e passar o máximo de tempo em
família também. Há pormenores que ajudam a desacelerar a rotina. Menos
tecnologia e mais tempo em família, incentivar os filhos a fazer novas
amizades, saber ouvir e saber observar, brincar até fartar, aprender sem
compromissos e de forma espontânea, estabelecer limites e saber dizer
não, encontrar tempo para esvaziar a mente, dar tempo aos filhos. Menos
às vezes é mais.
Ana
Rebelo tem três filhos. Maria de 17 anos, Tomás de 15 e Matilde de 12.
Criou o blogue «A Mãe da Maria» e foi aí que partilhou algumas
considerações sobre o Slow Parenting. «Penso muitas vezes em como seria
bom ter menos pressa quando estou com os meus filhos. Gostaria de ter o
tempo suficiente, para não estar sempre a puxar por eles. Ou porque
temos de sair a correr para o colégio, ou porque temos de ir jantar, que
já é tarde, ou porque têm de ir dormir, que já passou a hora», escreveu
no blogue.
Há 17 anos, quando a Maria nasceu, com uma deficiência única no
mundo, a vida foi virada do avesso. Ana percebeu que não valia a pena
fazer grandes planos, que o tempo é para ser vivido e aproveitado gota a
gota. Teve mais dois filhos e, sempre que possível, tenta abrandar as
rotinas mesmo com horários preenchidos. Maria anda na hipoterapia,
Matilde no voleibol, Tomás deixou o judo e quer experimentar outro
desporto.
«Os pedidos que as escolas fazem hoje são inacreditáveis. Mais horas de trabalho. A pressão para serem os melhores alunos. As escolas esquecem-se de lhes lembrar que têm de ser felizes», diz Ana.
Ana, que se diz uma «mãe cheia de pressa», executiva de profissão,
que está a liderar a criação do Dia Nacional da Inclusão, em análise na
Assembleia da República e lançou o livro A Mãe da Maria no ano
passado, valoriza o tempo em família. Todos à mesa ao jantar, conversas
durante a refeição, menos tempo com os olhos nas tecnologias. Quer que
as suas crianças sejam felizes. «Olhar para eles com calma e serenidade,
cada um tem o seu ritmo de desenvolvimento, a sua forma de estar na
vida. Queremos estar mais tempo com eles e fazer aquilo de que gostam.»
O dia começa pouco antes das sete da manhã, à noite estão todos em
casa pelas 19h30. Os textos e as fotografias para o blogue são, por
vezes, tema de conversa às refeições. O que há para fazer e o que se
quer fazer é sempre colocado à consideração da família. «A agenda é
posta em avaliação e eles já sabem que a última decisão é dos pais»,
revela.
Tomás só teve permissão para ter Facebook no dia em que fez 14 anos. O
mesmo acontecerá com Matilde. No entanto, há realidades que se
impregnam, que fazem parte do sistema. «Os pedidos que as escolas fazem
hoje em dia são inacreditáveis. Exigem mais horas de trabalho. Há aquela
pressão para serem os melhores alunos e as escolas esquecem-se de lhes
lembrar que têm de ser felizes», comenta.
«Pais sem pressa? Tentamos
ser, mas é difícil, é quase como remar contra a maré», observa Ana,
professora na Universidade de Aveiro. Ana, Brian, o marido inglês e
professor na mesma universidade, e a filha Sara, de 13 anos, no 8º ano
no ensino articulado, que toca harpa e pratica remo, levantam-se e
deitam-se cedo – hábito importado do país de Brian. Jantam sempre
juntos, não veem muita televisão.
«Tentamos não ter pressa de manhã, comer devagarinho, não ir a correr
para a escola», conta. Mas Ana sabe que isso não acontece em muitas
casas. «É muito fácil os miúdos não terem nenhum contacto com os pais
durante a semana. De repente, não se conversou sobre nada. É preciso ter
um bocadinho de tempo para estar e começar a falar», diz.
O tempo em família é fundamental. Vão ao cinema de vez em quando, a
espetáculos culturais em Aveiro e no Porto, a feiras de antiguidades aos
domingos perto de casa, passeiam a pé, andam muito de bicicleta. Os
horários de professores universitários ajudam nesta desaceleração.
«Temos um emprego que nos dá uma certa flexibilidade. Não temos de
trabalhar das 09h00 às 19h00, como a maioria dos pais», comenta Brian.
Quando a Sara estava na creche, iam buscá-la o mais cedo possível, e
desde pequena, até terminar a escola primária, liam livros de poesia
depois do jantar. Em português e em inglês. E, enquanto a Sara ainda não
sabia ler, faziam teatros para acompanhar os poemas. «Temos experiência
de outra realidade que não é a portuguesa. Temos de descomplicar a
vida», diz Brian.
Tentamos não ter pressa, comer devagar, não andar a correr. Temos de descomplicar a vida», diz Brian.
Sara faz agora remo, depois de ter praticado natação durante vários
anos. O regime de competição e os treinos que passaram a ser diários
pesavam no horário e Sara saiu. «Devia haver uma articulação entre as
escolas e as atividades extracurriculares, nomeadamente no desporto»,
comenta Brian. Como acontece no seu país.
No ano passado, viveram os três um ano em Cambridge. Ana e Brian
focados nas suas investigações académicas, Sara na escola que começava
às 08h30 e terminava às 15h30 todos os dias. Sobrava-lhe tempo para
teatro e coro dentro da escola, atividades gratuitas. E ainda tocava
harpa em algumas orquestras. Sara gostou desse ano em Cambridge.
«A minha vida não é muito agitada. Em Inglaterra, era mais
tranquila», adianta. Ana nunca tinha ouvido falar no Movimento Pais sem
Pressa e não tardou a pesquisar. «É uma ideia maravilhosa», comenta.
«Todos os pais fazem o melhor que podem dentro dos parâmetros que têm»,
acrescenta Brian.
A opinião dos especialistas
O pediatra Mário Cordeiro está a escrever um livro sobre o assunto que se chamará precisamente Pais sem Pressa
e será publicado em setembro, depois das férias escolares e antes da
lufa-lufa do próximo ano letivo. Um livro com conselhos para os pais
alterarem pequenas coisas que têm um enorme impacto na criação de
momentos tranquilos, felizes,
e mais adequados aos ritmos próprios da condição humana.
e mais adequados aos ritmos próprios da condição humana.
«Esta questão é fundamental atualmente. O problema desta
desaceleração e agitação constante em tudo, designadamente na vida dos
pais e das crianças, gera um enorme stress e, consequentemente,
mal-estar psicológico, social e físico», diz o pediatra. Os dias dos
mais pequenos são um grande exemplo. «No caso das crianças, desde que se
levantam até que se deitam, atrevia-me a dizer que na maioria dos casos
a pressão é enorme e constante. Na escola, onde chegam cansadas porque
já tiveram horas de stress, de transportes, de arenga dos pais,
o sistema de ensino-aprendizagem é cada vez mais desfasado do que
deveria ser e mais ineficaz no sentido de desenvolver pessoas
assertivas, competentes, solidárias, com inteligência emocional
desenvolvida e felizes», diz Mário Cordeiro.
«As tecnologias, ecrãs e internet dão-nos facilidade e tempo. Usar esse tempo para continuar numa parafernália vivencial, num redemoinho constante, numa exigência de “mais e mais”, é um tiro no pé, que se pagará caro em termos de saúde física, mental e social», diz o pediatra Mário Cordeiro.
No entanto, não é possível reinventar a vida de um momento para o
outro. O busílis da questão está nos estilos de vida, nas exigências no
trabalho e na escola, nas condicionantes dos transportes e da habitação.
Na própria organização social. «Muitas famílias têm uma vida infeliz e
isso não tem que ver apenas com questões financeiras. É tempo de parar
para pensar, para refletir, para questionar o que é que desejamos desta
sociedade, e até que ponto a parentalidade não está a ser devorada pelo
“mais do mesmo” ou pelo “gerir a crise”.»
«As tecnologias, ecrãs e internet, que são tão preciosos, dão-nos
facilidade e tempo. Usar esse tempo para continuar numa parafernália
vivencial, num redemoinho constante, numa exigência de “mais e mais”, é
um autêntico tiro no pé, que se pagará muito caro – já se está a pagar –
em termos de saúde física, mental e social», realça o pediatra.
«Exigir que as crianças vivam agendas apertadas como as dos pais é potenciar ansiedade. É exigir-lhes competências para as quais não estão preparadas. Apressar as crianças é impossibilitá-las de sonhar», diz a psicóloga Inês Afonso
Inês Afonso Marques, psicóloga clínica da Oficina de Psicologia,
concorda que o tempo anda depressa de mais para as famílias. As crianças
vivem a uma grande velocidade, com pouco tempo para sonharem, serem
crianças, estarem sintonizadas com os pais. Na sua opinião, é
fundamental desligar o piloto automático das rotinas semanais, entre
escola, atividades extracurriculares, explicações, festas de
aniversário.
«Exigir que as crianças vivam agendas apertadas como as dos pais é
potenciar ansiedade. É, muitas vezes, exigir-lhes competências para as
quais não estão, à partida, preparadas. Apressar as crianças é, muitas
vezes, impossibilitá-las de sonhar. É tirar-lhes tempo para as
verdadeiras brincadeiras da infância. E principalmente é fortalecer o
distanciamento emocional», diz.
E é preciso não esquecer que a infância é uma espécie de tubo de
ensaio em que se absorve tudo, experimenta-se, treinam-se competências e
recursos essenciais ao longo da vida. «Viver em correria permanente é
não ter possibilidade de assimilar experiências. É apressar sem se
respeitar a individualidade.» E o movimento Pais sem Pressa defende
exatamente uma educação com momentos de pausa, propícios à reflexão e à
descoberta. O caminho é por aí.
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