Creio que levamos uma grande
parte da vida a funcionar como nessa parábola que é “O Feiticeiro de Oz”.
Vivemos aspirados por ciclones ou a desejar sê-lo; queremos voar para longe do
sítio onde estamos; qualquer mapa que folheemos aparece-nos cheio de promessas
encantadas; a felicidade define-se como um lugar que alcançaremos além do
arco-íris.
A vida comum assemelha-se a um inglório arrastar-se com sapatos de
ferro, enquanto rebrilha nos nossos sonhos um extraordinário e levíssimo
calçado de rubi. Sentimo-nos emparedados por um quotidiano que asfixia, quando
poderíamos estar a trilhar um caminho de tijolos tão amarelos como o sol, na
direção da cidade que refulge, e não do regresso previsível ao lugar cinzento
que nos abriga. Desta maneira, o primeiro sinónimo que encontramos para a
palavra aventura é evasão. E colocamos em cima dessa carta o nosso ouro.
Depois, demoradamente, à
custa dos desencontros, passos em falso ou de tempo gasto com outras escutas,
aprendemos o que a pequena Dorothy de “O Feiticeiro de Oz” conclui: “Se voltar
a procurar os anseios do meu coração, não irei procurá-los além do meu quintal.
Se não estiverem lá é porque realmente nunca foram meus.” A moral da história
não é propriamente a dissuasão da viagem. É importante que os nossos olhos
tenham contemplado tudo aquilo que lhes coube contemplar. E, como recomenda o
poema “Ítaca”, de Constantino Kavafis, temos, de facto, de peregrinar a muitas
cidades numa rota desejavelmente longa, vivida com euforia, contactando com
empórios e sábios, arrematando mercadorias belas, madrepérolas e corais,
âmbares e essências que fiquem, para sempre, a perfumar a vida. Mas as
verdadeiras viagens são aquelas que nos entusiasmam e iniciam no regresso a nós
próprios, sem o qual a viagem é só dispersão e em vez de conhecimento, um
amontoar ruidoso e desconexo de experiências em vez de sabedoria. Não nos
aconteça aquilo que vem ilustrado num velho relato islâmico: era uma vez um
homem que tendo perdido a chave de casa, algures dentro do quarto, foi no
entanto para a rua procurar a chave perdida, porque lá havia mais luz. Um dos
maiores viajantes da literatura ocidental é Henry David Thoreau e os seus mais
de vinte livros, muitos escritos numa solitária cabana nas margens do lago
Walden, repetem o mesmo: a vida só tem sentido se for vivida de uma forma
deliberada; e não importa por onde viajes ou quanta distância os teus passos
alcançaram: a única coisa verdadeiramente importante é saberes quão vivo estás.
Uma vez ensinaram-me um
provérbio que se repete na região de Quioto, no Japão. Diz o seguinte: “Não te
limites a fazer coisas. Senta-te.” Na sua concisão esconde um programa exigente
e cheio de possibilidades. Creio que nessa linha vai também o aforisma
filosófico de Pascal: “Toda a infelicidade do ser humano nasce de um simples
facto: não conseguir ficar quieto no seu quarto.” É claro que o quarto não é
apenas o quarto, mesmo se muitas vezes não é mau começar por aí.
O verão sobrecarrega de
atividade as agências de viagens, as redes sociais bombardeiam-nos com
sugestões mirabolantes, as autoestradas e aeroportos bloqueiam-se com a nossa
sofreguidão, os “ciclones” que fantasiamos durante o ano atiram-nos para
paragens que supostamente cumpririam uma função compensatória ou supletiva em
relação à vida ordinária. Há, porém, cada vez menos quem nos ajude a abraçar
uma aventura só nossa, uma maravilhosa aventura necessária: a aventura de não
ir a parte nenhuma.
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