Parte
I
Nas minhas conferências sobre a Teologia do Corpo de João Paulo
II, as pessoas ficam geralmente espantadas com a beleza desta visão da vida
humana, a ao mesmo tempo, pela sua incapacidade de a levar avante. Daí que uma
das questões que mais frequentemente oiço seja “Como é que eu posso viver
isto?”
Este é o dilema de quem encontra a doutrina de Cristo: por nós
próprios, não temos o que é necessário para a cumprir. Como diz João Paulo II,
“Amar e viver de acordo com os Evangelhos está para além das capacidades
humanas. É possível somente como resultado de um dom de Deus que, pela Sua
Graça, cura, restaura e transforma o coração humano”. Viver o Evangelho é então
“uma possibilidade aberta apenas ao homem pela graça, pelo dom de Deus, pelo Seu
amor.” (Veritatis Splendor, 23-24)
Na Teologia do Corpo, João Paulo II dá-nos um programa
tripartido que nos permite abrirmo-nos a este amor divino, a esta graça: Oração,
Eucaristia e Penitência. Estes, diz ele, são os meios “infalíveis e indispensáveis” para viver a verdade do amor que Deus
inscreveu na teologia dos nossos corpos. (TOB 126:5)
De repente isto pode soar como “típica conversa de católicos”
que já todos ouviram antes. E, na verdade até é! Mas a teologia esponsal de
João Paulo II dá-nos uma perspectiva nova, mística, que provavelmente nunca
ouviram antes.
Este artigo divide-se em três partes e na primeira vamos olhar
brevemente para a natureza “esponsal” da oração. Depois olharemos para a
Eucaristia e para a Penitência.
Como diz o Catecismo, “Toda a vida cristã tem a marca do amor
esponsal entre Cristo e a Igreja.” (CIC 1617). Os Cristãos são chamados a viver
por dentro este “grande mistério” do amor esponsal de Cristo. (ver Ef 5:31-31).“Esta
relação viva e pessoal com o Deus vivo e verdadeiro... é a oração.” (CIC 2558).
A oração nunca deve ser reduzida a uma simples recitação de fórmulas.
É um convite a uma intimidade profunda com Deus. A oração é onde nós “fazemos
cair as nossas máscaras e voltamos o coração para o Senhor que nos ama de modo
a entregarmo-nos a Ele como uma oferenda a purificar e transformar.” (CIC
2711). Devemos permitir-nos estar “nus” diante de Deus. Mascaras e folhas de
figueira são a mesma coisa - uma forma de nos escondermos de Deus: “Tive medo
porque estava nu e por isso escondi-me” (Gen 3:10). “). A oração é onde
nós permitimos que o amor perfeito de Cristo afaste esse medo. (ver 1 Jo 4:18)
Ficar nu diante do Divino Noivo, em oração, permite que Cristo purifique a sua Noiva
(ver Ef 5:27) de modo a prepará-la para a “união nupcial”.
João Paulo II desenvolve a sua visão esponsal da oração no seu
documento sobre o novo milénio: “A grande tradição mística da Igreja… mostra
como a oração pode progredir, como um genuíno diálogo de amor, ao ponto de
tornar a pessoa totalmente possuída pelo divino Amado, vibrando ao toque do
Espírito, permanecendo como filho no coração do Pai.” E continua: “Isto é… algo
totalmente sustentado pela graça, que solicita um compromisso espiritual
intenso a que não é alheia uma dolorosa purificação. (a “Noite escura”). Mas
leva, de várias formas possíveis, à inefável alegria experimentada e descrita
pelos místicos como uma “união esponsal” (Novo Millenium 33).
Aqui vemos João Paulo II inspirado por um dos seus mestres
favoritos São João da Cruz. Segundo este místico, a oração leva-nos à entrega a
Deus (e Ele a nós) semelhante ao abandono que se verifica nos esposos na união
sexual. Como diz São João, “Tal como na união sexual há dois numa só carne …
assim também quando é consumada a união espiritual entre Deus e a alma, há duas
naturezas num só espírito e num só amor”. (Comentário ao Canto Espiritual)
Só na medida em que somos “um só espírito e um só amor” com
Cristo, o Esposo, é que somos capazes de nos amar uns aos outros como Ele nos
amou. É uma experiência que é dada aos que preservaram na oração Cristã. Então
não tenhamos medo de preservar através das purificações dolorosas que nos levam
a uma união nupcial com Deus. “Senhor ensina-nos a rezar”
Parte II
Viver a teologia dos nossos corpos significa reconhecer o plano
de amor inscrito por Deus nos nossos corpos como homem mulher e viver de acordo
com isso. É disto que trata a vida Cristã - amar como Cristo amou: “Este é o
meu corpo entregue por vós”.
Há uma questão fundamental. Cristo pede-nos para fazer algo que
não somos capazes de fazer. Nenhum ser humano com a sua própria força pode amar
como Deus ama. É impossível. Só quando reconhecemos que não podemos seguir a
lei de Deus por nós próprios é que estamos preparados para receber a Boa Nova
do Evangelho. Numa palavra a “boa nova” chama-se Graça.
Graça é um dom misterioso de Deus que nos capacita para amar
como Ele ama. Graça é o amor de Deus derramado sobre nós e dentro de nós. Só na
medida em que o amor de Deus permanece em nós é que somos capazes de o
partilhar com os outros. Por outras palavras, só na medida em que recebemos o
amor de Deus é que somos capazes de cumprir a lei de Deus. Como dizia
StºAgostinho, “ A Lei foi-nos dada para que a Graça fosse procurada; e a Graça
foi-nos dada, para que a Lei fosse cumprida.” (De Spiritu et Littera)
Isto são boas notícias! Que alívio saber que não depende de mim.
Por muito que me esforçasse, simplesmente não consigo sozinho, não consigo
cumprir a Lei de Deus (não admira que esteja sempre a cair…). Só a Graça de
Deus consegue.
A questão então é, como é que recebo esta Graça? A resposta de
João Paulo II é a oração e a frequência regular dos sacramentos da Penitência e
Eucaristia. A teologia esponsal de João Paulo II dá-nos uma nova perspectiva
mística destes 3 meios “infalíveis e indispensáveis” para viver a vida Cristã.
Já vimos a natureza esponsal da oração e agora vamos rapidamente abordar a
natureza esponsal da Eucaristia.
Receber a Eucaristia e vivê-la com fé é receber e viver tudo o
que João Paulo II ensina na sua Teologia do Corpo. A Eucaristia, diz ele, é o
“sacramento do noivo e da noiva”. Cristo instituiu a Eucaristia, continua João
Paulo II, “para expressar a relação entre homem e mulher, entre o que é
“feminino” e “masculino” (Mulieris dignitatem
26).
Que tesouro de verdade está aqui para ser descoberto! Na
Eucaristia, Cristo o Esposo entrega o Seu corpo para a Sua noiva e nós, a
Esposa recebemos o Seu corpo nos nossos corpos. Nesta mais sagrada e santa consumação
de amor, a Esposa de Cristo é infundida, cheia, impregnada com toda a graça
necessária para amar como Cristo ama. Aqui recebemos toda a força necessária
para vencer os nossos pecados e fragilidades e tornarmo-nos os homens e
mulheres que somos criados para ser. João Paulo II questiona: “Se ignorássemos
a Eucaristia, como poderíamos ultrapassar a nossa deficiência?” (Ecclesia de Eucharistia 60).
A história seguinte sobre os meus sogros ilustra muito bem a
ligação entre a comunhão dos Esposos e a Comunhão entre Cristo e a Igreja. Na
Missa, no dia depois do seu casamento, o meu sogro estava banhado em lágrimas
depois de receber a Eucaristia. Quando a sua noiva perguntou o que se passava, ele,
pensando na consumação do seu amor na noite anterior, disse “Pela primeira vez
na minha vida percebi o significado das palavras de Cristo, “Isto é o meu corpo
entregue por vós.”
Esclarecidas todas as dúvidas - este é o significado mais
profundo do corpo humano e da união “numa só carne”. É tudo um grande
“mistério” que se destina a apontar para a Comunhão entre Cristo e a Igreja
(ver Ef 5:31-32). Os nossos corpos” entregues” uns pelos outros num amor
esponsal verdadeiro destinam-se a testemunhar o corpo de Cristo “entregue” por
nós na Eucaristia.
Parte III
Como vimos, viver a Teologia dos nossos corpos significa
reconhecer o plano inscrito por Deus nos nossos corpos como homem e mulher e
viver de acordo com ele.
O Cristianismo é a religião por excelência, da encarnação.
Realidade espiritual última (Deus) manifestou-se na carne. “A Palavra fez-se carne e habitou entre nós” (Jo 1:14).
Também nós somos chamados em Cristo a manifestar o amor de Deus na carne. De
facto, o chamamento para amar como Deus ama, está impresso nos nossos corpos.
O corpo do homem não faz sentido por si só, nem o da mulher.
Vistos à luz um do outro, descobrimos claramente o plano do Criador - homem e
mulher são feitos para serem um dom fecundo um para o outro. “Sede fecundos e
multiplicai-vos” é simplesmente um chamamento a viver à imagem de Deus, na qual
somos feitos. “Por esta razão… os
dois tornam-se uma só carne.” E por que razão? Para revelar, proclamar e
participar no amor de Cristo e da Igreja (ver Ef 5:31-32). Tal amor chama-se
casamento.
Claro que o casamento não é a única maneira de viver a “teologia
dos nossos corpos”. Independentemente do nosso estado de vida somos todos chamados a amar como Deus ama. Os
esposos fazem isto dum modo muito particular ao tornarem-se “uma só carne” e
dedicando-se ao fruto natural do seu amor – os filhos. Homens e mulheres que
vivem o celibato consagrado imitam Cristo dedicando-se inteiramente à família
de Deus em todas as formas como fazem dom de si aos outros.
O denominador comum para todos nós é que, apesar das nossas mais
sinceras intenções, falhamos de inúmeras maneiras a “amar como Cristo ama”.
Isto significa que em todas as relações humanas, será necessária uma grande
dose de misericórdia. Vejamos: cada um de nós é criado para o amor perfeito,
mas nenhum de nós o recebe dos outros na nossa vida, e nenhum de nós é capaz de
dar o amor perfeito aos outros. Isto deixa-nos feridos e com necessidade de
misericórdia e cura.
Graças a Deus pelo Sacramento da Penitência! As riquezas deste
sacramento são inesgotáveis. Infelizmente, muitos Católicos não foram ajudados
a apreciar este sacramento para além da preparação que receberam no segundo ano
da catequese. Tendemos a pensar que se não fizemos nada de “grande, mau e
horrível” não há razão para ir confessar-se.
Como diz o Catecismo, “Sem ser estritamente necessária, a
confissão das faltas quotidianas (pecados veniais) é contudo vivamente
recomendada pela Igreja. Com efeito, a confissão regular dos nossos pecados
veniais ajuda-nos a formar a nossa consciência, a lutar contra as más
inclinações, a deixarmo-nos curar por Cristo, a progredir na vida do Espírito.”
(CIC 1458).
Crescer na “vida do Espírito” não significa rejeitar os nossos
corpos. Pelo contrário, significa abri-los à in-habitação do Espírito Santo
para que o que fazemos com eles glorifique a Deus. Esta é a única forma de
viver a teologia dos nossos corpos - abrindo-nos à “vida do Espírito”. Isto e a
frequência regular do sacramento da Penitência (mesmo que não tenhamos pecado
grave) é a forma “infalível e indispensável” de permanecermos abertos à vida do
Espírito.
Se tivermos pecados graves devemos recorrer à confissão todas as
semanas se for necessário. Para aqueles que, pela graça de Deus, não lutam
regularmente com o pecado mortal nas suas vidas, muitos directores espirituais sábios
aconselham a confissão pelo menos uma vez por mês.
Viver a teologia dos nossos corpos (isto é amar como Cristo ama)
compromete-nos numa séria luta contra o pecado. Através deste Sacramento da
Misericórdia não só nos reconciliamos com Deus pelo perdão dos nossos pecados,
também recebemos um “acréscimo de forças espirituais para o combate cristão” (CIC
1496) Devemos reforçarmo-nos regularmente com esta força espiritual. Porque não
ir à confissão rapidamente?
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