Aos casais em situação de separação, divórcio e nova união

«O Senhor está próximo daqueles que têm o coração ferido» 

Carta do Cardeal Arcebispo de Milão, Dionigi Tettamanzi, aos casais em situação de separação, divórcio e nova união. 

Caríssimos irmãos e irmãs, 

Há muito tempo que cultivo o desejo de dirigir-me a vós de uma forma o mais directa e pessoal possível. Gostaria, na verdade, de pedir-vos autorização para entrar na vossa casa como um irmão e solicitar um pouco do vosso tempo. Faço-o agora com esta minha carta que pretende ser simples e familiar, quase ao jeito de pedido, para sentar-me ao vosso lado num diálogo que espero agradável e possa também continuar no tempo. Quantos de vós são crentes e se sentem pertencentes à Igreja e reconhecem no Bispo também um pai e um mestre. Sinto muito perto do meu coração, de mim Bispo, aqueles baptizados que porventura já não se consideram crentes ou que se sentem excluídos da grande comunidade dos discípulos do Senhor, por incompreensão ou desilusão. Queria, portanto, encontrar-me com uns e com outros, e com todos vós abrir um diálogo para partilhar brevemente as alegrias e os cansaços do nosso caminho comum; para sentir e escutar um pouco do vosso quotidiano; para deixar-me interpelar pelas vossas interrogações; para vos confiar os sentimentos e os desejos que sinto no meu coração diante de vós. Desta forma, lendo esta página, vós abris um pouco a porta da vossa casa e permitis que entre! Ao mesmo tempo, também eu, escrevendo estas páginas, me abro a vós no desejo de uma recíproca confidência. 

A IGREJA ESTÁ PRÓXIMA DE VÓS 
Antes de mais quero dizer-vos que não nos podemos considerar reciprocamente estranhos: vós, para a Igreja e para mim Bispo, sois irmãs e irmãos amados e desejados. E este meu anseio de entrar em diálogo convosco reveste-se de um sincero afecto e da consciência de que em vós existem perguntas e sofrimentos que muitas vezes vos parecem negligenciadas ou ignoradas pela Igreja. Quero por isso dizer-vos que a comunidade cristã está atenta à vossa angústia humana. É certo que alguns de vós tiveram já uma experiência de alguma insensibilidade na relação com a realidade eclesial: ou porque não vos compreenderam nessa situação por si difícil e dolorosa; ou talvez porque não encontraram ninguém pronto para escutar e ajudar; outras vezes escutastes palavras que tiveram sabor a julgamento sem misericórdia ou de condenação sem apelo. Por isso, muitos de vós alimentaram a ideia de serem abandonados e excluídos. A primeira coisa que queria dizer-vos, sentando-me ao vosso lado, é isto: «A Igreja não vos esqueceu! Nem porventura vos exclui ou vos considera indignos». Vêm-me à mente as palavras de esperança do Papa João Paulo II dirigidas às famílias provenientes de todo o mundo por ocasião do seu Jubileu no ano 2000: «diante de tantas famílias desfeitas, a Igreja sente-se chamada a iluminar com a luz da palavra de Deus as chagas provocadas por tantos dramas, acompanhada do testemunho da sua misericórdia e não exprimindo juízos frios e distantes». Se porventura encontrastes no vosso caminho homens e mulheres da comunidade cristã que de alguma forma vos feriram com a sua atitude ou com as suas palavras, desejo dizer-vos quanto o lamento e confio a todos e cada um à misericórdia do Senhor. Enquanto cristãos sentimos por vós um afecto particular, como de pais que olham com atenção e dedicação para o filho que está em dificuldade e a sofrer, ou como o afecto dos irmãos que se fortalecem com maior delicadeza e profundidade, depois de por muito tempo terem sentido dificuldade em compreender-se e falar-se abertamente. 

A VOSSA FERIDA É TAMBÉM NOSSA 
Queria agora ser capaz de escutar as vossas perguntas e as vossas reflexões. Também nós sabemos que o fim de uma relação de casal para a maior parte de vós não foi uma decisão tomada com facilidade, muito menos com ligeireza. Foi um passo que trouxe sofrimento à vossa vida, um facto que vos interrogou profundamente sobre o porquê da falência desse projecto no qual acreditastes e no qual investistes muitas das vossas energias. Certamente a decisão deste passo deixa feridas que demoram a cicatrizar. Talvez venham à mente dúvidas sobre a possibilidade de finalizar qualquer coisa de grande na qual se depositou forte esperança; inevitavelmente surge a pergunta sobre as eventuais responsabilidades; torna-se aguda a dor de sentir-se traído na confiança colocada no companheiro ou na companheira que se escolheu para toda a vida; fica-se preso a um sentido de insuficiência em relação aos filhos envolvidos num sofrimento no qual não têm responsabilidade Conheço estas inquietações e asseguro-vos que exprimem uma dor e uma ferida que toca toda a comunidade eclesial.
O finalizar de um matrimónio é também para a Igreja um motivo de sofrimento e fonte de grandes interrogações: porque razão o Senhor permite que se quebre aquele vínculo que é o ‘grande sinal’ do seu amor total, fiel e indestrutível? E como nós teríamos ou deveríamos talvez ter estado próximos destes esposos? Fizemos com eles um caminho de verdadeira preparação e de verdadeira compreensão do significado do pacto conjugal no qual se uniram reciprocamente? Acompanhamo-los com delicadeza e atenção no seu itinerário de casal e de família, antes e depois do matrimónio? Estas interrogações e esta dor, partilhamo-las convosco e tocam-nos profundamente porque dizem respeito a algo que nos está próximo: o amor, enquanto valor máximo na vida de todos e de cada um. Penso que, como esposos cristãos, podeis compreender em que medida tudo isto nos toca profundamente. Pedistes para celebrar o vosso pacto nupcial na comunidade cristã, vivendo-o como um sacramento, o grande sinal eficaz que torna presente no mundo o próprio amor de Deus. Um amor total, indestrutível, fiel e fecundo, como é o amor de Cristo por nós. E celebrando o vosso matrimónio, a comunidade cristã reconheceu em vós esta nova realidade e invocou a graça de Deus para que este sinal permanecesse como luz e anúncio alegre para aqueles que vos encontram. Quando este laço se quebra, a Igreja encontra-se de alguma forma empobrecida, privada de um sinal luminoso que devia ser de alegria e de consolação. Por isso a Igreja não vos olha como estranhos que faltaram a um pacto mas sente-se participante dessa angústia e dessas interrogações que vos tocam tão intimamente. Podereis agora compreender, juntamente com os vossos sentimentos, também os nossos. 

PERANTE A DECISÃO DE SEPARAR-SE 
Queria agora colocar-me ao vosso lado e tentar pensar convosco sobre os vários passos e as muitas provações que vos conduziram à interrupção da vossa experiência conjugal. Posso só tentar imaginar que antes desta decisão experimentaste dias e dias de cansaço na vida de casal; nervosismos, impaciências e intolerância, desconfiança recíproca, por vezes falta de transparência, sentido de traição, desilusão perante uma pessoa que se revelou diferente de como era conhecida ao início. Estas experiências, quotidianas e repetidas, terminam com o tornar a casa não mais um lugar de afectos e de alegria mas uma pesada prisão que parece tirar a paz ao coração. Termina-se com o levantar da voz, talvez também com faltas de respeito, e achar impossível qualquer concórdia. E sente-se que não se pode mais continuar a vida juntos. Não, a decisão de interromper a vida matrimonial não pode em caso algum ser considerada uma decisão fácil e indolor! Quando dois esposos de separam, levam no coração uma ferida que marca, de uma maior ou menor forma, a sua vida, a dos seus filhos e de todos aqueles que os amam (pais, irmãos, parentes, amigos). A Igreja compreende também esta ferida. Também a Igreja sabe que em certos casos não é somente lícito mas até inevitável tomar a decisão de separar-se: para defender a dignidade da pessoa, para evitar traumas mais profundos, para garantir a grandeza do matrimónio, que não pode transformar-se num insustentável desfiar de asperezas recíprocas. 

NÃO À RESIGNAÇÃO 
Diante de uma decisão tão séria é importante, porém, que não vençam a resignação e a vontade de fechar demasiado rapidamente esta página. A separação pode tornar-se, de outro modo, uma ocasião para olhar a vida conjugal com mais amplitude e talvez com mais serenidade. Não é oportuno – assim nos ensina um sábio da vida espiritual – tomar decisões definitivas quando a nossa alma está carregada de inquietações ou tribulações. Não está dito que tudo esteja perdido: existem porventura ainda energias para compreender o que aconteceu na própria vida de casal e de família; talvez ainda se possa desejar e escolher uma ajuda sábia e competente para recomeçar uma nova fase de vida em casal; ou talvez haja somente espaço para reconhecer honestamente as responsabilidades que comprometeram decisivamente esse pacto de amor e de dedicação inerente ao matrimónio. Existem sempre responsabilidades. E se muitas vezes as imputamos rapidamente ao ambiente, à sociedade, ao acaso, na verdade sabemos que também existem as nossas responsabilidades individuais. Ainda que não desejadas, ainda que sem maldade mas somente por superficialidade, existem gestos, palavras, hábitos e escolhas que pesaram e contribuíram para uma determinada fuga da vida a dois. Quantos esposos se encontram sós e sentem esta situação como uma grande injustiça: ‘eu não tive culpa! Eu não o quis! Eu fiz tudo o que era possível!’. 

A PALAVRA DA CRUZ 
Quantos, à luz da verdade, percebem que tiveram uma determinada responsabilidade, mesmo que grave, no dissipar do tesouro do próprio matrimónio. Queria fraternalmente pedir que acolhessem o apelo do amor misericordioso de Deus, que nos julga com verdade, que nos chama à conversão, que nos cura e salva com a proposta de uma vida nova. Reconhecer esta responsabilidade não significa viver num inútil e grave sentido de culpa. Quer dizer, por outro lado abrir a própria vida à liberdade e à novidade que o Senhor nos faz experimentar quando, de todo o coração, nos dirigimos e regressamos ao seu amor. E tudo aquilo que ainda é possível ser feito para remediar as consequências negativas no que diz respeito à própria família, para mudar a própria vida... tudo isto deve ser feito com coragem e dedicação. Àqueles esposos que, por outro lado, sentiram a crise do seu matrimónio como uma grande injustiça, quero dizer que, enquanto cristãos, não podem esquecer a dolorosa mas vivificante palavra da cruz. A partir daquele terrível lugar de dor, de abandono e de injustiça o Senhor Jesus revelou a grandeza do seu amor como perdão gratuito e como oferta de si. Como Bispo, e primeiramente como cristão, não posso esquecer esta Palavra, sentindo contudo a necessidade de oferecê-la discretamente como uma palavra que, mesmo fazendo sangrar o coração e a vida, não está desprovida de fruto e de sentido. E mesmo se tendes de levar para cada celebração eucarística somente esse empenho de entender e de perdoar, na verdade tendes já um tesouro para oferecer, com Cristo, no memorial da Sua Cruz: o humilde abandono da vossa pobreza. Nas dolorosas páginas da vossa vida, as crianças são muitas vezes as protagonistas inocentes mas nem por isso menos implicadas. São-no também os filhos mais velhos que vêem desabar as suas certezas afectivas na idade da adolescência e muitas vezes pressentindo com mais dificuldade, no seu amanhã, a possibilidade de realização dos seus sonhos de um verdadeiro amor. Mas a esperança não desaparece: cada dia podemos ver à nossa volta exemplos heróicos de pais que, mesmo sós, fazem crescer e educam os seus filhos com amor, sabedoria e dedicação. Agradeço a estas mães e pais que nos dão um grande exemplo. Agradeço-lhes, admiro-os e espero que as nossas comunidades sejam um verdadeiro apoio para as suas eventuais necessidades. Ao mesmo tempo peço a todos os pais separados que não tornem ainda mais difícil a vida dos seus filhos, privando-os da presença e da justa estima do outro progenitor e da sua família de origem. Os filhos têm a necessidade e o direito, mesmo dentro dos mais recentes quadros legislativos, quer do pai quer da mãe em vez de inúteis vinganças, ciúmes e friezas. Tudo o que disse até aqui em relação às situações de separação, tem ainda maior validade para quem fez a escolha, tantas vezes repentina e quase não pensada do divórcio, escolha esta seguida de uma nova união. Vale ainda para quem não esteve envolvido directamente num facto de separação ou divórcio, mas vive em situação de casal com uma pessoa separada ou divorciada. Ainda pensando nestas pessoas queria colocar-me uma última interrogação, que me está muito perto do coração e que desejo partilhar convosco com muita sinceridade.

EXISTE LUGAR PARA VÓS NA IGREJA? 
Que espaço existe, na Igreja, para os casais que vivem a separação, o divórcio ou uma nova união? Será verdade que a Igreja vos exclui para sempre da sua vida? Mesmo que a doutrina do Papa e dos Bispos seja clara e repetida muitas vezes, ainda se escuta este julgamento: ‘a Igreja excomungou os divorciados! A Igreja coloca fora da porta os esposos que se separaram!’ Este julgamento está de tal maneira enraizado que muitas vezes os próprios esposos em crise se distanciam da vida da comunidade cristã por medo de serem recusados e julgados dessa maneira. Quero permanecer fiel ao meu propósito de falar-vos com simplicidade fraterna e sem prolongar-me em demasia e assim vos proponho de novo o ponto decisivo desta reflexão que é a palavra de Jesus, à qual, como cristãos, devemos permanecer fiéis. Nesta palavra encontramos a resposta à nossa interrogação. 

A PALAVRA DO SENHOR SOBRE O MATRIMÓNIO 
Jesus falou também do matrimónio e falou-nos como uma radicalidade tal que surpreendeu até mesmo os primeiros discípulos, muitos dos quais provavelmente eram casados. Jesus afirma que a união de esposos entre um homem e uma mulher é indissolúvel (cf. Mateus, 19, 1-12) porque nesta união de matrimónio se apresenta o projecto original de Deus sobre a humanidade, isto é o desejo de Deus de que o homem não fique só, mas que viva uma vida de comunhão duradoura e fiel. Esta é a própria vida de Deus que é Amor, um amor fiel, indissolúvel e fecundo de vida, que tem a sua imagem, como sinal luminoso, no amor recíproco entre um homem e uma mulher. E assim, afirma Jesus, «não são mais duas, mas uma só carne. Não separe o homem aquilo que Deus uniu,» (v. 6) A partir daquele dia a palavra de Jesus não pára de provocar-nos e de inquietar-nos. Já naquele momento os discípulos ficaram escandalizados pela perspectiva de Jesus, quase protestando que, se o matrimónio é um chamamento de tal maneira alto e exigente, talvez «não seja conveniente casar-se» (v. 10). Mas Jesus não nos deixa baixar os braços e dá-nos confiança: «quem pode compreender, compreenda» (v. 11), perceba que esta exigência não é feita para assustar, mas para demonstrar a grandeza do chamamento do ser humano, segundo o desígnio de Deus criador. Esta grandeza é exaltada depois quando a união conjugal é celebrada na Igreja como sacramento, sinal eficaz do amor esponsal que une Cristo à sua Igreja. Jesus não nos pede o impossível e oferece-se a si mesmo como caminho, verdade e vida do amor. A palavra de Jesus e o testemunho de como Ele viveu o seu amor por nós são a referência única e constante para a Igreja de todos os tempos. Esta Igreja que nunca se sentiu autorizada a desfazer uma união matrimonial sacramental celebrada validamente e expressa em plena e íntima união dos esposos, tornando-se desse modo ‘uma só carne’. Esta obediência à palavra de Jesus é a razão pela qual a Igreja considera impossível a celebração sacramental de um segundo matrimónio depois de se terem interrompido a primeira união esponsal. 

PORQUÊ ABSTER-SE DA COMUNHÃO EUCARÍSTICA? 
É sempre a partir do sentido da palavra do Senhor que deriva a indicação da Igreja em relação à impossibilidade de aceder à comunhão eucarística por parte dos esposos que vivem estavelmente uma segunda união. Mas porquê? Porque na Eucaristia temos o sinal do amor esponsal indissolúvel de Cristo por nós; esse amor que vem objectivamente negado no ‘sinal contraditório’ dos esposos que terminaram uma experiência matrimonial e vivem uma segunda união. Compreendei, desta maneira, que a norma da Igreja não exprime um juízo sobre o valor afectivo e sobre a qualidade da relação que une os divorciados recasados. O facto de que estas relações sejam vividas, muitas vezes, com sentido de responsabilidade e com amor no casal e em relação aos filhos não é ignorada pela Igreja e pelos seus pastores. Não existe um juízo sobre as pessoas e sobre as suas vivências mas uma norma necessária pela razão de que estas novas uniões na sua realidade objectiva não podem exprimir o sinal do amor único, fiel e indiviso de Jesus pela Igreja. É claro que a norma que regula o acesso à comunhão eucarística não se refere aos cônjuges em crise ou simplesmente separados: segundo as devidas disposições espirituais, esses podem regularmente aproximar-se dos sacramentos da confissão e da comunhão eucarística. O mesmo pode dizer-se também daqueles que tiveram de suportar injustamente o divórcio, mas consideram o matrimónio celebrado religiosamente como único na vida e a esse querem permanecer fiéis. É todavia errado interpretar a norma que regula o acesso à comunhão eucarística, como se significasse que os cônjuges divorciados e recasados fossem excluídos de uma vida de fé e de caridade efectivamente vivida dentro da comunidade eclesial. 

NO CORAÇÃO DA VIDA DE FÉ SOB O SINAL DA EXPECTATIVA 
A vida cristã tem, na realidade, o seu vértice na participação plena na Eucaristia, mas não é redutível somente ao seu vértice. Como numa pirâmide, mesmo que privada do seu vértice, a massa sólida não cai, mas permanece. Poder participar plenamente na Eucaristia é certamente para os cristãos de singular importância e de grande significado, mas a riqueza da vida da comunidade eclesial, que é constituída de muitíssimas coisas partilhadas por todos, permanece à disposição também daqueles que não podem aproximar-se da santa Comunhão. A própria participação na celebração eucarística no Dia do Senhor, comporta antes de mais a escuta atenta da palavra de Deus e a invocação comunitária do Espírito para que nos torne capazes de revivê-la com fidelidade na expectativa do Senhor que vem. Mais propriamente, em particular, é a expectativa da vinda do Senhor e do encontro definitivo com Ele que está no coração da fé cristã, como nos diz a Igreja na sua liturgia imediatamente antes da comunhão eucarística: «enquanto esperamos a vinda gloriosa de Jesus Cristo nosso Salvador». Ele na verdade já veio mas deve vir de novo e manifestar em plenitude a glória do seu reino de amor. E nós somos já filhos de Deus mas aquilo que realmente somos ainda não está manifestado em todo o seu esplendor. Peço-vos, por isso, que participeis com fé na celebração eucarística, mesmo que não possais aproximar-vos da comunhão: será para vós um estímulo para que intensifiqueis nos vossos corações a expectativa do Senhor que virá e o desejo de encontrá-lo pessoalmente com toda a riqueza e pobreza da nossa vida. Nunca esqueçamos: a Missa sempre contém pela sua natureza uma ‘comunhão espiritual’ que nos une ao Senhor e, Nele, nos une aos nossos irmãos e irmãs que se aproximam da Sua mesa. O Papa Bento XVI, numa recente carta, depois de ter reafirmado a não admissão dos divorciados recasados à comunhão eucarística, continuou dizendo que os mesmos ‘apesar da sua situação, continuam a pertencer à Igreja que os segue com particular atenção, no desejo que cultivem, quanto possível, um estilo de vida cristã através da participação na santa Missa - embora sem receber a Comunhão -, na escuta da Palavra de deus, na Adoração Eucarística, na oração, na participação na vida comunitária, no diálogo confiante com um sacerdote ou um mestre de vida espiritual, na dedicação à caridade, nas obras de penitência, no empenho educativo dos filhos» (Sacramentum caritatis, n. 29). Peço-vos por isso, casais divorciados e recasados, que não vos afasteis da vida da fé de da vida da Igreja. Peço-vos que participeis na celebração eucarística no Dia do Senhor. Também a vós é dirigido o chamamento à novidade de vida que nos é dada pelo Espírito. Também à vossa disposição estão os muitos meios da Graça de Deus. Também de vós a Igreja espera uma presença activa e uma disponibilidade no serviço de quantos têm necessidade da vossa ajuda. E penso sobretudo na grande tarefa educativa que como pais muitos de vós sois chamados a desenvolver, e, no estabelecer de relações positivas com as famílias de origem. Penso também no testemunho simples, ainda que difícil, de uma vida cristã fiel à oração e à caridade. Penso ainda como vós mesmos, a partir da vossa experiência concreta, podereis ser de grande ajuda aos outros irmãos e irmãs que atravessam momentos e situações parecidas com as vossas. Em particular, em relação a alguns de vós, repito o que escreveu João Paulo II: «é imperativo reconhecer também o valor do testemunho daqueles cônjuges que, mesmo tendo sido abandonados pelo outro cônjuge, com a força da fé e da esperança cristã não partiram para uma nova união: também estes cônjuges dão um autêntico testemunho de fidelidade, do qual o mundo de hoje tem grande necessidade. Por esse motivo devem ser encorajados e ajudados pelos pastores e pelos fiéis da Igreja» (Familiaris consortio, n. 20). Com todos vós, fazendo minhas as palavras dos Bispos da Igreja da Lombardia, peço ao Espírito Santo «que nos inspire gestos e sinais proféticos que tornem claro a todos que ninguém está excluído da misericórdia de Deus, que nunca ninguém é abandonado por Deus, mas sempre procurado e amado. A consciência de ser amado torna possível o impossível» (Carta às famílias, n. 28). 

O SENHOR, QUE ESTÁ NO MEIO DE NÓS, ESTÁ PRÓXIMO DE VÓS 
Concluo esta minha carta, na qual procurei colocar o meu coração próximo do vosso, caríssimos esposos que atravessais situações difíceis, de crise, de separação ou que vos recasastes civilmente depois do divórcio. Não tenho a pretensão de compreender tudo aquilo que está no vosso coração, nem de ter dado resposta às muitas interrogações que teríeis para colocar! No entanto, creio que iniciámos um diálogo em que nos podemos compreender com mais amor e verdade recíprocos. Espero que seja um diálogo que continue, com a simplicidade e o amor que me guiaram para escrever esta carta. Um canal privilegiado poderá ser o diálogo com os vossos sacerdotes. Convido-vos a que os procureis, a que dialogueis com eles, a que confieis neles. Para alguns de vós talvez não seja fácil reconstruir uma relação serena com a Igreja senão depois de falardes com toda a liberdade e sinceridade com um sacerdote da vossa confiança. Não peçais aos sacerdotes que vos indiquem soluções fáceis ou escapatórias superficiais. Procurai nos vossos padres os irmãos que vos ajudam a compreender e a viver com simplicidade e fé a vontade de Deus: convosco saibam escutar a palavra de Deus, que é exigente mas sempre vivificante; que vos ajudem a prosseguir, também nestes momentos, em comunhão com a Igreja. Sempre numa perspectiva de diálogo, desejo-vos de coração que encontreis também casais e famílias cristãs que, cheias de humanidade e de fé, vos saibam acolher, escutar e caminhar convosco na estrada que todos somos chamados e percorrer na vida: a estrada do amor por Deus e pelo próximo. Agradeço-vos por me terdes acolhido realmente em vossa casa. Rezo convosco ao Senhor para que nos dê sempre a possibilidade de, juntos como irmãos e irmãs, experimentarmos a certeza consoladora e fortalecedora de que: «o Senhor está próximo daqueles que têm o coração ferido» (Salmo 34, 19) e de que o seu amor está sempre no meio de nós! 

+ Dionigi card. Tettamanzi 
Arcebispo de Milão Milão, Epifania do Senhor 2008 
Tradução Pastoral Familiar - Braga 

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