Não têm um crucifixo na aula, mas devem saber o que
significa. Como é bom que alguém lhes diga que não precisam de ir à Índia para
aprender a meditar. Não por uma questão de fé, mas de cultura. Aquela de que
estupidamente parecemos andar envergonhados.
Ainda bem que há Erasmus e programas de intercâmbio e os
nossos filhos não crescem fechados dentro de fronteiras, mesmo quando são as
mais antigas do mundo. Ainda bem que há voos "low-cost" e alojamentos
locais a preços acessíveis, e têm amigos em todos os cantos do mundo. E vivam
os pais que pegam na família e viajam com ela, sem medo de tudo e de nada,
abrindo-lhes horizontes.
Será com certeza uma geração menos suscetível a permitir que
lhe vendam, sem crítica, que há por aí Estados que raptam os filhos dos imigrantes
para os dar a homossexuais, que os comunistas comem crianças ao pequeno-almoço,
os de Leste cortam gargantas a sangue-frio, os americanos nunca viram um mapa,
ou aceitar estereotipar os outros pela sua nacionalidade, raça ou religião.
Provavelmente também será mais crítica em relação à escola,
à universidade, à gestão das empresas e à prestação de serviços, porque terá
termos de comparação, mas igualmente mais grata pelas coisas boas e únicas que
o seu país de origem lhes oferece. Espera-se que sem empolamentos de
nacionalismo parolo, mas também sem a atitude Calimero, do só nós é que não
temos, porque somos pequeninos.
E tudo isto é bom, desde que no deslumbramento pela galinha
do vizinho não desconheçam a que lhes pertence. Desde que no fascínio pelo que
é novo - novas dietas, novas religiões, novas ideias - não aprofundem
minimamente a cultura do lugar onde nasceram e de onde vêm, tornando-se apenas
novos ricos, pretensiosos e ignorantes. E, mais grave, que assim seja sem que
os "adultos" contraponham, com convicção e orgulho, os valores que
nos definem, como nação e como parte de uma Europa a que intrinsecamente
pertencemos.
E é aí que podem estar a falhar, nós e os outros habitantes
deste lado ocidental do planeta, apagando nervosamente os sinais exteriores de
uma cultura judaico-cristã, tal o medo de que nos acusem de inquisidores,
colonizadores, exploradores, como se a História pudesse ser lida, sem que se
respeite o "jet lag" do tempo.
Por exemplo, um Estado laico pode e deve tirar os crucifixos
das escolas, mas já não faz sentido que se demita de ensinar o que é um
crucifixo, nem de oferecer aos alunos as "chaves" que lhes permitem
decifrar a realidade que os rodeia, entender quem são, conhecer as suas raízes.
Perceber que nelas têm origem conceitos tão fundamentais como a liberdade, a
democracia, o respeito pelos direitos humanos.
Mesmo na redação de um jornal há quem não saiba o que
significa a Páscoa, menos ainda a Quaresma para já não falar no Advento, como
cada vez mais portugueses não fazem ideia do que se celebra no Corpo de Deus ou
na Assunção de Maria, embora sejam feriados nacionais. Como, arrisco, imaginam
que a Bíblia foi escrita pelo Dan Brown em parceria com José Rodrigues dos
Santos, e a frase "É mais difícil um rico entrar no céu do que um camelo
passar pelo buraco de uma agulha" é da autoria de Catarina Martins. Como é
no mínimo confrangedor assistir ao entusiasmo com que tantos sonham meter-se
num avião para a Índia, em busca de retiros, meditação e jejum, sem que ninguém
lhes conte o que se viveu (e vive) dentro do mosteiro beneditino ou do convento
das cartuxas mesmo ao virar da esquina.
E para o caso pouco importa a fé, porque o que está em causa
não é a religião, mas a instrução. Talvez seja bom começarmos a dizer aos nossos
filhos que só vão a Praga, depois de terem ido a Braga. Ao preço da gasolina
pós-OE sai mais caro, mas é o princípio que conta.
ISABEL STILWELL, Jornalista
http://www.jornaldenegocios.pt/opiniao/colunistas/isabel_stilwell/detalhe/praga_so_depois_de_braga.html
http://www.jornaldenegocios.pt/opiniao/colunistas/isabel_stilwell/detalhe/praga_so_depois_de_braga.html
Este artigo está em conformidade com o novo Acordo
Ortográfico
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