O que se
responde a uma criança que perdeu os pais e pergunta quando voltam? Como
compreender a revolta contra Deus por parte dos pais que ficaram sem o filho?
A relação
entre a família e o luto de uma pessoa querida, entre a dor de quem sofre o
desaparecimento de alguém próximo e a fé que restitui a esperança, foram os
temas que o papa Francisco refletiu hoje, no Vaticano, durante a audiência
semanal, durante a qual se referiu também à sua nova encíclica, lançada amanhã,
e ao Dia Mundial do Refugiado.
«É uma cena
muito comovente, que nos mostra a compaixão de Jesus por quem sofre – neste
caso uma viúva que perdeu o único filho – e nos mostra também, o poder de Jesus
sobre a morte», assinalou o papa, referindo-se ao trecho bíblico (Lucas 7,
11-15) proclamado antes da catequese.
Excertos da
intervenção:
«A morte é
uma experiência que diz respeito a todas as famílias, sem exceção alguma. Faz
parte da vida; todavia, quando toca os afetos familiares, a morte nunca é capaz
de aparecer como natural. Para os pais, sobreviver aos próprios filhos é
qualquer coisa de particularmente desolador, que contradiz a natureza elementar
das relações que dão sentido à própria família. A perda de um filho ou de uma
filha é como se o tempo parasse: abre-se uma voragem que engole o passado e
também o futuro.»
«[A morte de
um filho] é uma bofetada às promessas, aos dons e sacrifícios de amor
alegremente entregues à vida que fizemos nascer. Muitas vezes vêm à missa na
Casa de Santa Marta pais com a fotografia de um filho, de uma filha, crianças,
rapazes, raparigas, e dizem-me: “Partiu”. E o seu olhar é muito pesaroso. A
morte bate, e quando é um filho bate profundamente.»
«[Algo de
semelhante] sofre também a criança que fica só, devido à perda de um dos pais,
ou de ambos. Há aquela pergunta: “Onde está o papá? Onde está a mamã?”
… Esta
pergunta que cobre uma angústia no coração do menino ou da menina. Fica só. O
vazio do abandono que se abre dentro dele é tanto mais angustiante pelo facto
de nem sequer ter a experiência suficiente para “dar um nome” ao que aconteceu.
“Quando é que o papá volta? Quando é que a mamã volta?”. O que é que se
responde? E a criança sofre.»
«[Esse]
buraco negro [que] se abre na vida da família e a que não sabemos dar nenhuma
explicação [conduz] por vezes a culpar Deus (…). Eu compreendo, zanga-se com
Deus, blasfema… “Porque me tiraste o filho, a filha? Deus não existe! Porque
fez isto?”.»
«A morte
física tem cúmplices que são piores que ela, e que se chamam ódio, inveja,
soberba, avareza [e que a tornam] ainda mais dolorosa e injusta [porque os]
afetos familiares surgem como as vítimas predestinadas e indefesas destes
poderes auxiliares da morte, que acompanham a história do homem. Pensemos na
absurda “normalidade” com a qual, em certos momentos e certos lugares, os
acontecimentos que acrescentam horror à morte são provocados pelo ódio e pela
indiferença de outros seres humanos. O Senhor nos livre de nos habituarmos a
isto.»
«[Todas as
vezes] que a família no luto – ainda que terrível – encontra a força de guardar
a fé e o amor que nos unem àqueles que amamos, ela impede-a já, à morte, de
levar tudo. A treva da morte é enfrentada com uma mais intensa obra de amor.
(…) Na luz da ressurreição do Senhor, que não abandona nenhum daqueles que o
Pai lhe confiou, podemos tirar à morte o seu “aguilhão”, como dizia o apóstolo
Paulo; podemos impedi-lo de envenenar a vida, de tornar vãos os nossos afetos,
de nos fazer cair no vazio mais obscuro.»
«Podemos
consolar-nos uns aos outros, sabendo que o Senhor venceu a morte de uma vez por
todas. Os nossos queridos não desapareceram na escuridão do nada: a esperança
assegura-nos que eles estão nas mãos boas e fortes de Deus. (…) Se nos
deixarmos apoiar por esta fé, a experiência do luto pode gerar uma
solidariedade mais forte dos laços familiares, uma nova abertura à dor das
outras famílias, uma nova fraternidade com as famílias que nascem e renascem na
esperança.»
«[A fé]
protege-nos da visão niilista da morte, como também das falsas consolações do
mundo, desde que a verdade cristã não corra o risco de se misturar com
mitologias de vários géneros, cedendo aos ritos da superstição, antiga ou
moderna.»
«Não se deve
negar o direito ao choro, devemos chorar no luto: também Jesus rebentou no
choro e ficou profundamente perturbado pelo pesado luto de uma família que
amava. Possamos antes alcançar, a partir do testemunho simples e forte de
muitas famílias que souberam colher, na duríssima passagem da morte, a segura
passagem do Senhor, crucificado e ressuscitado, com a sua irrevogável promessa
de ressurreição dos mortos. A obra do amor de Deus é mais forte do que a obra
da morte. E desse amor, é precisamente desse amor que devemos fazer-nos
“cúmplices” operativos, com a nossa fé. E recordemos aquele gesto de Jesus: “E
Jesus o restituiu à sua mãe” – assim fará com todos os nossos queridos e
connosco quando nos encontrarmos, quando a morte for definitivamente derrotada
em nós. Ela foi derrotada pela cruz de Jesus. Jesus nos restituirá em família a
todos.»
Após a
catequese, Francisco lembrou que esta quinta-feira é apresentada a sua nova
encíclica, “Laudato si’”, sobre a proteção da “casa comum”, que se está a
destruir, o que «prejudica todos, especialmente os mais pobres».
«O meu é por
isso um apelo à responsabilidade, com base na tarefa que Deus deu ao ser humano
na criação: “cultivar e guardar” o “jardim” em que o colocou, vincou o papa,
que pediu espírito «aberto» para acolher o documento que se insere na «doutrina
social da Igreja».
Francisco
também recordou que no sábado, 20 de junho, se assinala o Dia Mundial do
Refugiado, promovido pela ONU: «Oremos por tantos irmãos e irmãs que procuram
refúgio longe da sua terra, que procuram uma casa onde podem viver sem medo,
para que sejam sempre respeitados na sua dignidade. Encorajo a obra de quantos
lhe levam auxílio, e desejo que a comunidade internacional aja de maneira
concorde e eficaz para prevenir as causas das migrações forçadas. Convido todos
a pedir perdão pelas pessoas e instituições que fecham a porta a esta gente que
procura uma família, que quer ser protegida».
Síntese da
catequese: In "Avvenire"
Trad. /
edição / redação: Rui Jorge Martins
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