Consumimos as alegrias e os desgostos à velocidade da luz. Depois perguntamo-nos de onde vem a ansiedade e a depressão.
Vivemos tão depressa que damos por nós a entrar num centro comercial e
a não saber em que estação do ano estamos. Com os saldos de Verão a
começarem antes do Verão vir sequer marcado no calendário, ficamos com a
ideia de que já não vale a pena comprar um fato-de-banho porque o
Outono está mesmo a chegar. Confusos, rebuscamos na memória os dias
longos de praia, os jantares na varanda, as férias, e concluímos que o
nosso cérebro se desgastou de tanto uso, porque as recordações que temos
parecem antigas e, no entanto, a avaliar pela colecção Outono/Inverno
que enche as páginas das revistas, só pode ter sido ontem.
Não entendíamos quando, em pequenos, nos diziam que o Natal não
demorava nada e os dias rolavam penosamente, ou que tarda nada fazíamos
anos, e o “tarda nada” era mesmo tarde e parecia-nos nunca mais chegar.
Mas, agora, percebemos que o tempo voa, tudo passa a correr, o que é
tanto mais idiota quanto era exactamente agora que devia andar a
passinhos de bebé (lembram-se do jogo?), porque a recta final está
progressivamente mais próxima.
Olhamos para o calendário e não percebemos o que fizemos aos dias que
voaram, mas se olharmos mais de perto as nossas agendas, percebemos que
estiveram cheios de acontecimentos, que se atropelaram uns aos outros,
sem nos deixar um segundo para respirar.
Andamos cansados, muito cansados, sobretudos aqueles que têm filhos
pequenos, e dentre esses, à cabeça de todos, lá estão as mulheres que
acumulam profissão e a casa/família. Nem a invenção das férias pagas,
que nem meio século tem, nos veio descansar, porque rapidamente enchemos
também aqueles dias com mil “compromissos” obrigatórios.
O mal não é que as 24 quatro horas do dia tenham encolhido, mas
simplesmente que a nossa omnipotência nos deixe com a ilusão de que
conseguimos encher o espaço de um dia com tantas e tantas coisas, como
se conseguíssemos estar em muitos lados em simultâneo.
Contudo, o que mais me aflige é o facto de vivermos os acontecimentos
profundamente marcantes num toca- -e-foge que não nos deixa reflectir
sobre eles, senti-los em profundidade, gozá-los ou lamentá-los,
resolvê-los e superá-los, em lugar de os varrer para debaixo do tapete. E
obrigamos os outros também a varrer, na nossa intolerância para com a
dor que não passa rapidamente, para com o desgosto que se mantém, para
com aqueles que se continuam a queixar da mesma coisa, num tempo em que
mesmo a maior tragédia é ultrapassada por aquela que vem a seguir.
Depois queixamo-nos da tristeza que não sabemos de onde vem, da
ansiedade que nos toma inesperadamente e, claro, da depressão que se
instala, jurando nós que não temos motivos nenhuns para a sentir.
Basta olhar para a pressa com que gerimos a morte. Homens e mulheres
extraordinários parecem desaparecer da face da terra, e da memória, num
abrir e fechar de olhos. E por muito que os tenhamos admirado, por muito
que nos façam falta, continuamos em frente, não por mal, mas porque
somos empurrados pela voracidade dos dias, pelos compromissos e
obrigações, porque não podemos deixar cair tudo o que de nós depende.
Sem lhes erguermos a estátua que merecem, sem que o seu nome fique
sequer gravado numa lápide, que fique para lá da sua vida, da nossa
vida, da vida dos nossos filhos, para que um dia, alguém a possa ler e
perguntar: “Quem foi este?” Decididamente, não gosto de cremações.
Decididamente, quero viver mais devagar.
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