«A
misericórdia é qualquer coisa de escandaloso, louco, até, para a lógica humana.
Não raro, no decorrer da história e dentro da Igreja, foi interpretada
exatamente ao contrário de como Jesus a colocou em prática com a mulher
adúltera, que escribas e fariseus queriam apedrejar.»
Enzo
Bianchi fala com a verve do homem apaixonado. Cita os Evangelhos, a festa
hebraica do Yom Kippur, o profeta Oseias e o místico russo Silvano do Monte
Athos. No Salão do Livro de Turim dialogou com o psicanalista Massimo
Recalcati, partindo do seu último livro, “L’amore scandaloso di Dio”, o amor
escandaloso de Deus (editora San Paolo, 144 págs.).
O
prior da Comunidade de Bose sublinha o sentido paradoxal da misericórdia: «Não
é o arrependimento que cria o perdão, mas o perdão que nos é dado é que provoca
o arrependimento». Isto é possível graças à «força assimétrica», como a define
Recalcati, do perdão: «Não perdoo o outro porque se arrepende mas perdoo-o
porque este gesto abre o cenário inédito do arrependimento e permite àquele
homem recomeçar».
«Na
minha experiência de psicanalista sei bem que se há uma experiência humana que
mais se assemelha à ressurreição, é a experiência de ser perdoado. Porque
permite a quem é perdoado continuar a viver, oferece-lhe uma outra
oportunidade, marca um novo início», declara Recalcati.
Enzo
Bianchi recorda a sua história de vida: «O tema do perdão não me é dado nem da
infância nem da educação católica. Até aos 30 anos era rigorista, os meus
modelos eram Joana d’Arc e Thomas Beckett». Depois aconteceu o encontro com o
texto bíblico e com aquela afirmação que o profeta Oseias coloca na boca de
Deus: «Quero misericórdia, e não sacrifícios, o conhecimento de Deus mais do
que holocaustos».
O
monge explica o sentido da dupla afirmação: «Sacrifícios e holocaustos,
concetualmente, estão juntos, e isso percebemo-lo; mais difícil de perceber,
porque radicalmente novo, é juntar misericórdia e conhecimento de Deus.
Significa que só podemos conhecer Deus numa experiência passiva de
misericórdia, de amor e de reconciliação; de outro modo torna-se um ídolo que
fabricamos sob medida, o produto das nossas projeções. O inferno, para o homem,
para cada um de nós, é não ser perdoado por ninguém».
O
religioso comenta a parábola do pai misericordioso, ou do filho pródigo, do
Evangelho segundo S. Lucas: «Ao início, quando regressa a casa, o filho pródigo
não o faz por estar arrependido mas porque estava mal e não tinha o que comer,
tanto que diz ao pai, perentoriamente, como uma ordem: “Trata-se como um dos
teus assalariados”. O pai não procura explicações, dá-lhe desde logo a veste
mais bela, o anel no dedo e prepara o vitelo gordo para fazer festa. O perdão
do pai precede o arrependimento do filho pródigo. Eis o escândalo».
O
último tópico do diálogo é sobre o sacrifício. Diz Bianchi: «O sacrifício é
comum a todas as religiões e não raro gera violência. Se o sacrifício é
mortificação, não tem nada a ver com a vida cristã. Se, pelo contrário, é
renunciar a algo pelo outro, então todos os dias fazemos sacrifícios».
Conclui
o psicanalista Massimo Recalcati: «O sacrifício torna-se patológico quando gera
uma satisfação no sujeito e se torna critério de superioridade moral em relação
aos outros. Este é um risco sempre presente na psicologia do homem religioso».
Antonio
Sanfrancesco
In
"Famiglia Cristiana"
Redação:
Rui Jorge Martins
Publicado em 16.05.2016
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