Foi editado em Portugal um livro extraordinário
que corre o risco de ficar invisível. Falo do volume “As 23 Mulheres do
Concílio. A Presença Feminina no Vaticano II” (ed. Paulinas, 2012). A
autora é Adriana Valerio, um nome importante da teologia europeia,
empenhada na reconstrução do lugar das mulheres na história do
cristianismo.
Com o Concílio Vaticano II [1962-1965], pela
primeira vez, as mulheres acompanharam os mais decisivos debates da
Igreja e deixaram neles uma marca. É verdade que tinham de acompanhar
em silêncio as assembleias (intervinham apenas nas comissões); nos
intervalos, não entravam nos espaços de convívio (tinham uma pequena
sala de café autónoma); e, mesmo as leigas, deviam cobrir os cabelos
com um véu (a mais jovem de todas, Gladys Parentelli, recusou-se a isso
e não foi incluída na foto de grupo). Mas não nos podemos esquecer que
estamos em 1964. Numa outra instituição tão emblemática como o Supremo
Tribunal de Justiça dos Estados Unidos, a participação das mulheres nem
sequer estava prevista.
Foi, por isso, também uma mudança epocal aquela
que aconteceu na terça-feira, 8 de setembro de 1964, em Castel
Gandolfo, quando o Papa Paulo VI anunciou oficialmente a presença de
auditoras. De setembro de 1964 a julho de 1965 foram chamadas 13
leigas e 10 religiosas, escolhidas pelos critérios de
internacionalidade e de representação. As religiosas eram as americanas
Mary Luke Tobin e Claudia Feddish; a egípcia Marie de la Croix Khouzam;
a libanesa M. Henriette Ghanem; as francesas Sabine de Valon e Suzanne
Guillemin; a alemã Juliana Thomas; a espanhola Cristina Estrada; a
italiana Costantina Baldinucci; e a canadiana Jerome M. Chimy. A
primeira mulher leiga a entrar no Concílio foi Marie Louise Monnet
(irmã do estadista Jean Monnet e que trazia um lema fortemente
conciliar, "mon baptême me suffit" [basta-me o meu batismo];
seguiram-se a espanhola Pilar Bellosillo (diversas vezes nomeada
porta-voz); a australiana Rosemary Goldie; a holandesa Anne-Marie
Roeloffzen; as italianas Amalia Dematteis, Ida Marenghi-Marenco e Alda
Miceli; a americana Catherine McCarthy; a argentina Margherita Moyano
Llerena; a uruguaia Gladys Parentelli; a alemã Gertrud Ehrle; a
checoslovaca Hedwig von Skoda; e a mexicana Luz Maria Longoria (que,
com o marido Josè Alvarez Icaza Manero, era presidente do Movimento das
Famílias Cristãs).
A estas auditoras juntaram-se ainda uma vintena
de mulheres a título de “especialistas”, como a economista Barbara
Ward, perita na questão da pobreza e desenvolvimento humano, Patricia
Crowley, uma autoridade nas temáticas relativas ao controlo de
nascimentos, ou Eileen Egan, uma pacifista.
A participação das auditoras, no guião da maioria
dos padres conciliares, deveria revestir-se apenas de um carácter
simbólico. Mas, na verdade, elas foram muito além disso, participando
com competência e vivacidade nos trabalhos das comissões, deixando
sinais importantes nos próprios documentos conciliares. Alguns
exemplos: a constituição “Lumen Gentium” vem a sublinhar a recusa de
qualquer descriminação sexual; a “Gaudium et Spes” defende a visão
unitária do homem e da mulher como «pessoa humana» e a igualdade
fundamental de ambos. O contributo de Luz Maria Alvarez Icaza e do seu
marido na subcomissão da “Gaudium et Spes” terá sido determinante para
alterar a visão da sexualidade conjugal como «remédio para a
concupiscência» e descrevê-la como ato e expressão de amor. E ficou
célebre a resposta que a franzina Rosemary Goldie deu ao grande teólogo
Yves Congar. No âmbito do debate sobre o esquema do apostolado dos
leigos, ele estava pronto para inserir no documento uma elegante (mas
condescendente) comparação das mulheres à delicadeza das flores. A
australiana reagiu assim: «Padre, deixe lá as flores. O que as mulheres
querem da Igreja é ser reconhecidas como pessoas plenamente humanas».
José Tolentino Mendonça
In Expresso, 2.3.2013
In Expresso, 2.3.2013
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