Mensagem do Arcebispo de Braga, Dom Jorge Ortiga para a Quaresma 2016
Não
é fácil sintetizar, num contexto multicultural como aquele em que vivemos, o
que caracteriza a vida das pessoas. Creio não fugir à verdade ao afirmar que se
impôs uma sede de autonomia, agravada por mecanismos de arrogância de
personalidade. Negligenciamos, infelizmente, qualquer apelo à interioridade e a
reconhecer, com humildade, a necessidade de mudar de rumo. Na linguagem cristã,
este movimento interior é sinónimo de conversão. Um caminho que visa o reconhecimento
do pecado e o desejo de avançar por caminhos diferentes. Neste percurso não
estamos sós. Ao nosso lado estão amigos, sacerdotes e mestres espirituais com
quem podemos dialogar e pedir orientação.
Gostaria,
por isso, de sugerir uma acção que caracteriza a fisionomia do discípulo
missionário: conversão da vida pessoal e pastoral ou, como diz o
itinerário preparado para a Arquidiocese, ser discípulos missionários em
conversão de coração. Estes arautos da Boa Nova somos todos nós, sacerdotes
e leigos...
Temos
de regressar a Cristo. É Ele quem dá um sentido genuíno e livre à nossa vida.
Liberdade interior é diferente de autonomia. Enquanto a primeira resulta da
entrega a Cristo e ao amor fraterno, a segunda procura o bem próprio. «Só desde
que Te dei a minha alma, Senhor, Ela é verdadeiramente minha», rezamos no
Ofício de Leitura de Sexta-feira.
É
crucial deixar-se seduzir por Cristo, o Deus vivo que incarnou para ficar
connosco nas vinte e quatro horas do nosso dia. E depois, com Ele e como Ele,
calcorrearmos o mundo com olhos de verdadeira fraternidade, isto é, sendo
capazes de escutar os sofrimentos das pessoas. Quantos gritos de dor! O
silêncio dos inocentes deve questionar-nos até ao mais profundo do nosso ser. E
nós, quantas omissões, acções incoerentes e palavras despropositadas que
ofendem! Quanta passividade perante os males! Estaremos áfonos?
A
conversão deve também comprometer-nos com a comunidade cristã. Estou certo que,
com o nosso contributo, ela poderá tornar-se missionária e ganhar coragem para
romper com esquemas de morte.
Já
o Papa Paulo VI dizia que “vivemos a hora de a Igreja aprofundar a consciência
de si mesma, meditar sobre o seu mistério […]. Desta nossa consciência
esclarecida e ativa nasce o desejo espontâneo de comparar a imagem ideal da
Igreja, qual Cristo a viu, quis e amou como sua Esposa santa e imaculada (Ef
5,27), de a comparar, dizemos, com o rosto que ela apresenta hoje. (…) Daqui
vem à Igreja a necessidade nobre e quase impaciente de se renovar, isto é,
emendar os defeitos, que aquela reflexão, como exame interior feito diante do
modelo, que nos deixou Cristo de si mesmo, descobre e repele” (Ecclesiam
Suam, 3-4). O Papa Francisco, consciente desta necessidade, pede a todas as
comunidades que se esforcem por usar os meios necessários para avançarem no
caminho de uma conversão pastoral e missionária que não “pode deixar as coisas
como estão.” (Evangelii Gaudium, 25).
Peço
a todas as comunidades que acolham a Caminhada Quaresmal preparada pela
Comissão Arquidiocesana para a Pastoral Litúrgica e Sacramentos. “Dai-nos um
coração puro” repleto da Misericórdia de Deus, aberto à conversão e
comprometido com a Igreja e com o bem da sociedade.
Onde
nos conduzirá este processo de conversão pessoal e pastoral? A Quaresma é tempo
propício para reflectir e ouvir o Espírito Santo. Só assim a comunidade cristã
será capaz de resplandecer a verdadeira fisionomia do discípulo e de projectar
o seu futuro. Não foram as amarras ao passado, a tibieza das adaptações ou a
preguiça espiritual e pastoral que fizeram os grandes santos. Deixemos, por
isso, que a Misericórdia divina entre em nós e que seja ela a conduzir as
nossas vidas.
† Jorge Ortiga, Arcebispo
Primaz
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