Depois da família se ter colocado ao espelho e embelezado, a partir da Palavra de Deus, a Páscoa é a porta aberta que a convida para o banquete pascal, para vislumbrar o dom da beleza de Deus, em Cristo Ressuscitado. É a certeza, que nas entrelinhas de uma vida marcada por tão sérias e cortantes adversidades, pode-se ler que o “amanhã” da família é pascal, como expõe Sophia de Mello Breyner Andresen, no poema A casa de Deus: “Aqui para além da morte da lacuna da perca e do desastre / Celebramos a Páscoa”, ou seja, a passagem para Aquele que não passa, como referia santo Agostinho.
Deste modo, a família percebe que não está só e jamais vive unicamente para si, mas transporta uma urgente e delicada missão: ser testemunha da ressurreição na vida quotidiana, ser portadora de uma boa notícia, capaz de ser poço no deserto da vida de tantas famílias sem emprego, sem alimento, sem habitação, sem mãe ou pai, sem filhos ou filhas.
De facto, o túmulo aberto é o novo sol que nasce, “é a liberdade que desperta e que canta” (J. A. Mourão, Quem Vigia o Vento não Semeia) é um convite a sair ao encontro dos outros, a comunicar a ressurreição, a oportunidade e o imprevisto de uma vida nova. Por isso, a Páscoa relança a missão do testemunho para que as famílias não se limitem ao espelhismo das suas certezas, mas possam reflectir, partilhando (em família) as dúvidas e as incertezas do amanhã que é transitório, delicado, imprevisto, mas onde o Ressuscitado quer habitar. Hoje, ó Família, que lugares andas a construir para o amanhã?
Com efeito, a vida de Jesus Cristo Ressuscitado está escondida em nós, em cada família, como fermento que leveda o pão. Por isso, cada família é pro-vocada (chamada em favor de) a ser fermento, a entrar na dinâmica do dar(-se), a partilhar uma comunhão de vida com Deus e com outras famílias, a viver da luminosidade intensa da Luz pascal que, na família, a abraça e a faz sentir-se salva na luz; é chamada a cantar, uma vez mais, o aleluia pascal que contrasta ainda com os lamentos e gritos que provêm de tantas situações dolorosas: miséria, desemprego, fome, injustiças, doenças, guerras, violências e morte.
Discretamente, a Páscoa surge (na/para a família) tanto como um tempo belo de libertação das dores enterradas, onde natureza e graça se unem para gerar vida nova; onde a família aprende a reconciliar e a integrar as suas feridas e se predispõe a viver em Cristo a alegria do banquete nupcial; e como tempo de libertação do maravilhamento, de palavras simples e gestos profundos.
Que a família possa abeirar-se com alegria do banquete pascal, sentar-se à mesa da Palavra e deixar-se habitar por ela, para que possa, mais do que “depor, testemunhar” (Enzo Bianchi, Para uma ética Partilhada) com/na vida que o Verbo faz-se carne, Caminho, Verdade, Vida e Esperança. Que ela possa recordar que, por mais sombras e noites de fé que possam existir, o Ressuscitado “abre um futuro” (Bento XVI, Jesus de Nazaré), lembra que existe sempre o «terceiro dia», isto é, que o amanhã da família é pascal.
Diác. Nuno Vila Boas
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