Discordâncias
e tensões não levam necessariamente à guerra, mas antes revelam entrega, vida,
convicção e verdade. E quando o diferente é escutado com humildade, gera-se o
verdadeiro diálogo.
Há
um ano realizou-se a III Assembleia Geral Extraordinária do Sínodo dos Bispos,
convocada pelo Papa Francisco, com o título “Os desafios pastorais sobre a
família no contexto da evangelização”. Esta teve o intuito de preparar a XIV
Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, com o título “A vocação e a
missão da família na Igreja e no mundo contemporâneo”, que ocorrerá de 4 a 17
de Outubro, em Roma.
Por
se centrar quase exclusivamente nas questões ditas fraturantes, a comunicação
social inflacionou a polémica que possa ter existido na Assembleia
Extraordinária do sínodo. Divisão dentro da Igreja! Haverá um novo cisma?
Francisco provoca confrontos entre os prelados! Este era o tipo de títulos em
meios de comunicação não necessariamente sensacionalistas.
Mas,
que os bispos não estejam todos de acordo, revela alguma novidade? E seria
ideal concordarem em tudo? Só manifestaria uma Igreja artificial e superficial.
O Papa não cessa de afirmar que uniformidade e unidade são realidades
distintas! A uniformidade é a tentação própria de quem, bem intencionado,
deseja a unidade. Mas revela medo. Medo do confronto. Medo do diferente. Medo
da riqueza que a diferença produz, porque nos desinstala.
Por
isso, ao abrir a Assembleia Extraordinária do ano passado, o Papa pediu aos
bispos para falarem livre e claramente, e escutarem com humildade. Porque
discordâncias e tensões não levam necessariamente à guerra, mas antes revelam
entrega, vida, convicção e verdade. E quando o diferente é escutado com
humildade, gera-se o verdadeiro diálogo. A tensão é boa!
O
próprio Novo Testamento refere que os apóstolos experimentaram desacordos. Que
se desentenderam e que Paulo “se opôs frontalmente” a Pedro (Gal 2,11-14). Nem
um resquício de beatice, ou sequer respeito humano para com o chefe dos apóstolos.
Mas toda a convicção na busca da verdade. Foi, aliás, o desacordo entre Pedro e
Paulo que levou à convocação daquele que ficou conhecido como o primeiro
concílio da Igreja, o Concílio de Jerusalém. Ora, se entre os apóstolos a
tensão era uma realidade, porque não haveria de o ser entre os seus sucessores?
E se tal desacordo deu tantos frutos no passado, porque não há de dar no
presente? Não tenhamos medo, porque a garantia da unidade da Igreja é dada por
aquele que lhe preside, já que o sínodo decorre, como recordava o Papa aos
bispos, cum Petro e sub Petro.
A
unidade não é o humanamente espontâneo. É fruto de diálogo, de conversão e de
encontro. É o que o Papa pede aos bispos e a todos os cristãos. É o que a
Igreja precisa. E é o que a Igreja pode oferecer ao mundo: uma sincera busca
encontrar e revelar Jesus Cristo, Ele mesmo a Verdade.
Forjado
nos Exercícios Espirituais de Sto. Inácio de Loyola, Francisco não poderia agir
de outro modo. Da sua formação jesuítica decorre que a obediência é uma dimensão
estrutural da vida religiosa. Mas a obediência de um jesuíta é, e há de ser
sempre, uma obediência tão crítica quanto inquestionável à Igreja. Não pretende
ser uma asserção beata que repete “Ámen” a cada indicação do superior, de modo
imediato e irrefletido. Antes, exige do súbdito que manifeste ao superior o
que, em consciência, pensa ser relevante, de modo a que o superior possa
decidir bem quando lhe confere determinada missão.
É
verdade que não estamos habituados a este modo de governar a Igreja. E, por
isso, quando há divergência pública, e até polémica entre os bispos, há
cristãos que ficam meio perdidos e alarmados. Talvez até os próprios bispos se
deixem levar pelo calor de uma boa discussão e, ajudados pelas pressões
mediáticas, lhes possa escapar uma ou outra expressão menos simpática ou alguma
posição mais extremada. Mas quando o Papa Francisco pede aos bispos para
falarem abertamente e com ousadia, não está a fazer mais do que pedir-lhes uma
verdadeira, livre e discernida obediência. Só assim é possível dar corpo ao
sínodo – um instrumento de consulta e colaboração do Papa para o governo da
Igreja. O sínodo é um órgão consultivo, porque a última palavra é do Papa, que
será publicada na Exortação Apostólica pós-sinodal.
Quanto
aos conteúdos que provocam polémica… são cenas dos próximos capítulos.
P.
Miguel Almeida, sj
Sacerdote
jesuíta
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