Foi assim que me tornei avó, a partir do dia em que a «ocitocina por
procuração» mudou para sempre a minha vida. Quase sete anos mais tarde,
celebro ser avó de oito netos, dois deles ainda a caminho mas que já
contam. Parabéns a todos os avós — acreditem, temos mesmo muita sorte!
«Conheço-lhes a cara de cor, o meu dedo já percorreu suavemente a linha do
nariz, os contornos das orelhas, as bochechas, mais rechonchudas numa do que
noutra, para descer sob o queixo, e acabar pingado por lágrimas estúpidas, que
insistem em cair. Já passei horas a tentar descobrir diferenças, numa busca
urgente de uma identidade individual para cada uma, que as torne naquilo que
todos queremos ser: únicos. Enquanto a “ocitocina por procuração” me invade,
percebo que a natureza é sábia e nos armadilha a um compromisso eterno com um
recém-nascido, ao voto livremente assumido de amar para sempre, na saúde e na
doença, na prosperidade e na pobreza, nos momentos bons e maus da vida, até que
a morte nos separe.
Depois da euforia do nascimento descobri o medo da morte, real ou
imaginário não importa, aquele medo terrível que nos revela como a vida é um
milagre que tantas vezes desvalorizamos porque tomamos como certo. Quando
entrei na sala dos prematuros e as vi ligadas a máquinas, cateteres na mão,
sondas na boca, e mais aflitivo, a Carminho com a cara minúscula escondida por
uma máscara de oxigénio, os braços e as pernas fininhos a espernear contra toda
aquela intromissão, rodeada de médicos e enfermeiras, fiquei sem fôlego. Seis
horas depois, a gémea mais frágil reagiu bem e começou a respirar quase
sozinha, e eu fiquei nas nuvens, consciente de que, pelo menos para mim, nasceu
de novo.
Na manhã seguinte, hesitei no momento em que ia por nos pés os meus
inseparáveis sapatos de ténis. Ups, será que uma avó pode andar de jeans com
remendos e sapatos de ténis, confundindo-se ou querendo ser confundida com a
mãe, ou mais grave, com um Peter-Pan que não quis crescer? Mergulhei debaixo da
cama em busca de uns mocassins encarnados, um compromisso que me deixava tempo
para pensar no assunto. Três semanas depois, já começo a perceber o que é ser
avó, este papel difícil que exige auto-controlo e diplomacia, que nos permite
estar próximo, mas nos obriga a guardar distância, a medir o envolvimento e o
sentido de posse, para não magoarmos, nem nos deixarmos magoar, mas ainda
cometo muitos erros. Erro sempre que pretendo catequizar a Ana sobre os
benefícios disto ou daquilo, deixo transparecer que era capaz de adormecer
melhor a Carminho (e bem feita, quando tentei, não fui!), ou arrotar a Madalena
(uma impossibilidade), dou “lições” ao melhor pai do mundo que é o meu genro,
ou dou por mim a concorrer (por dentro) pelo amor e a atenção destes bebés que
de repente se tornaram o centro de tudo.
Aos poucos, volto ao mundo real, o mundo
do resto da família, dos meus livros, do jornal, e dou por mim a saborear uma
refeição, a reparar que o azul do céu em Sintra está cristalino, ou a falar de
alguma coisa que não sejam elas, ou da mãe delas, que entre mastites e noites
em contínuo a dar de mamar, enche o escuro da noite a cantar para os seus
bebés. Este fim-de-semana estou longe delas pela primeira vez, e sabe-me bem
reencontrar o meu espaço e o meu tempo mas, num momento de angústia, não
resisto a mandar uma sms à Ana: “Achas que vou conseguir ser mesmo, mesmo
importante para elas, que têm a sorte de vos ter como pais e de ser o centro
das atenções de tanta gente?”. A resposta veio rápida “Acho que estamos todos
com esse medo. Porque como são tão insuportavelmente importantes para nós, não
suportamos imaginar não ser vitais para elas. Não tenho é dúvida nenhuma do que
a mãe é para mim, sem o seu amor não as conseguia amar tanto!”. Será que os
telemóveis das avós são à prova de água salgada?»
Comentários
Enviar um comentário