A
primeira peregrinação de Inês a Fátima foi aos 14 anos. Começou a caminhar com
o pai, que morreu no ano passado, no percurso do santuário. Este sábado ainda
não sabe se consegue voltar. Se for, leva o filho, Pedro, uma criança que “está
a morrer há quatro anos”, mas que vive para dar sentido à fé. Tudo depende do
ar, o ar que nos permite continuar...
Inês tem uma vida marcada por
Fátima. Antes mesmo de ser conhecido, o mistério fez-se anunciar na sua vida.
Também pela morte. A mais velha de três filhas, de um casal católico pouco
praticante, tinha apenas sete anos quando perdeu uma irmã mais nova para uma
doença genética que não a tocara. A seguir, perdeu outra e os pais tiveram de
encontrar apoio, e foi a fé que lhes deu chão. "Foi com a morte da segunda
filha que começou a história de conversão dos meus pais", explica, serena.
Na adolescência, Inês quis ir à
Fátima e trouxe o pai. "Inesquecível", conta-nos hoje, antecipando
uma história preenchida de coincidências. Dormiram lado a lado em sacos-cama,
forjaram um laço que não se desfez. Adulta, ansiou fazer-se servita, ou seja,
integrou o grupo de jovens voluntárias que apoiam os peregrinos, aliviando-lhes
as dores nos postos médicos. Mostra hoje a fotografia de uma jovem loira, a
imagem tradicional dos anjos, com um véu curto e translúcido, que para usar
teve de fazer dois anos de formação.
Educada num colégio católico,
foi indo a Fátima. Mais tarde, encontrou no movimento Comunhão e Libertação um
homem a quem a religião fazia tanto sentido quanto à ela, e os filhos do casal
foram nascendo. Ao primeiro, Gonçalo, seguiu-se Francisco, cujo nome foi
escolhido em homenagem ao pequeno pastor a quem o Papa de mesmo nome fará santo
este sábado. Depois veio Pedro, o nome do apóstolo que deu os alicerces à
Igreja. Coube ao terceiro estremecer e depois consolidar os laços daquela
família. Nasceu com a mesma doença genética que afetara as duas irmãs de Inês,
mas pior, porque sofre também de sérios problemas respiratórios. Seguiu-se
Leonor. Mas depois do nascimento de Pedro, nunca mais Inês conseguiu ir em
peregrinação ao santuário.
Pedro já esteve em Fátima com a
família, como é tradição, foi apresentado à Nossa Senhora e as energias agora
estão concentradas num regresso este sábado. Ainda é cedo para saber se
conseguirão, tudo depende de como o estado de saúde da criança de quatro anos
evoluir. No ano passado, em outubro, o clã voltou a tremer quando Pedro, o pai
de Inês, sofreu aos 62 anos um ataque cardíaco fulminante, em plena
peregrinação a Fátima. "Apesar de tudo não me afastei de Fátima, é a fé
que dá sentido ao sofrimento, como se para além de nós houvesse um plano que
nos conduz, não é por nós conduzido. É uma entrega, nunca me senti roubada,
pelo contrário".
É assim, com simplicidade, que
Inês explica um percurso assaltado de tempos em tempos pelo sofrimento. É
também por isso que querem todos estar este sábado no santuário. A mãe vai, o
marido e os dois filhos mais velhos também. Fica a pequena Leonor. Ou ficam
todos, tudo depende da saúde de Pedro, do ar que o faz respirar. Inês e o filho
estão inscritos para a benção dos doentes. "Sei que vou chorar, mas
assusta-me toda a parafernália que envolve a deslocação, mas é mais uma
peregrinação, algo que nos faz sair da nossa zona de conforto", partilha a
psicóloga de formação.
Esta quinta-feira, ao início da
tarde, tudo parecia indicar que veriam o Papa pela televisão, cercados de
amigos. Se assim for, Inês vai lembrar-se que queria lá estar. "Pelo
Pedro, mas também pelo meu pai. Mas a minha fé não será posta em questão se não
conseguir". Certo é que ao longo deste percurso de 35 anos de vida
descobriu que "o sofrimento tem valor em si". Uma descoberta íntima,
contada porque já viu que o seu percurso tem ajudado muitas outras pessoas.
Ouvi-la exige atenção, não é
fácil aceder à serenidade de quem sabe que a perda maior pode chegar a qualquer
momento. "O Pedro está a morrer há quatro anos", diz, calma mas
emocionada. O filho Francisco tem a idade do pastor quando este viu Nossa
Senhora, Leonor faz anos no mesmo dia que Jacinta. Pequenos detalhes de vidas
que se cruzam, entrelaçam em coincidências, a que não quer atribuir
significados maiores mas que parecem entrelaçar Fátima e Inês de forma
inexplicável. "É essa emoção que redime, é o exagero, o absurdo. Como Cristo
na cruz, é absurdo, é de mais." Um propósito nem sempre claro, mas sempre
palpável. "Pedro é o cimento da família, reúne-nos, dá-nos um
propósito". Lá está.
Texto: Christiana Martins
Foto: António Pedro Ferreira
In EXPRESSO
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