Fernando Castro é
pai de 13 filhos, com idades compreendidas entre os 38 e os 11 anos, e avô de
24 netos. Dois deles ainda não nasceram mas diz ser «avô desde o momento da
conceção». O responsável pela Associação Portuguesa de Famílias Numerosas
(APFN), que representa cinco mil famílias, fala não só sobre a falta de
políticas de família, mas também sobre a sua experiência de pai e da devoção a
São José.
FAMÍLIA CRISTÃ
(FC) – O presidente da APFN é pai de 13 filhos. A sociedade de hoje fá-lo
sentir-se quase um extraterrestre?
Fernando Castro
(F.C.) – Não, porque sou imune a isso. Já há muitos anos, desde o nascimento
dos meus primeiros filhos, que sinto uma pressão crescente para que não se
tenha filhos... Até mesmo o médico particular, a partir do sexto filho, começou
a fazer uma pressão cada vez maior para um de nós ser esterilizado. Deve-se
apoiar as famílias que estão disponíveis para ter filhos. Nunca, jamais, impor
um programa compulsivo de esterilização à sua população.
FC – Hoje em dia
só tem uma família numerosa quem é pobre ou rico...
F.C. – Eu não sou pobre
nem rico. O que acontece é que as famílias numerosas pobres ou as famílias
numerosas ricas são mais visíveis. Em Portugal, as famílias numerosas estão em
vias de desaparecer. Quando desaparecerem, desaparece o país. A política antinatalista
do Estado tem sido crescente nos diversos governos. Este Governo não só não
alterou tudo aquilo que foi feito pelo anterior, como tem agravado. Acolher um
filho significa a um casal aceitar uma redução do seu nível de vida pelo bem
que é a chegada de mais um filho – e o Estado não reconhece isso.
FC – O programa do
Governo fala em «promover um amplo debate nacional sobre a questão vital do
aumento da taxa de natalidade na sociedade portuguesa». No programa lê-se ainda
que se «impõe um reforço das medidas que anulem progressivamente algumas das
causas que expliquem esta tendência, designadamente a necessidade de encontrar
novos caminhos para a conciliação da vida familiar e profissional das famílias,
especialmente das mães, e uma nova proteção fiscal do agregado familiar [...]»
F.C. – Falou no
programa de Governo e isso mostra que este país está sem Governo. O que tem é
uma pessoa que recebe o ordenado de primeiro-ministro, tem outras pessoas que
recebem ordenados de ministros e a prática que está a ser seguida não tem nada
– absolutamente mesmo nada – a ver com o programa eleitoral. Ainda houve mais
uma coisa que foi anunciada pelo senhor primeiro-ministro: o visto familiar.
Nessa altura presumi que isso significava que todas as leis que prejudicassem a
família seriam recusadas, mas, pelos vistos, não foi isso que aconteceu. Temos
uma quantidade de leis aprovadas com um fortíssimo impacto na vida das
famílias. Temos uma forte política antinatalista penalizando prioritariamente
as famílias com filhos, tanto mais quanto maior o seu número de filhos. O que é
necessário é que o Governo se aperceba do problema, estabeleça metas e crie
medidas para atingir esses objetivos.
FC – Que medidas
têm de ser criadas?
F.C. – A primeira medida
é de elementar justiça: o rendimento de referência ser o rendimento per
capita e ser tudo per capita. Ser per capita no IMI, per
capita no consumo de água, per capita no consumo de eletricidade...
Depois, aumentar o abono de família a partir do terceiro filho ou do quarto
filho ou do 27.º filho – mas que comece. Era um sinal político extremamente
importante.
FC – O Governo
poderá dizer que não dá esse sinal numa situação de emergência.
F.C. – O Governo diz que
está em situação de emergência por causa das finanças – está numa situação de
muitíssimo maior emergência por causa da natalidade. Essa história das finanças
é de curto prazo, a natalidade é de longo prazo. Eu gostaria de saber como é
que aquelas cabecinhas pensadoras acham que vai ser possível recuperar a
economia deste país? Temos cada vez mais idosos e cada vez menos população
ativa – e ainda por cima esta população ativa está a emigrar com os seus filhos
e vai ficar lá. Uma das minhas filhas casou-se com um alemão, tem quatro filhos
alemães e lá as coisas são completamente diferentes. Agora, para além do abono
de família que já tinham, cada mãe que fique com as crianças até aos três anos,
recebe 100 euros por cada filho. Portanto, é um sinal de que apoiam a
maternidade, que reconhecem aquilo que toda a gente sabe: que os melhores
educadores são os pais e que é extraordinariamente importante a mãe acompanhar
as crianças no início da vida, mas é muito bom se a mãe puder acompanhar também
os filhos na idade escolar...
FC – A APFN fala
muito no papel da maternidade. Se olharmos para o exemplo dos nórdicos, isso
tanto pode acontecer com a mãe como com o pai...
F.C. – Agradeço-lhe por
falar nisso. Aquilo que defendemos é que existam condições para que um dos pais
possa sair parcialmente do mercado de trabalho ou desempregar-se mesmo para
acompanhar mais os filhos. Isso deve ser uma opção do casal de acordo com as
circunstâncias.
FC – É casado há
40 anos, dos 13 filhos tem ainda quatro a seu cargo. Como é que se educam 13
filhos em tempos diferentes?
F.C. – Os princípios são
os mesmos, mas o exercício desses princípios é diferente, porque tem a ver com
o tempo, o grau de influência do ambiente externo na nossa casa...Uma coisa que
nós queremos no processo educativo é que tomem consciência de que são seres
únicos e irrepetíveis; por isso, eles têm uma determinada missão no mundo, se
não a cumprirem, essa missão fica por cumprir.
FC – Abdicou do
quê em prol dos 13 filhos?
F.C. – Abdiquei de um dos
meus sonhos de criança. O meu sonho era ser engenheiro de construção naval e
foi em pleno ponto alto dessa minha carreira que tive de largar isso para ir
para outro trabalho que desse para pagar os encargos familiares [quando nasceu
o décimo filho, com um grave problema no coração, a esposa, que era professora,
ficou em casa para acompanhar mais de perto os filhos]. Fomos os dois que
abdicámos – mas é esse o papel dos pais. Não temos de ter medo da mudança.
FC – Recorda-se de
algum Dia do Pai especial?
F.C. – Perfeitamente. O
dia mais especial foi um dia de certa forma dramático. Tinha feito uns testes
médicos porque havia a possibilidade de ter uma doença grave. Entretanto, no
dia 18 de março desse ano recebi o resultado das análises e biópsias e confirmava-se
que tinha um cancro na próstata. No dia 19 de março, íamos ter a celebração do
Dia do Pai na nossa casa. Tive a sorte que nesse dia ia ter lá todos os filhos,
incluindo os casados. Transmiti a notícia e senti a sério o apoio e a
importância da família para, em conjunto, vermos o que fazer no dia seguinte.
Felizmente, já passou tudo.
FC – João Paulo II
dizia que «família que reza unida permanece unida». É o caso da vossa família?
F.C. – Nos últimos anos
temos procurado instituir todos os dias essa rotina lá em casa de rezar o terço
depois do jantar – e recomendo fortemente às famílias.
FC – Tem uma
devoção especial por São José?
F.C. – Rezamos a oração
de São José, que é a oração em favor da família. Nossa Senhora e São José têm
uma experiência muito grande de família – e muito difícil. Tiveram de largar
tudo... são as pessoas mais indicadas a quem rezamos. Estamos a pedir ajuda de
quem sabe e tem provas dadas. E é giro, porque parece que São José começou a
querer manifestar-se e a dar resposta. A Leonor [a esposa] começou o trabalho
das Mãos Erguidas na paróquia de São José. Quando o Marcos [nono filho que hoje
é padre] foi para o seminário, foi para o seminário de São José. São sinais...
FC – O que tem
aprendido com os seus filhos?
F.C. – Com os filhos
aprendo a ser pai e a ter uma maior exigência naquele caminho para a perfeição
que nós somos chamados a percorrer enquanto cá andamos. Quando estamos todos
juntos, ou com um grupo deles, delicio-me a olhar para eles, a saber quais são
as suas opiniões... Claro que há preocupações, a vida não está fácil, está
bastante difícil para eles. Eu estou a ser aliviado de encargos, eles estão a
ser carregados de encargos com o nascimento dos filhos. Portanto, aprendi a ter
serenidade e maior confiança em Deus...
FC – Notei uma
certa emoção quando falou que aprendeu a ter maior confiança em Deus...
F.C. – Mas dói... [a voz
embarga]. Quando Deus aparece, dá medo. Quando aconteceu esta história do dia
19 de março, eu sabia perfeitamente que Deus estava a visitar-nos e a querer
provocar determinada coisa na nossa vida, da mesma maneira quando apareceu o
problema com o Bernardo, que nasceu com um grave problema de coração e nos
obrigou a mudar de vida – isso mete medo. A gente tem de confiar – mas custa.
FC – O que Lhe
costuma dizer nessas alturas?
F.C. – Tinha de ser com
bolinha [risos]. Quando o Bernardo foi operado, era a primeira vez que se fazia
essa operação em Portugal. Vieram-nos dizer: «A operação correu bem, mas ele
não acorda.» [lágrimas e risos nervosos] Isto era uma forma sofismática de
dizer que estava morto. Nós fomos para a capela [a voz volta a embargar] exigir
a vida do Bernardo e lembrar que Nosso Senhor tinha feito isso com São Lázaro
.... Ele podia salvá-lo. Depois vieram-nos dizer que já estava a reagir. Ele
estava ligado à máquina, tinha seis meses, e numa sexta-feira perguntámos ao
médico se haveria algum problema em irmos a Fátima no sábado. O médico era
agnóstico e disse que escusávamos de lá ir, porque já estava tudo ok. Nós
dissemos que não íamos pedir nada, íamos apenas agradecer e lá fomos. Quando
regressámos tinha havido um problema. O médico disse-nos: «Não está na
literatura quanto tempo é que um bebé com esta idade pode aguentar ligado à
máquina e a máquina avariou. E o coração está a funcionar lindamente sem estar
ligado à máquina.» Perguntámos a que horas é que isso tinha acontecido. Eram
três e um quarto – a hora em que estávamos a chegar à capelinha [as lágrimas
voltam]. O médico disse-nos: «Não sei o que fizeram ontem, mas nunca tive uma
equipa tão empenhada para fazer aquele coração voltar a bater.» Passaram-se uns
anos, o médico continuou a acompanhar o miúdo e às tantas as filhas iam fazer a
Primeira Comunhão e ele pediu-nos para explicar o que era isso. Ficámos com
muita alegria e dissemos que tínhamos muito gosto em que levassem o vestido da
Primeira Comunhão das nossas filhas. Passados mais alguns anos, o Dr. Fragata
liga-nos e diz: «Quero fazer uma surpresa à minha mulher, vamos fazer 25 anos
de casados e gostava de casar pela Igreja.» Começámos a fazer a preparação do
casamento deles. Quem celebrou o casamento foi o nosso filho Marcos.
FC – Como é que
uma família tão empenhada em defender a família digere a situação de ter três
filhos divorciados?
F.C. –
Indigerível. É uma ferida muito grande e dá cabo da harmonia da família. É uma
chaga muito grande. Conhecemos tantos anos de namoro, assistimos ao casamento,
foram aceites como filhos [lágrimas]... Mas foge ao nosso controlo. Aguento...
FC – Em nenhum
momento pensou: «Talvez seja melhor assim por causa das crianças...»?
F.C. – Isso é uma
gigantesca mentira. Faz parte da agenda mundial contra a família que é
propagada e propagandeada por aqueles que se divorciaram. Já tenho 40 anos de
casado. Vivemos períodos altos e períodos muito baixos e o divórcio não é
solução. A solução é aguentarem, falarem... Às vezes, pode durar um ano, dois,
três, mas ultrapassar isso é um sinal de força. Desistir é próprio dos fracos.
FC – O que
gostaria de dizer às família cristãs?
F.C. – Acreditem a sério
que a família é a célula base da sociedade. O país está numa situação incrível,
o mundo está numa situação incrível, isto há de partir tudo, menos a família,
se assim quiserem. Os leitores da FAMÍLIA CRISTÃ são responsáveis por uma
família e só poderão responsabilizar-se a eles próprios pelo sucesso da sua
família. À semelhança do que aconteceu em toda a história humana, dos escombros
emergirá a família.
Sílvia Júlio
15 de Março de 2013
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