Família,
“casa” onde o outro se encontra e descobre
O
ritmo da liturgia apresenta-nos, uma vez mais, a Quaresma como um tempo
especial. São quarentas dias que Deus nos oferece para nos desvincularmos das
preocupações quotidianas e nos centrarmos Nele. Nenhum de nós foi feito para a
mediocridade. Olhar para Cristo é, por isso, o reconhecimento de que alguém nos
supera, nos fascina e nos pede voos maiores. Em síntese, Cristo pede-nos uma
vida nova centrada N’Ele.
É
possível que, para algumas pessoas, estas palavras sejam de difícil
compreensão. O que significa uma vida centrada em Cristo? Significa reconhecer
que Cristo está vivo e ocupa um lugar especial na minha vida. Significa também
reconhecer que a Sua presença é, para mim, fonte de alegria.
Admito
que nem sempre “sentimos”, como gostaríamos, a presença de Cristo. Sentir como
aquele que vê com os próprios olhos ou toca com as próprias mãos. Existe um
certo Tomé em cada um de nós. A presença de Cristo é suave, subtil e quase
imperceptível. Reconhecê-lo é um acto de fé que carece de tempos e lugares
adequados. São, sobretudo, momentos de contemplação com paciência e
persistência.
Nesta
Quaresma, gostaria de recordar dois caminhos para o encontro com Cristo.
Os
olhos do sofredor falam de Cristo. O Santo Padre, o Papa
Francisco, é categórico ao afirmar que “fechar o coração ao dom de Deus que
fala tem como consequência fechar o coração ao dom do irmão”. A sensibilidade
para o divino treina-se com o exercício da fraternidade. Pobres de nós quando
passamos adiante do sofredor ou aproveitamos e exploramos aquele que pouco ou
nada tem. O pobre e o mais débil oferece-nos muito quando lhe damos a nossa
atenção, delicadeza, carinho e, em muitos casos, a esmola que dá alento e
coragem.
Educar
para a vida. A Quaresma, apesar do seu timbre introspectivo, é
um tempo de abertura e de preparação para a vida. Vida que nasce, antes de
mais, da escuta da Palavra, da reflexão e da defesa de valores inalienáveis.
Diz o Papa Francisco que é necessário aproveitar estes tempos para uma
“corajosa acção educativa em favor da vida humana”. Permitam-me ser claro: a
vida da criança que está para nascer ou da pessoa que está para morrer é
sagrada. A vida é um direito fundamental e inviolável! Escapa ao nosso domínio
determinar sobre algo que nos ultrapassa. Vida é, em todas as circunstâncias,
vida.
O
outro é sempre um dom. Experimentamos esta verdade sobretudo na família, entre
os esposos, entre pais e filhos, avós e netos. Daí a necessidade de tornar a
família uma “casa” onde Maria mora. Aprofundamos assim a gratuidade do amor e
tornámo-la escola para viver com e para os outros. Trabalhemos a família e
dediquemo-lhe tempo para que se torne o que é em essência: lugar de encontro
com o outro que percorre a vida com dedicação universal, carinhosa,
sacrificada, mas também alegre pois o amor nunca cansa.
Glorifiquemos
o Senhor e alegremo-nos em Deus, tornando a Quaresma um tempo favorável para
acolher o dom da Palavra e o dom do outro. Acolhendo estes dons, com o tempo e
energia que lhes consagramos, testemunharemos os frutos de uma vida espiritual
madura e de uma sensibilidade humana. Segundo o nosso Programa Pastoral,
trabalhando a penitência através da triologia do jejum, oração e esmola,
descobriremos, neste ano mariano, a identidade cristã no quotidiano da vida.
Não
desperdicemos esta graça! O outro é dom, sobretudo na família e, a partir daí,
com todos na predilecção dos mais débeis.
†
Jorge Ortiga, Arcebispo Primaz
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