Celebra-se a 2 de
fevereiro o Dia do Consagrado, homens e mulheres que se entregaram a Deus para
O servirem em detrimento de uma carreira, de uma família. Abraçaram uma vocação
religiosa, um caminho que muitas vezes não foi equacionado pelos pais. Que
impacto tem esta escolha no seio familiar? Que reações provoca?
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«Senhor, que
queres de mim?» perguntou várias vezes a Ir. Célia em silêncio. Quando tomou a
decisão estava no final do 12.º ano e namorava. Nessa altura teve de informar
os pais que não iria para a universidade, porque tinha escolhido o convento.
O primeiro impacto
foi de choque. «Foi uma reação de surpresa, de "mas o que lhe deu na
cabeça?"», recorda a freira. «Digamos que não estavam à espera. Apesar de
me verem na paróquia viam-me também a namorar», conclui.
«Talvez eu nunca
tenha falado abertamente de tudo o que sentia e descobria e onde me sentia
chamada. Talvez não lhes tenha deixado perceber que havia outra hipótese.»
Passados dez anos,
a decisão desta consagrada ainda traz um sabor pouco doce ao pai.
A irmã encara como
natural que os pais façam os "planos" para os filhos e que estes
passem pela constituição de uma família. «Como todos os pais penso que querem o
melhor para os seus filhos e, claro, projetam um futuro, uma carreira, uma
família, a felicidade que também eles experimentaram constituindo a sua própria
família.»
Maria Alice é mãe
da Ir. Célia, e embora também tenha sido surpreendida, recorreu àquelas que
foram as suas bases e ensinamentos. «Para mim foi surpresa, mas tentei dar a
volta à situação e soube aceitar. O meu pai ensinou-me que tem de haver de
tudo, cada um no seu lugar, é preciso é sabermos aceitar.» Com este pensamento
em mente, Maria Alice foi caminhando, um dia de cada vez, a par e passo com a
filha e afirma que não foi difícil aceitar as coisas com naturalidade.
«Será que é
feliz?»
As preocupações,
explica-nos, são as mesmas para uma mãe, qualquer que seja o caminho escolhido
pelos filhos. «Para mim é igual, porque eu também me preocupava se fosse outro
o passo que ela desse. Será que é feliz?»
Talvez por isso, no início, a
preocupação fosse maior. «Na altura preocupei-me porque era mais novinha, agora
acho que os anos também nos vão dizendo qualquer coisa e já estou mais
confiante de que ela sabe o que quer.»
Surpresa também
foi palavra de ordem quando o Pe. Duarte entrou em casa e disse aos pais que
naquele dia o vice-reitor do seminário jantava com eles, porque lhes queria
pedir autorização para o deixarem ir para o seminário para ser padre. Tinha 14
anos, convictos na decisão. «Para nós foi uma grande surpresa, porque ele não
nos falava nisso», recorda o pai Fernando.
Numa família com
uma história de membros consagrados ao sacerdócio, a surpresa rapidamente foi
digerida. «Fiquei contente. É um dom de Deus ter um filho padre, não pensando
em mais nada senão que servir a Deus é um grande dom», acredita este pai
orgulhoso.
Deolinda, a mãe,
embora reconheça que foi uma surpresa, garante: «Recebi bem porque qualquer
decisão que ele tomasse que fosse do gosto dele, eu aceitaria.»
Esta mãe entende
que o afastamento físico pesa e que houve necessidade de adaptação, mas nada
que não pudesse acontecer exatamente da mesma maneira num outro caminho.
«Quando foi a ordenação lembro-me que lhe disse: agora vais-te casar. Para mim
foi como se fosse um casamento, não casou com uma mulher mas casou-se com a
Igreja.»
O sacerdócio tem o
seu ritmo e foi este mesmo que, da perspetiva do Pe. Duarte, acabou por ter
algum impacto na vida familiar. «Eu, apesar de ser pequeno, era muito ouvinte
da minha mãe. Isso teve impacto na vida da minha mãe. Eu sei que sim. Porque
depois os meus ritmos e os dos meus pais eram completamente diferentes, eles
mantiveram-se em casa e eu fui para um seminário de onde vinha uma vez por mês.
Aí foi termos de nos readaptar, o contacto direto de todos os dias passou a ser
o contacto uma vez por mês e por telefone, numa altura todos os dias, depois
semanal e depois mais compassadamente.»
Sobre os motivos
pelos quais pode ser desafiante para os pais reagirem à escolha de um filho
pelo sacerdócio, o Pe. Duarte considera que a falta de fé, a maneira como o
sacerdócio é visto pela sociedade e a falta de descendência podem influenciar.
«O ser padre não é um trabalho qualquer, não é mais um emprego. É tudo uma
questão de fé, mais do que o permitir apenas. O ser arquiteto, ser médico, são
profissões normais, mais difundidas pela sociedade. O ser padre não. São poucos
os que são padres. De facto, abrir-se a este Espírito Santo que age através de
um homem que se consagrou, que abdicou de uma série de realidades, nomeadamente
casar, ter filhos, abdicou em detrimento desta opção de doação, então não é
fácil, porque muitas vezes implica, por exemplo, não ter netos», exemplifica o
Pe. Duarte.
O não vir a ter
netos foi um pensamento que um dia passou pela cabeça de Albertina, mãe do
seminarista Alfredo, mas que não ficou por muito tempo. Para esta mãe de filho
único, o que não se pode ter também não ocupa espaço e, após um período inicial
de adaptação, tornou-se clara a aceitação e a felicidade pela escolha do filho.
«Assim como muitas coisas na minha vida hoje, eu não posso. Não posso, desisti,
esqueci, não penso mais no assunto. Vou ter o que Deus entender.»
Um caminho de
crescimento
Alfredo conta-nos
que a sua aproximação a Deus se deu por intermédio de terceiras pessoas que
foram sendo postas no seu caminho, primeiro os colegas, depois o catequista.
Entrou na catequese apenas no 4.º catecismo, porque os seus pais, embora
crentes, não praticavam a religião. Chegado ao 9.º catecismo, interpelado pelo
catequista, Alfredo começou a questionar-se sobre o que era afinal ser padre,
realidade que desconhecia totalmente. Convidado para o pré-seminário, diz que
foi naturalmente que decidiu, no ano seguinte, com cerca de 15 anos, entrar no
seminário. Em todo o seu percurso não recebeu nunca um não da mãe, que mesmo
não sendo praticante naquela altura lhe deixou sempre espaço para a sua própria
descoberta. «Para mim, tudo foi surgindo e eu fui aceitando. Estava bem,
sentia-me bem e as coisas pareciam fazer sentido. Estava a fazer um caminho que
me estava a deixar muito feliz, a sentir-me crescer.»
Embora tenha tido
sempre apoio, Alfredo reconhece ter sido dificil para a mãe ver-se sem o filho
aos 15 anos. «Nós temos uma relação, graças a Deus, muito boa, muito forte, e
portanto foi de alguma maneira um corte que eu entendo ser para ela, sobretudo,
difícil.»
Albertina confirma
que foi difícil nos primeiros tempos, mas que se habituou bem, porque afinal de
contas sempre achou, desde pequeno, que o seu filho era «diferente» e, para
além disso, conseguiu aceitar que, na verdade, os filhos não são dos pais. Hoje
é feliz por ter um filho que virá a ser sacerdote.
O Pe. José Miguel,
reitor do Seminário dos Olivais, convive com várias reações à entrada no
seminário. Ressalvando que no seminário é feita a devida análise dos
seminaristas e que estes ficam pelas razões certas, o reitor apercebe-se que
nas mais variadas reações muitas vezes está subjacente o que os pais projetaram
para os filhos.
Para além daquela
que é a reação normal de aceitação e acompanhamento, há algumas reações mais
extremadas, que vão desde os «pais que, mais do que os filhos, eles gostavam
que os filhos fossem para o seminário», passando pelos que «acham que a Igreja
lhes pode dar uma boa formação», ou os que procuram «o seminário porque os
filhos não se adaptam a nenhuma escola».
No outro extremo,
os que «chegam, não digo a cortar relações, mas quase, que fazem sentir que
estão zangados e magoados», os que «não chegam a esses extremos do
arrefecimento de relações, mas manifestam constantemente uma desilusão», há
pais que simplesmente «não têm fé» e não conseguem compreender, há os que não
compreendem «a configuração do ministério sacerdotal, do celibato, do renunciar
a uma carreira, a uma casa e a uma família», entre outras reações, descreve.
Apoiar com a
oração
Apesar das
especificidades do sacerdócio, não quer dizer que tenha de ser mais difícil
para os pais aceitar uma vida de sacerdócio do que a de família. O que acontece
é que por vezes os pais não estão preparados para deixar sair os filhos tão
cedo. «Para alguns pais, tanto é desafio uma coisa com a outra, porque o medo é
que os filhos saiam da sua alçada. E não é por maldade. Às vezes, os próprios
pais sentem-se inseguros, porque toda a vida foi vivida em função dos filhos.»
O sacerdote
identifica o que por vezes é mais intimidador para os pais, o entregar um filho
a Deus. «Às vezes há pais que têm um bocadinho esta dificuldade de perceber que
os filhos não são seus e quando surge a hipótese de um caminho que é mais
imediatamente entendido como entregá-los a Deus é a sensação de que deixam de
ser meus.»
O reitor
compreende que, muitas vezes os pais não estão preparados para uma caminhada vocacional
que, em muitos casos, se inicia numa idade muito jovem, mas que, por isso, todo
o trabalho do seminário com os jovens e as famílias vai sendo gradual. Uma
maneira possível de tentar encarar uma opção que é menos comum é os pais
fazerem um trabalho de caminhada a par dos filhos. E dá o exemplo do que
algumas famílias já fazem. Em primeiro lugar, questionar-se: «Que desafios traz
à nossa família esta decisão? Como é que, enquanto família, vamos acompanhar
isto? Como é que nós o vamos ajudar a ser capaz de?» Depois, posicionando-se
como apoio. «Há muitas [famílias] que fazem um caminho com a entrada dos
filhos, apoiam discretamente, apoiam com a oração, apoiam com a proximidade e a
participação naqueles ritmos do seminário que chama também à presença das
famílias.
Depois também
varia. Numa etapa mais inicial e mais novos a presença é mais regular, numa
fase de mais velhos não tão presentes em termos físicos. E a família vai também
ela posicionando-se e fazendo esse caminho e apoiando em termos de fé, como
retaguarda», conclui.
Este questionar-se
dos pais permite que encontrem respostas para si, sobre como ajudar os filhos e
podem ser utilizadas em qualquer das vidas que estes escolham.
Rita Bruno
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