Saber renovar-se, aceitar mudar o próprio coração e,
consequentemente, o próprio estilo de vida em nome da novidade que carrega a
esperança: não é um desafio fácil para a experiência humana aquela com que se
depararam os “avós” de Jesus, pais de Maria, os santos Joaquim e Ana. Dois
anciãos, segundo a tradição, que receberam o dom da filha como uma graça capaz
de trazer um novo sentido a toda a existência.
Nos Evangelhos canónicos não se fala destes dois santos,
cujas vicissitudes surgem, todavia, nos textos apócrifos. No Oriente o seu
culto chegou primeiro, enquanto no Ocidente só se difunde em torno do séc. X,
embora já haja referências em séculos anteriores, embora circunscritas. Para a
Igreja, Joaquim e Ana são as testemunhas do antigo que se abre ao novo e por
isso representam o chamamento de cada ser humano a colocar-se à escuta da voz
de Deus, sempre prontos, mesmo em idade avançada, a colhê-la na própria vida.
Artistas de todos os tempos retrataram Ana quase sempre em
grupo, com Joaquim e a pequena Maria, ou sentada sobre um alto assento, como
uma antiga matrona, com a criança Maria junto de si, ou então na pose
“trinitária”, isto é, com Nossa Senhora e com o Menino Jesus, indicando assim
as três gerações.
«Na casa deles, veio ao mundo Maria, trazendo consigo aquele
mistério extraordinário da Imaculada Conceição; na casa deles, cresceu,
acompanhada pelo seu amor e pela sua fé; na casa deles, aprendeu a escutar o
Senhor e seguir a sua vontade. São Joaquim e Santa Ana fazem parte de uma longa
corrente que transmitiu a fé e o amor a Deus, no calor da família, até Maria,
que acolheu em seu seio o Filho de Deus e o ofereceu ao mundo, ofereceu-o a
nós. Vemos aqui o valor precioso da família como lugar privilegiado para
transmitir a fé!», afirmou o papa Francisco durante a sua primeira Jornada
Mundial da Juventude, em 2013, no Rio de Janeiro.
«Os jovens querem saudar os avós. Eles saúdam os seus avós
com muito carinho. Aos avós. Saudamos os avós. Eles, os jovens, saúdam os seus
avós com muito carinho e agradecem-lhes pelo testemunho de sabedoria que nos
oferecem continuamente», acrescentou.
A memória litúrgica de S. Joaquim e Santa Ana entrou na
cultura, e na data de 26 de julho assinala-se o “Dia dos Avós”: «Os idosos, os
avós têm uma capacidade particular de compreender as situações mais difíceis:
uma grande capacidade! E, quando rezam por estas situações, a sua oração é
forte, é poderosa!», assinalou Francisco, em 2014.
«Aos avós, que receberam a bênção de ver os filhos dos
filhos, está confiada uma grande tarefa: transmitir a experiência da vida, a
história duma família, duma comunidade, dum povo; partilhar, com simplicidade,
uma sabedoria e a própria fé, que é a herança mais preciosa! Felizes aquelas
famílias que têm os avós perto! O avô é pai duas vezes e a avó é mãe duas
vezes. Nos países, onde grassou cruelmente a perseguição religiosa – penso, por
exemplo, na Albânia, onde estive no passado domingo – nesses países, foram os
avós que levaram as crianças para ser batizadas às escondidas, foram os avós
que lhes deram a fé. Valentes! Foram valentes na perseguição e salvaram a fé
naqueles países!», prosseguiu o papa.
«Mas nem sempre o idoso, o avô, a avó, tem uma família que o
possa acolher. E então são bem-vindas as casas para os idosos... contanto que
sejam verdadeiramente casas, e não prisões! E sejam para os idosos, não para
servir os interesses de outra pessoa qualquer! Não deve haver instituições onde
os idosos vivam esquecidos, como que escondidos, negligenciados. Sinto-me
solidário com os inúmeros idosos que vivem nestas instituições e penso, com
gratidão, a quantos os vão visitar e cuidam deles. As casas para idosos
deveriam ser “pulmões” de humanidade num país, num bairro, numa paróquia;
deveriam ser “santuários” de humanidade, onde quem for velho e frágil seja
curado e defendido como um irmão ou uma irmã mais velha. Faz tão bem ir
encontrar um idoso! Olhai os nossos jovens: às vezes vemo-los apáticos e
tristes; vão encontrar um idoso e tornam-se alegres!», continuou Francisco.
«Um povo que não guarda os avós e não os trata bem é um povo
que não tem futuro! Porque não tem futuro? Porque perde a memória, e se separa
das próprias raízes. Mas atenção! Vós tendes a responsabilidade de manter vivas
estas raízes em vós mesmos! Com a oração, a leitura do Evangelho, as obras de
misericórdia. Assim, permanecemos como árvores vivas, que, mesmo na velhice,
não cessam de dar fruto. Uma das coisas mais belas da vida de família, da nossa
vida humana de família, é acariciar uma criança e deixar-se acariciar por um
avô e por uma avó», concluiu o papa.
No último dia de fevereiro de 2014, por ocasião de um
encontro com os participantes da assembleia plenária da Comissão Pontifícia
para a América Latina, Francisco frisou que «o encontro dos jovens com os avós
é determinante».
«Diziam-me os bispos de alguns países em crise, onde há uma
grande taxa de desemprego juvenil, que uma parte da solução para os jovens se
encontra na constatação de que são mantidos pelos seus avós, ou seja, que
voltam a encontrar-se com os avós porque os avós recebem a reforma; assim,
deixam as casas de repouso, voltam para a família e, além disso, trazem consigo
a memória, o encontro», afirmou.
«Recordo-me de um filme que vi há cerca de vinte e cinco
anos, de [Akira] Kurosawa, aquele famoso cineasta japonês; a história é muito
simples: uma família, dois filhos, pai e mãe. O pai e a mãe fazem uma viagem
aos Estados Unidos, deixando os filhos com a avó. Crianças japonesas com
Coca-Cola, “hot dogs”... com uma cultura deste tipo. E o filme inteiro narra
como estas crianças começam, gradualmente, a ouvir quanto lhes narra a sua avó,
sobre a memória do seu povo. Quando os pais voltam, sentem-se desorientados:
fora da memória, que os seus filhos tinham recebido da avó», apontou.
«O encontro dos adolescentes e dos jovens com os avós é
determinante para receber a memória de um povo e o discernimento sobre o
presente: ser mestres de discernimento, conselheiros espirituais. E aqui, para
a transmissão da fé aos jovens, é importante o apostolado corpo a corpo»,
vincou o papa.
No decurso de uma peregrinação de famílias ao Vaticano, por
ocasião do Ano da Fé, em 2013, Francisco interpelou: «Vós ouvis os avós? Abris
o vosso coração à memória que nos dão os avós? Os avós são a sabedora da
família, são a sabedoria de um povo. E um povo que não ouve os avós, é um povo
que morre! Ouçamos os avós!».
Diz Jesus, no Evangelho, que pelos frutos se conhece a
planta, e nós conhecemos a flor e o fruto derivado da velhíssima planta: a
Virgem, Imaculada desde a conceção, ela que se tornou o tabernáculo vivo de
Deus feito homem. Da santidade do fruto, isto é, de Maria, deduzimos a
santidade dos seus pais, Ana e Joaquim.
Papa Francisco, Antonio Borrelli/Santi i Beati, Matteo
Liut/Avvenire
Trad. / edição: Rui Jorge Martins
Publicado em 26.07.2016
in http://www.snpcultura.org/felizes_as_familias_que_tem_os_avos_perto.html
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