Não
sei a quem dar os créditos deste título. Disse-me um amigo que o ouviu num
daqueles fóruns radiofónicos onde é costume ouvir zangados lugares comuns sobre
política e os políticos. Dizia o participante que a mulher tinha conseguido
fazer milagres com o pouco que tinha e, por isso, a vida da sua família tinha
sido melhor do que seria de esperar.
O
ouvinte em questão talvez não se tenha dado conta, mas está casado com uma
sinédoque: a personalidade do ano é a mulher dele e todas as outras. Bem como
todos os maridos e os avôs e as avós e os netos, empregados e desempregados,
enfim, toda a família. É a Família, em todas as suas formas, que é a
personalidade do ano.
Talvez
a escolha esteja influenciada pelo sentimentalismo normal nesta época do ano em
que o Sol se põe cedo e a noite é embalada pelos acordes do White
Christmas do Irving Berlin e do Adeste Fideles – que
diz-se ter sido composto por D. João IV e cantado em Londres, na embaixada
portuguesa, até ter passado para o repertório anglo-saxónico com o título “Come
all you faithfull”. Pode mesmo ser pieguice. Mas eu vejo a família como a
personalidade do ano neste triste lugar condenado a empobrecer como expiação do
pecado de querer viver melhor, de ter uma vida mais feliz, próspera e
sincronizada com a modernidade do mundo. Mas não é só pieguice e sentimento:
são números também e, por isso, a razão.
Muitas
vezes nesta coluna, tenho citado as conclusões dos estudos do "Consumer
Lab", um grupo de gente sábia que olha e estuda os cidadãos consumidores
de modo a entender os processos de ajustamento a que deitam mão para fazer face
à barbaridade socioeconómica que sobre todos nós se abateu. Os resultados são
um espanto e contradizem, muitas vezes, o discurso jornalístico / político /
sindical predominante nos media. O contexto bárbaro e injusto é o noticiado,
mas o esforço e o engenho das famílias para fazer uma ginástica racional e
criativa de modo a manter um nível de vida digno, sem desistir da ideia de
prosseguir a felicidade, é notável. (...)
O
mais importante [de todos os resultados do estudo] é que o processo de
ajustamento – um eufemismo para processo de empobrecimento – se fez voltando a
reunir a família. A crise uniu pais, filhos, avós e netos. Saberes antigos,
arrumados na gaveta da irrelevância, voltaram a ser trazidos para o quotidiano
pelos mais velhos para ajudar os mais novos. Assim como a vida em rede que a
tecnologia possibilita, uma especialidade dos mais novos, foi posta ao serviço
de toda a família.
Nas
últimas décadas, cada geração tentou encontrar um caminho novo e diferente,
muitas vezes por oposição aos caminhos percorridos pelas gerações mais velhas.
Hoje, e aqui, assiste-se a uma cooperação intergeracional que todos convoca
para resolver os problemas. As famílias têm sido o grande exemplo do que deve
ser feito: cooperar, ajudar, colaborar e, sobretudo, inventar novos (não
velhos) caminhos. Se não fosse o saber das famílias, a sua coesão e o seu
engenho para sobreviver sem nunca desistir de tentar a felicidade, o país há
muito que estava a ferro e fogo.
Foi a Família que aguentou esta barbaridade.
E é ela que a vai resolver.
Pedro
Bidarra
Publicitário, psicossociólogo
28.12.13
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