Continuo com os diálogos do Papa Francisco e Dominique Wolton: Politique et société.
1. Francisco atira com a afirmação
inesperada de João Paulo II: "O sexo é uma coisa boa e bela." E Wolton:
"Reconhece que é complicado para leigos ouvir padres, que renunciaram ao
amor físico, dizer que o amor físico, carnal, é belo." Francisco:
"Renunciar à sexualidade e escolher o caminho da castidade é toda uma
vida consagrada." Mas isso só vale se "este caminho levar à paternidade e
à maternidade espiritual. Renunciar para estar ao serviço, para
contemplar melhor. Um dos males da Igreja são os padres solteirões e as
freiras solteironas. Porque estão cheios de azedume". Foi pena que,
aqui, Wolton não tenha perguntado sobre o celibato opcional para os
padres.
2. Francisco acrescenta: "Os pecados
mais leves são os pecados da carne. Estes não são forçosamente (sempre)
os mais graves. Porque a carne é fraca." Os pecados mais perigosos e
graves são outros, de que se fala menos: "O ódio, a inveja, o orgulho, a
vaidade, matar o outro, tirar a vida... Mas os padres tiveram a
tentação - não todos, mas muitos - de se concentrar nos pecados da
sexualidade: o que eu chamo a "moral da subcintura" (desculpe). Há
alguns que, quando ouvem na confissão um pecado deste género, perguntam:
"Como fizeste isso, e quando e quanto tempo e quantas vezes?" Fazem um
"filme" na cabeça. Mas esses precisam de um psiquiatra."
3. E os padres e a pedofilia? "Os padres
católicos representam mais ou menos 2% dos pedófilos. Isso parece
pouco, mas é demasiado. Que um único padre faça isso, é horrível.
Tolerância zero! Porque o padre deve levar as crianças a Deus, não
destruir a sua vida. Depois, há a ligação: em cada quatro crianças
violadas, duas tornam-se violadoras." E reconhece a observação de que "a
Igreja fechou demasiado os olhos, cobrindo o inaceitável", mas
acrescenta: "A maior parte dos abusos sobre os menores vêm do círculo
familiar ou dos vizinhos.".Também é preciso dizer isso. De qualquer
modo, a actual política é "a que Bento XVI e eu próprio impusemos
através da comissão dos menores, criada há dois anos aqui, no Vaticano. A
Igreja-mãe ensina como prevenir, como fazer falar uma criança, de tal
modo que diga a verdade aos pais, conte o que se passa, etc. É um
caminho construtivo. A Igreja não deve ir para uma posição defensiva. Se
um padre é abusador, é alguém doente. Em quatro abusadores, dois foram
abusados em crianças. São as estatísticas dos psiquiatras. Mas a Igreja
tenta deste modo proteger os menores."
4. Aqui, Francisco adverte que tem muita
crítica a fazer aos média. "Hoje, toda a gente está escandalizada,
graças a Deus, por causa dos abusos de menores. Mas há homens de
negócios que produzem vídeos para a internet, vídeos que mostram aos
jovens, às jovens, aos homens, às mulheres, "porcarias" e relações
sexuais com menores, homossexuais, heterossexuais, de todos os modos
possíveis." "Sim, é uma hipocrisia", concorda Wolton. "A pornografia é
uma das maiores indústrias do mundo."
5. Aquando do debate sobre o casamento
de pessoas do mesmo sexo, defendi, em debate na televisão, que se
deveria garantir direitos e deveres semelhantes aos dos casamentos de
pessoas heterossexuais, mas que se deveria encontrar uma outra
designação, e não por motivos religiosos, mas histórico-culturais e
respeitando realidades diferentes. Constato que o Papa Francisco pensa
do mesmo modo. "O "casamento" é uma palavra histórica. Desde sempre na
humanidade, e não só na Igreja, é um homem com uma mulher. Não se pode
mudar isso de qualquer maneira. É a natureza das coisas. Elas são assim.
Chamemos a isso, portanto, "uniões civis". Não brinquemos com as
verdades. É verdade que, por detrás disso, há a ideologia do género.
Também nos livros as crianças aprendem que se pode escolher o sexo.
Porque o género, ser uma mulher ou um homem, seria uma escolha e não um
facto da natureza? Isso favorece este erro. Mas digamos as coisas como
elas são: o casamento é um homem com uma mulher. Este é o termo preciso.
Chamemos à união do mesmo sexo "união civil".
Wolton: "A ideologia do género não é o
mesmo problema. É um desvio sociológico. Consiste em dizer que os sexos
são indiferenciados, e que é unicamente a sociedade que distribui o
papel masculino ou o papel feminino. Terrível este determinismo. Não há
nem natureza, nem cultura, nem destino, nem liberdade, resta apenas a
determinação social. E, se és contra estes determinismos, chamam-te
reaccionário. Dizem-te que adoptas as posições da Igreja. A deriva
ideológica fez-se em vinte anos."
Francisco: "Isto é uma confusão crítica,
neste momento. Disse-o um dia publicamente na Praça de São Pedro, ao
falar sobre o casamento: "Há ideias novas e eu pergunto-me se estas
novas ideias, como a ideologia do género, não assentam em última análise
no medo das diferenças." Wolton: "Uma negação das múltiplas formas da
alteridade e da diferença?" Francisco: "Disse-o em forma de pergunta. E
encorajo os investigadores a debruçarem-se sobre o assunto." Wolton: "A
ideologia do género é o risco de uma negação da diferença. Ora, a
diferença não é só social. É muito mais complicado. Trata-se de uma
forma de determinismo ao contrário: ao dizer-se que não há homens, que
não há mulheres, que tudo depende da sociedade, na realidade cria-se uma
forma de determinismo social." Francisco: "Não quereria que se
confundisse a minha posição sobre a atitude para com as pessoas
homossexuais com a questão da teoria do género." Wolton: "Sim, claro. A
diferença é essencial. Talvez "união civil" bastasse", embora se
compreenda que, depois de "tantos séculos de desprezo, culpabilidade e
repressão", se reclame a "ideologia da igualdade" e a palavra
"casamento" como reconhecimento. Francisco: "Mas não é um casamento, é
uma união civil."
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