Porque precisamos mais de ser recordados do que ensinados, recordamos este documento, escrito em 2004 pela conferência episcopal Portuguesa. Para ler, reflectir e sempre avivar na memória.
Carta pastoral da Conferência Episcopal Portuguesa
INTRODUÇÃO
1. Na sua busca de realização, o homem percorre múltiplos caminhos. Entre eles, “o primeiro e mais importante é a família: uma via comum, mesmo se permanece particular, única e irrepetível, como irrepetível é cada homem; uma via da qual o ser humano não pode separar-se”(1).
Quando o homem chega a este mundo, é a família que o acolhe e é nela que ele aprende a dar os primeiros passos; é na família que ele encontra essa primeira teia de relações que o vão ajudar a desenvolver todas as suas potencialidades pessoais e sociais; é na família que ele toma consciência da sua dignidade e que aprende os valores; é na família que ele se descobre como ser chamado à comunhão e ao amor; é da família que ele parte ao encontro da cidade e é à família que ele regressa em busca da força da comunidade. A família tem, portanto, um papel único e insubstituível na vida e na realização do homem.
2. A missão da Igreja é acompanhar o homem ao longo dos caminhos da sua existência terrena. Consciente de que o matrimónio e a família constituem um dos bens mais preciosos da humanidade, a Igreja sente o imperativo de propor “sem cessar e fielmente a verdade do matrimónio e da família. É uma necessidade que sente arder-lhe dentro, porque sabe que um tal dever é qualificante para ela em virtude da missão evangelizadora que lhe foi confiada pelo seu Esposo e Senhor, e que hoje se apresenta com excepcional premência”(2).
As importantes mudanças sociais registadas nos últimos anos têm submetido a família a fortes tensões e provocado alguma inquietação entre aqueles que se preocupam com a estabilidade da realidade familiar. A cultura dominante parece apostada em impor um conjunto de atitudes que desfiguram e debilitam o matrimónio e a família.
Neste contexto, a Igreja propõe-se anunciar, com renovado vigor, “aquilo que diz o Evangelho sobre o matrimónio e a família, para individuar o seu significado e valor no desígnio salvífico de Deus. É preciso, de modo particular, reiterar que ambas as instituições são realidades que derivam da vontade de Deus. Impõe-se redescobrir a verdade da família, enquanto íntima comunhão de vida e de amor, aberta à geração de novas pessoas; e também a sua dignidade de «igreja doméstica» e a sua participação na missão da Igreja e na vida da sociedade”(3).
3. Neste ano de 2004, comemora-se o 10º aniversário do Ano Internacional da Família. Sublinhando essa efeméride, internacionalmente celebrada, na sequência do Congresso da Família, realizado para celebrar o 20º aniversário da publicação da Exortação Apostólica Familiaris consortio, e dando cumprimento a quanto prometemos na Carta Pastoral Responsabilidade Solidária pelo Bem Comum (4), nós, os bispos portugueses, conscientes de que a família é o ponto de partida para a realização da pessoa e para a humanização da sociedade, queremos, uma vez mais, proclamar o Evangelho do matrimónio e da família e lembrar a todos que a grande missão da família é ser, na Igreja e no mundo, o rosto vivo do Deus que ama.
I A FAMÍLIA COMO REFERÊNCIA HUMANA FUNDAMENTAL
Dimensão natural e antropológica
4. O fenómeno humano surge como o ponto culminante de todo o processo de criação. Feito “à imagem e semelhança” de Deus (Gn 1,26), o homem ocupa um lugar central no projecto divino para o mundo e aparece, diante dos outros seres criados, como um ícone do Criador. A sua missão consiste em continuar a obra criadora de Deus e em testemunhar a realidade de Deus. Desse modo, o homem contribui para a perfeição da criação e revela-se como a fonte de sentido de toda a evolução do universo.
Ser “imagem e semelhança” de um Deus que é amor e comunhão pessoal significa que o homem é chamado a realizar a sua existência no amor e a dar testemunho do amor. “O amor é, portanto, a fundamental e original vocação do ser humano”(5). Assim, é no amor que o homem se realiza, que a sua existência se completa e adquire sentido pleno. O homem é, portanto, um ser-em-relação, um ser para os outros. O homem não pode viver sem amor: “não é bom que o homem esteja só” (Gn 2,18). Ele “permanece para si próprio um ser incompreensível e a sua vida é destituída de sentido, se não lhe for revelado o amor, se não se encontra com o amor, se o não experimenta e o não torna algo de si próprio, se nele não participa vivamente” (6).
A complementaridade hetero-sexual
5. A realidade do ser-em-relação manifesta-se, segundo a revelação bíblica, na bipolaridade sexuada do homem e da mulher (cf. Gn 1,27). Nessa perspectiva, o homem criado à imagem e semelhança de Deus, é homem e mulher: dois indivíduos, uma única realidade humana, chamados à unidade que exprime e anuncia a vocação de unidade e harmonia do próprio cosmos.
Esta unidade procurada e que se insere na busca progressiva da perfeição da criação não é uma “fusão” na qual os dois sujeitos perdem a sua identidade, mas é uma comunhão, onde cada um mantendo a sua individualidade, a reconhece continuamente na relação. No par humano, o ser humano afirma-se como relacional, isto é, alguém que se descobre no dom de si próprio e que se constrói na relação com o outro. Sem anular o indivíduo, este torna-se pessoa, porque encontra a sua verdade e a sua realização no amor partilhado.
Esta unidade relacional do homem e da mulher é o núcleo fundamental da vocação comunitária da humanidade e, por isso mesmo, sua célula fundante e fundamental. Fonte de sentido para toda a criação, esta unidade primordial alia a força da natureza com o sentido que lhe vem do espírito, afirmando, desde o início, a dimensão cultural e espiritual como componente essencial de toda a comunidade humana. Com a força da natureza, pode haver complementaridade física e reprodução da espécie; mas só haverá comunidade de pessoas com a dimensão cultural e espiritual, que vai encontrar uma expressão decisiva na dimensão religiosa, ou seja, da comunhão com Deus, que se reconhece como criador.
O matrimónio
6. Esta capacidade de amar e de ser amado tem a sua expressão mais plena na união estável de um homem e de uma mulher. A esta decisão chega-se, nesse processo de maturação do amor, quando a pessoa se torna capaz de contrair um compromisso de doação, de entrega e de fidelidade com outra de um outro sexo. O matrimónio é o modo particular e específico de realizar essa entrega que o amor esponsal exige. Ao ligar-se um ao outro por um amor fiel, exclusivo e indissolúvel, que os compromete para sempre, os esposos tornam-se “uma só carne” (Gn 2,24). Essa união natural, realizada com e por amor, aperfeiçoa-se e consolida-se dia a dia a partir desse mesmo amor.
A aventura do matrimónio é, além disso, frutificante: a família é “o santuário da vida” (7) e está ao serviço da vida. A comunhão conjugal é uma união dinâmica, que se prolonga na fecundidade. Está ordenada, por meio da procriação, à edificação da comunidade familiar.
Os filhos, como fruto do amor, são, por sua vez, fonte do amor. Eles dão sentido à vida dos cônjuges e tornam-se um dom para os pais. Os filhos “não são um ‘acessório’ no projecto de uma vida conjugal; são, antes, um ‘dom preciosíssimo’ inscrito na própria estrutura da união conjugal” (8).
A comunidade familiar
7. A comunhão conjugal, nascida do amor que o homem e a mulher decidem partilhar um com o outro e que assumem através de um compromisso estável, constitui o fundamento sobre o qual se continua a edificar a mais ampla comunhão da família: dos pais e dos filhos, dos irmãos e das irmãs entre si, dos parentes e de outros familiares. Assim, “a família torna-se um laboratório de humanização e de verdadeira solidariedade” (9).
Tal comunhão radica-se nos laços naturais da carne e do sangue, e desenvolve-se encontrando o seu aperfeiçoamento propriamente humano na instauração e maturação dos laços ainda mais profundos e ricos do espírito: o amor, que anima as relações interpessoais dos diversos membros da família, constitui a força interior que plasma e vivifica a comunhão e a comunidade familiar.
A família cristã é, portanto, chamada a fazer a experiência de uma comunhão nova e original, que confirma e aperfeiçoa a comunhão natural e humana. “Todos os membros da família, cada um segundo o dom que lhe é peculiar, possuem a graça e a responsabilidade de construir, dia após dia, a comunhão de pessoas, fazendo da família uma «escola de humanismo mais completo e mais rico»: é o que vemos surgir com o cuidado e o amor para com os mais pequenos, os doentes e os anciãos; com o serviço reciproco de todos os dias; com a comparticipação nos bens, nas alegrias e nos sofrimentos” (10).
8. Um elemento fundamental para construir esta comunhão “é o intercâmbio educativo entre pais e filhos, no qual cada um deles dá e recebe. Mediante o amor, o respeito e a obediência aos pais, os filhos dão o seu contributo específico e insubstituível para a edificação de uma família autenticamente humana e cristã. Isso ser-lhes-á facilitado, se os pais exercerem a sua autoridade irrenunciável como um «ministério» verdadeiro e pessoal, ou seja, como um serviço ordenado ao bem humano e cristão dos filhos, destinado particularmente a proporcionar-lhes uma liberdade verdadeiramente responsável; e se os pais mantiverem viva a consciência do «dom» que recebem continuamente dos filhos” (11).
Valores constitutivos da família
9. A comunhão familiar só pode ser conservada e aperfeiçoada através de um esforço quotidiano de todos os membros da família. Exige, de facto, de todos e de cada um, a generosidade, a disponibilidade para partilhar, a compreensão, a tolerância, o perdão, a contínua abertura à reconciliação, a solidariedade na ajuda mútua, a fidelidade às pessoas e ao projecto comum, o respeito pela vida e pela dignidade de cada elemento que integra a comunidade familiar, a intimidade construída na ternura e na doação.
Servida por estes valores, a família desempenhará um papel preponderante na realização das pessoas que a integram e na humanização da sociedade.
II LUZES E SOMBRAS DA FAMÍLIA NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA
10. Mesmo num tempo de “crise de civilização”, como aparenta ser o nosso, a família continua a ser a realidade base do equilíbrio da sociedade e o principal foco da estabilidade e da esperança. Nenhuma crise consegue ofuscar a beleza de tantas famílias que, vivendo empenhadamente o mistério do amor, apoiadas pela força sacramental do matrimónio, constroem, no discernimento contínuo das circunstâncias mutáveis, autênticas comunidades de vida e de amor, alicerçadas na fidelidade, generosas no serviço à vida, felizes na alegria que comunicam, verdadeiras “expressões domésticas” do mistério da Igreja de Jesus Cristo.
Mas esta luz que emana de tantas famílias felizes e que fundamentam a nossa esperança, não nos pode fazer ignorar os problemas reais e os perigos que ameaçam a estabilidade das famílias e levam, até, a perder de vista a verdade segura sobre a sua natureza e missão. Mesmo que muitas famílias não estejam em crise, a cultura contemporânea provocou uma crise da instituição familiar. Analisaremos agora, aliás na sequência do Congresso da Família, algumas das componentes dessa crise.
Dificuldades resultantes da cultura ambiente
11. A época moderna trouxe ao homem a consciência da sua individualidade. O homem descobriu-se como um ser único, original, diferente, insubstituível, irrepetível e autónomo. Este movimento foi positivo: levou à descoberta do valor supremo e intrínseco de cada ser humano, à afirmação dos direitos e da dignidade de cada pessoa, ao encontro com alguns valores essenciais, como a liberdade, o pluralismo e a responsabilidade.
No entanto, a descoberta da individualidade conduziu, também, ao individualismo. “O individualismo supõe um uso da liberdade pelo qual o sujeito faz o que quer, estabelecendo ele mesmo «a verdade» do que gosta ou do que lhe é útil. Não admite que outro «queira» ou exija algo dele em nome de uma verdade objectiva. Não quer «dar» a outro baseando-se na verdade; não quer converter-se numa entrega sincera. O individualismo é, portanto, egocêntrico e egoísta” (12).
12. Fortemente marcada por essa dinâmica de egoísmo e de egocentrismo, a cultura do nosso tempo apresenta sinais de degradação preocupante quanto a alguns valores fundamentais.
É uma cultura do provisório, que dá prioridade ao que é efémero sobre as realidades perenes com a marca da eternidade: propõe que se viva ao sabor do imediato e do momento, e subalterniza as opções definitivas, os valores duradouros.
É uma cultura do prazer, que orienta para a satisfação imediata e egoísta dos próprios anseios e desejos: ao apresentar o amor e a sexualidade como objecto de consumo imediato e descomprometido, banaliza e empobrece a concepção da dimensão sexual humana e esconde ao homem o horizonte da verdadeira felicidade.
É uma cultura do consumo e do bem-estar material: ao criar ilusões e necessidades inúteis, ao seduzir os homens com o brilho dos bens perecíveis, ao potenciar o reinado do «ter» sobre o «ser», escraviza o homem e relativiza a busca da identidade espiritual.
É uma cultura da facilidade, que ensina a evitar tudo o que exige esforço, sofrimento e luta: produz pessoas incapazes de lutar por objectivos exigentes e por realizar projectos que exijam esforço, fidelidade, compromisso e sacrifício.
É uma cultura do indivíduo: ao sublinhar fortemente os direitos e deveres do indivíduo, anula a dimensão de comunhão e fere de morte a família como comunidade de vida e de amor.
É uma cultura irresponsável, que relativiza os princípios éticos: prepara leis destinadas a regular as “crises”, sem se preocupar em atacar os comportamentos inadequados e em educar para um projecto de valores verdadeiros.
É uma cultura de morte: desvaloriza de forma dramática a vida humana e aceita, com leviandade, que lógicas utilitaristas e materialistas se sobreponham aos direitos das crianças não nascidas, dos débeis, dos doentes e das pessoas idosas.
É uma cultura mediatizada: todos estes traços culturais impõem-se, continuamente, às famílias, através da avalanche dos meios de comunicação, alterando fortemente os ritmos familiares e não deixando espaço para um discernimento sadio da realidade familiar.
Dificuldades resultantes das estruturas sociais
13. O urbanismo - A expansão económica verificada nas duas últimas décadas foi acompanhada por uma forte especulação imobiliária que encareceu significativamente o preço da habitação. A compra ou o aluguer da casa tornou-se um peso enorme para a economia familiar, afectando sobretudo os casais jovens. Aí reside, precisamente, uma das razões fundamentais para o atraso na idade de contrair matrimónio e para a redução ao mínimo do número de filhos, pois são necessários, na maior parte dos casos, dois ordenados para sustentar a economia familiar e o trabalho da mulher chega a estar ameaçado no caso de ficar grávida. “A precária situação económica, profissional e de habitação em que muitos jovens se encontram ao casar dificulta-lhes a adaptação ao novo modo de viver e a estabilização numa vida de casados equilibrada, confiante e feliz. Muitas vezes os jovens casam endividados, sem emprego seguro, sem casa própria ou com habitação inadequada (...), vendo-se compelidos a privações, horários desencontrados e promiscuidades que se reflectem negativamente na sua vida de casados e lhes tolhem as forças indispensáveis ao cultivo dos valores mais altos” (13).
O aumento significativo do número de pessoas que se vêem obrigadas a residir em locais demasiado afastados do local de trabalho tem constituído, também, um factor negativo para a vida familiar. A ‘periferização’ das famílias leva ao aumento do tempo de deslocação entre a casa e o trabalho, diminuindo o tempo disponível para o encontro familiar e constituindo um obstáculo ao relacionamento, quer entre os cônjuges, quer entre os pais e os filhos.
Verifica-se, por outro lado, uma forte tendência para a redução do espaço oferecido, em muitas casas recentemente construídas, o que dificulta a família ampla e a presença das pessoas mais idosas na convivência do lar.
Finalmente, o crescimento das áreas urbanas tem sido feito, em muitos casos, sem um projecto sustentado e que tenha em conta o bem-estar das pessoas e das famílias. Vários núcleos habitacionais têm sido implantados e crescem, “sem os equipamentos sociais indispensáveis, como escolas, serviços de saúde e locais de culto. Faltam, de igual modo, espaços adequados ao correcto desenvolvimento da vida social: zonas arborizadas e jardins, lugares para a prática do desporto e ocupação dos tempos livres, recintos para actividades culturais e associativas” (14). Instaladas em cidades de betão onde falta “qualidade de vida”, torna-se difícil, para as famílias crescerem numa atmosfera de equilíbrio, de harmonia, de tranquilidade e de serenidade; e isso acaba por ter, a curto prazo, custos incalculáveis no que diz respeito à estabilidade familiar.
14. O desemprego - O desemprego e o trabalho precário constituem, nos nossos dias, uma das mais sérias ameaças à família. Ao trazerem instabilidade, insegurança e desconfiança em relação ao futuro, destroem a harmonia, o equilíbrio e a paz familiar. Atingindo, por vezes, as dimensões de uma autêntica “calamidade social” (15), são uma fonte de pobreza que fragiliza os indivíduos e as famílias. Uma das suas consequências é a dificuldade em prover às necessidades fundamentais, nomeadamente o acesso à habitação, à educação, à cultura e à assistência na saúde. Com frequência, o desemprego é responsável pelo endividamento das famílias, provocando situações verdadeiramente dramáticas de miséria e de dependência.
Outro dos efeitos do desemprego é impedir os indivíduos de desenvolverem as suas capacidades e de as porem ao serviço do bem comum. Afastados do mercado do trabalho, os desempregados sentem a dolorosa sensação de não serem reconhecidos nem úteiscidades e de as porem ao serviço do bem comum. Afastados do mercado do trabalho, os desempregados sentem a dolorosa sensação de não serem reconhecidos nem úteis à sociedade. Muitas vezes, esta situação degenera em fenómenos de violência, de prostituição, de alcoolismo, de delinquência e de desequilíbrio familiar.
Entre as pessoas dolorosamente atingidas pelo desemprego, encontra-se um número significativo de jovens. A dificuldade em aceder ao mercado de trabalho leva muitos jovens a sentirem dificuldades para encontrar o seu espaço na sociedade. A instabilidade daí decorrente é responsável, muitas vezes, pelo adiamento do matrimónio e por desequilíbrios diversos que afectam a unidade familiar.
15. A injustiça fiscal - O sistema fiscal vigente ignora a centralidade da família na sociedade e apresenta-se, em geral, desfavorável à promoção da família e dos valores familiares.
O regime fiscal a que as famílias estão sujeitas desencoraja a natalidade e penaliza, sobretudo, as famílias numerosas, constituindo um incentivo a que os casais limitem, por razões económicas, o número de filhos. A tributação fiscal, não só não tem em conta, de um modo coerente, a família, como chega a tributar mais gravosamente o cidadão enquanto membro de uma família do que o seria fora dela.
Falta, na realidade, uma política que centre o sistema fiscal na família e que privilegie o tratamento fiscal dos rendimentos integrados num agregado familiar. Falta, igualmente, uma política de incentivos às empresas que desenvolvam uma política de apoio às famílias dos seus trabalhadores, nomeadamente através de creches, infantários e prestação de cuidados de saúde.
16. A pouca protecção dada à maternidade - A incorporação da mulher no mercado de trabalho - umas vezes imposta pelas necessidades da economia familiar, outras pela ideia de que o valor e a dignidade da mulher se baseiam na sua profissão remunerada - obriga a que, em muitos casos, ela trabalhe todo o dia fora de casa. Na prática, isto pode significar, para a mulher, a renúncia à maternidade ou, na melhor das hipóteses, a redução ao mínimo do número de filhos. A fadiga resultante da actividade laboral, a necessidade de ser competitiva e a realização profissional tornam mais difícil que a mulher possa dar aos filhos o cuidado, o amor, o afecto e a atenção de que estes necessitam para se desenvolverem de forma equilibrada. Tal realidade não resulta, em muitos casos, da vontade da mulher, mas da impossibilidade de conciliar objectivamente a sua dupla condição de trabalhadora e de mãe.
As exigências da actividade laboral traduzem-se na redução da comunicação familiar e na falta de tempo para a convivência em casa. Dessa forma, debilita-se a força interna das relações pessoais e degrada-se o papel educador dos pais na sua relação pessoal com os filhos.
Fragilidades internas à própria família
17. Os abusos da liberdade individual - O individualismo trouxe a corrupção do conceito e exercício da liberdade. A liberdade pessoal aparece, frequentemente, como afirmação de si próprio e dos interesses egoístas e não como capacidade de se dar ao outro numa relação afectiva profunda e definitiva. Numa sociedade em que o ideal de vida é a independência, as relações conjugais e familiares são vistas como uma pesada carga que rouba a liberdade e que é causa de sofrimento e de infelicidade. Esta deformação do significado da liberdade tem introduzido perturbações graves no seio da vida familiar, quer na relação do casal, quer na relação entre pais e filhos. A família torna-se, assim, um conjunto de indivíduos com direitos e deveres regulados pela Lei, e não uma comunidade de vida e amor, onde o exercício da liberdade se traduz no dom de si próprio, na partilha, na solidariedade e no serviço feito por amor.
18. As traições ao amor e à vida - Pelo compromisso matrimonial, os cônjuges ligam-se um ao outro por um amor fiel, exclusivo e indissolúvel que os compromete para sempre numa vida de partilha, de doação recíproca e de entrega total. Contudo, diversas situações vividas nas famílias atentam contra este compromisso: o individualismo, a infidelidade, a promiscuidade sexual, a mentira, a incapacidade para se dar totalmente, a procura do próprio prazer e dos próprios interesses por cima dos interesses comuns, a ruptura do compromisso matrimonial. São traições ao amor que fracturam e, muitas vezes, ferem de morte a comunidade familiar. O divórcio aparece, neste contexto, como uma das mais graves formas de traição ao amor.
O compromisso matrimonial supõe, por outro lado, um compromisso com a vida. As manifestações de violência e de desrespeito pela dignidade do outro - do cônjuge, dos filhos, dos idosos, dos doentes, das pessoas portadoras de deficiência - são traições à vida. O aborto provocado é, na perspectiva do Magistério da Igreja, um crime contra a vida “particularmente grave e abjurável” (16). Tudo aquilo que nega a vocação da família a ser “santuário da vida” atenta contra a verdade e a integridade da própria família.
19. A pobreza da dimensão espiritual e sobrenatural - Seguindo o sentido geral da cultura do nosso tempo - onde o divino deixou de ser um elemento significativo para a vida diária dos homens - muitas famílias reduzem o seu horizonte a uma perspectiva de bem-estar material e constroem a sua existência à margem dos valores transcendentes. A indiferença face a Deus e aos seus projectos, a falta de tempo para a oração pessoal e familiar, a indisponibilidade para a escuta e a reflexão da Palavra de Deus, a falta de participação na vida sacramental e eclesial e a insensibilidade face aos valores evangélicos traduzem-se no empobrecimento da dimensão espiritual e sobrenatural.
20. Em geral, o não cultivo dos valores que são constitutivos da família, ameaça a solidez da instituição familiar e impede-a de concretizar no mundo a sua vocação de sinal e instrumento do amor de Deus.
As famílias em situações especiais
21. As famílias em que pelo menos um dos cônjuges é “recasado” - O divórcio é sempre uma crise extremamente dolorosa. A separação provoca, quase sempre, nos cônjuges sentimentos de fracasso e de perda; nos filhos, o divórcio provoca, muitas vezes
Muitos divorciados caminham para um novo casamento; e o novo enquadramento familiar ressente-se, frequentemente, do quadro negativo que acompanhou a anterior separação de um ou dos dois cônjuges. Tanto os ex-cônjuges como os filhos do casal passam a ter que se adaptar a novas situações, desde as rotinas do dia a dia a referências mais importantes, como a transferência de escola ou de emprego, de residência, de bairro, de cidade, ou mesmo de país. Além disso, na família recasada os limites dos subsistemas familiares são mais permeáveis, a autoridade paterna e materna é dividida com outros membros da família: há uma maior complexidade na constituição familiar - às vezes oito avós, irmãos, meios-irmãos, filhos da mulher do pai, filhos do marido da mãe. Esta complexidade das relações leva, em certos casos, a dificuldades de enquadramento que afectam o desenvolvimento emocional da criança e do adolescente. Tal situação arrasta consigo, não raras vezes, problemas emocionais e psico-somáticos, que se traduzem na dificuldade em lidar com os “novos pais”, em agressividade, em fechamento, em problemas de identificação familiar e social.
22. As famílias com filhos portadores de deficiência - O problema dos cidadãos portadores de deficiência marca o dia a dia de muitas famílias. Trata-se de uma questão que ainda não encontrou uma resposta satisfatória por parte dos poderes públicos. Os problemas começam, desde logo, no acesso das crianças portadoras de deficiência às creches e infantários onde, com frequência, não existem condições para as receberem. Isto implica, nalguns casos, que um dos pais tenha de renunciar ao seu emprego para assistir o filho portador de deficiência nos primeiros anos de vida. Os problemas continuam na escola regular, onde nem sempre existem condições técnicas e humanas para assegurar ao cidadão portador de deficiência uma integração/inclusão efectiva. As instituições de ensino especial são escassas e nem sempre conseguem dar uma resposta adequada aos desafios que, a este nível, lhes são postos.
Sem acesso à educação e à formação de qualidade, os cidadãos portadores de deficiência vêm-se impossibilitados de aceder ao mercado normal de trabalho em condições de igualdade. Assim, as pessoas portadoras de deficiência estão destinadas a integrar indefinidamente o grupo dos desempregados ou dos trabalhadores mal remunerados e vêem, assim, limitadas as suas possibilidades de integração social, de realização profissional e até de constituir família. Trata-se de uma situação que onera a comunidade familiar e que constitui um drama na vida de muitas das nossas famílias.
23. As famílias monoparentais - Nos últimos anos tem aumentado significativamente o número de famílias monoparentais. As razões que estão por detrás desta realidade são de índole diversa - uma maternidade ou paternidade solteira, o divórcio civil, a nulidade canónica da união anterior, uma violação, ou outras; mas o facto significa, em qualquer caso, uma deficiência no quadro familiar. Desde logo, a falta da imagem do pai ou da mãe como figura de referência pode constituir, para a educação da criança, uma grave lacuna. Frequentemente, essa lacuna tem consequências posteriores mais ou menos graves, quer ao nível do equilibrado desenvolvimento pessoal, quer ao nível do aproveitamento escolar e da formação em geral, quer ao nível da capacidade de integração e de relação social.
Outros factores contribuem para onerar a situação da família monoparental. Trata-se, em geral, de uma família com menos recursos económicos e que, por isso, tem menos facilidade em aceder aos bens essenciais, nomeadamente à educação, à saúde e à cultura; o chefe de uma família monoparental tem, em geral, maior dificuldade em inserir-se no mercado laboral até porque, com frequência, é obrigado a ausentar-se do seu posto de trabalho para cuidar do filho; o chefe de uma família monoparental, pelo facto de ter de assumir sozinho todas as tarefas dos pais, vive num clima de cansaço, de tensão e de preocupações que acaba por afectar o equilíbrio de toda a comunidade familiar.
24. A situação dos idosos - A evolução médico-científica, a melhoria da higiene, da salubridade e das condições de vida globais, provocaram o aumento da esperança de vida. Como consequência, aumentou significativamente o número de pessoas idosas na sociedade actual. Trata-se de uma questão que, além do seu impacto óbvio nas estruturas sociais, laborais e económicas, tem também consequências sérias na comunidade familiar.
Muitos idosos, por vontade própria ou por exigência das circunstâncias, vivem sozinhos, numa situação de especial vulnerabilidade. Por vezes, essa realidade significa pobreza, isolamento, solidão, esquecimento, tristeza e desamparo, apesar do apoio e do acompanhamento das instituições de solidariedade social públicas ou privadas. A natural susceptibilidade a certas doenças, a maior frequência de alterações degenerativas, a diminuição da acuidade dos sentidos, a eventual incapacidade física ou psíquica, tornam as pessoas e os casais que fazem parte deste grupo etário especialmente débeis e necessitadas. As suas carências económicas não lhes permitem, muitas vezes, ter acesso a determinados bens de primeira necessidade - nomeadamente aos cuidados de saúde - nem o aproveitamento do tempo de lazer a que têm direito.
Muitos idosos estão, felizmente, integrados em comunidades familiares mais alargadas, constituídas pelos seus descendentes. Nesse contexto eles têm, normalmente, um papel muito importante na consolidação da estrutura familiar. Para os filhos e para os netos, eles dão testemunho do valor da família e “são, por sua natureza, fonte de dádivas, tesouro de experiências, conselheiros sábios e prudentes” (17). A sua presença e a sua afectividade são particularmente importantes no apoio, no acompanhamento e na transmissão de valores às gerações mais jovens da comunidade familiar.
As necessidades particulares dos idosos dependentes - por motivo de deficiência profunda, doença grave ou idade avançada - constituem, contudo, uma realidade a que as famílias nem sempre conseguem dar a resposta adequada. A exiguidade e a falta de condições do espaço familiar, a dificuldade - por parte dos filhos - em conciliarem a vida profissional com o acompanhamento dos pais em situação de dependência, constituem uma grave dificuldade experimentada por muitas famílias.
25. As famílias deslocadas (os migrantes) - A realidade da migração sente-se, entre nós, numa dupla direcção: por um lado, nos milhares de portugueses que emigraram, procurando noutros países melhores condições materiais; por outro, no número daqueles que, mais recentemente, demandam Portugal como pátria de acolhimento.
Nos últimos anos testemunhámos um fluxo migratório sem precedentes. Muitas das pessoas envolvidas nessa corrente migratória foram coagidas a deixar a sua terra, o seu círculo familiar e as suas raízes sócio-culturais para encontrar, num país de acolhimento, uma vida melhor, para elas e para as suas famílias. Frequentemente, depois de uma viagem cheia de dificuldades e privações, os imigrantes caem nas mãos de redes de tráfico de pessoas e são explorados por empregadores sem escrúpulos. Apesar da sua contribuição para o desenvolvimento do país onde se estabelecem, nem sempre encontram mecanismos legais que defendam os seus direitos e são, muitas vezes, vítimas de actos de racismo e discriminação. Num contexto sócio-cultural estranho e, por vezes, adverso, o seu desenraizamento constitui um factor acrescido de marginalização. A separação da família, além de aumentar o seu sofrimento e solidão, enfraquece as relações familiares e contribui para a desagregação da comunidade familiar.
Nos casos em que é possível o reagrupamento familiar no país de acolhimento, a família migrante enfrenta novos e difíceis desafios. Para uma elevada percentagem de imigrantes e seus filhos, as oportunidades de integração estão limitadas pela sua dificuldade em dominar a língua do país que os acolheu, pelo choque de culturas, pelo seu baixo poder económico, pela discriminação e desvantagem no mercado de trabalho, pela segregação residencial, pela escassa participação política e sindical, pela dificuldade em aceder ao sistema de saúde, à educação e à cultura, pelo desemprego e pelo racismo. São, portanto, famílias especialmente vulneráveis à agressão do meio e que têm, frequentemente, dificuldades em encontrar o seu equilíbrio, o seu enquadramento e a sua realização.
26. Temos consciência de que este quadro significa, para a realidade familiar, um enorme desafio. Contudo, encaramos o futuro com confiança e esperança, convictos de que as famílias saberão encontrar o seu caminho, realizar as necessárias adaptações, conservar os valores perenes e continuar a desempenhar, com fidelidade, o seu papel e a sua missão na Igreja e no mundo.
III O ANÚNCIO DO EVANGELHO DO MATRIMÓNIO E DA FAMÍLIA
27. A Igreja tem em conta toda esta complexa e multifacetada realidade familiar e não fecha os olhos “às dificuldades e aos dramas que a experiência histórica concreta regista na vida das famílias” (18). Sacramento de salvação no mundo e no meio dos homens, a Igreja é chamada a dar testemunho do amor materno e paterno de Deus, que se derrama sobre os homens independentemente das suas dificuldades, crises, fracassos e debilidades.
Tendo em conta que todas as pessoas, de um modo ou de outro, pertencem a uma família, a Igreja quer manifestar a sua solicitude e oferecer a sua ajuda “a quem, conhecendo já o valor do matrimónio e da família, procura vivê-lo fielmente, a quem, incerto e ansioso, anda à procura da verdade e a quem está impedido de viver livremente o próprio projecto familiar. Sustentando os primeiros, iluminando os segundos e ajudando os outros, a Igreja oferece o seu serviço a cada homem interessado nos caminhos do matrimónio e da família” (19).
Na sua acção de ajuda fraterna às famílias, a Igreja dirige-se a todas as comunidades familiares, crentes ou não crentes. Através das suas instituições de apoio à família, a Igreja manifesta, de forma concreta e sem discriminações, o seu serviço à vida, o seu amor e a sua solicitude pela família e por cada uma das pessoas que a integram.
Anunciar o Evangelho
28. Mas a solicitude da Igreja pela família manifesta-se, de forma privilegiada, no anúncio do Evangelho.
O desígnio de Deus de dar vida e de chamar o homem à comunhão da aliança manifestou-se, de forma plena, em Jesus Cristo, o Filho Unigénito de Deus que se tornou pessoa «e veio habitar no meio de nós» (Jo 1,14). Cumprindo o projecto do Pai, Jesus fez da sua vida um dom de amor. Mostrou aos homens, com palavras e com gestos, que a vida plena está na comunhão com Deus e no dom de si próprio aos irmãos. A sua morte na cruz e a sua ressurreição garantem-nos que a vida em plenitude nasce do dom total, da entrega plena, da comunhão com Deus e com os outros homens e mulheres. Ao libertar o homem do egoísmo e da dureza do coração, Ele tornou-o capaz de concretizar essa vocação ao amor que foi, desde o princípio, inscrita por Deus no coração de cada pessoa.
Da acção e do amor de Jesus nasce a Igreja, comunidade de homens e mulheres que se identificam com Jesus, que aderem à sua proposta de vida e que o seguem no caminho do amor e da entrega. Animada pelo Espírito Santo, a comunidade eclesial é uma família de irmãos, nascida do baptismo e alimentada da eucaristia que, ao longo da sua peregrinação histórica pela terra, vive e testemunha o amor, a comunhão e a fraternidade. Corpo visível de Cristo no mundo, ela é chamada a continuar na história a missão de Jesus: anunciar o projecto de amor do Pai e apontar aos homens os caminhos da vida definitiva.
Esse projecto de amor e de comunhão que a Igreja recebeu do seu Senhor e que é chamada a anunciar a todos os homens e mulheres, encontra no campo das relações familiares um espaço privilegiado para se expressar, para crescer e para se desenvolver. A família, comunhão de pessoas unidas por laços de amor e de fraternidade, é a vivência doméstica desse mistério de comunhão que é a Igreja. Por isso, o Concílio Vaticano II chamou à família “Igreja doméstica” (20).
Proclamar a novidade pascal do Sacramento do matrimónio
29. O ponto culminante da evangelização da família é a revelação da dimensão sacramental do matrimónio, sinal do amor esponsal de Cristo pela Igreja. Ao entregar a própria vida ao outro, numa doação total, exclusiva e sem limites, os esposos são sinal do amor do Esposo-Cristo, que “amou a Igreja e se entregou a si mesmo por ela para santificá-la” (Ef 5,25-26). O amor humano inserido na história de amor que é o plano de salvação de Deus, é testemunha de um amor maior que o próprio homem, é imagem real do amor de Cristo pela Igreja. O matrimónio torna-se, assim, “sacramento”, quer dizer, realidade sagrada onde se manifesta a vida de Deus, e sinal eficaz do amor de Deus presente na vida do mundo. Os esposos são, pois, expressão da eterna aliança de Cristo com a nova humanidade redimida. Esta aliança indestrutível da qual vive a Igreja é um dom do Espírito e os esposos vivem-na pela indissolubilidade do seu vínculo, que manifesta como o dom de Deus é completamente irrevogável.
Já na revelação do Antigo Testamento o casamento é o sinal da aliança de Deus com o Seu Povo e é na vivência dessa relação de aliança que a família, realidade privilegiada de toda a comunidade de Israel, encontra a força para o seu aprofundamento, na fidelidade.
Para os cristãos, o sacramento do matrimónio, sinal concreto das núpcias de Cristo com a Igreja, é a fonte de toda a luz e de toda a graça que os esposos precisam para viver o casamento como caminho de santidade, ou seja, de fidelidade um ao outro e de amor a Cristo ressuscitado.
IV A ESPIRITUALIDADE CONJUGAL COMO ESPIRITUALIDADE DE COMUNHÃO
Espiritualidade de comunhão
30. A verdadeira fonte da vida familiar é o amor de Cristo que introduz a família na comunhão trinitária. Ao contemplar, com os olhos do coração, o mistério da Trindade, a família descobre a sua vocação essencial, que é a comunhão com Deus e com os irmãos.
Faz parte da vida familiar o cuidado e fomento desse trato pessoal e específico que permite uma comunhão de vida explícita com Deus, Pai, Filho e Espírito Santo. “É este o múnus sacerdotal que a família cristã pode e deve exercer em comunhão íntima com toda a Igreja, através das realidades quotidianas da vida conjugal e familiar. Nesse sentido, a família cristã é chamada a santificar-se e a santificar a comunidade cristã e o mundo” (21).
A contemplação da Trindade, mistério de comunhão, deve levar à comunhão com os irmãos, quer os que integram a comunidade familiar, que os de fora. Isso significa “a capacidade de sentir o irmão de fé na unidade do Corpo místico, isto é, como «um que faz parte de mim», para saber partilhar as suas alegrias e os seus sofrimentos, para intuir os seus anseios e dar remédio às suas necessidades, para oferecer-lhe uma verdadeira e profunda amizade. (...) É, ainda, a capacidade de ver o que há de positivo no outro, para acolhê-lo e valorizá-lo como dom de Deus: um «dom para mim», como o é para o irmão que directamente o recebeu. Por fim (...), é saber criar espaço para o irmão, levando «os fardos uns dos outros» (Ga 6,2)" (22).
Necessidade de tempo para a partilha da fé e para o encontro familiar
31. Para que seja possível à família desenvolver a espiritualidade da comunhão, é preciso prever tempos de encontro e de partilha comunitária. A vida cristã não é feita apenas de trabalhos, compromissos e tarefas. Nela tem de haver, também, lugar para a contemplação agradecida do amor de Deus, para a oração em comum, para a escuta e para a partilha familiar da Palavra de Deus, para a celebração familiar da fé: na partilha da fé, a família une-se e descobre-se unida à volta da mesma vocação e do mesmo Senhor.
A espiritualidade da comunhão desenvolve-se, ainda, nos momentos de convívio familiar, de enriquecimento cultural, de diálogo sereno, de partilha de conhecimentos e de perspectivas, de procura comum dos caminhos e dos desafios de Deus. No aprofundamento da relação familiar, a família realiza, constrói e fortalece a sua vocação à comunhão.
A vivência do Domingo
32. O Domingo é um tempo privilegiado para a construção familiar como realidade de comunhão. É o dia para, tal como Deus perante a obra criada, lançar “um olhar repleto de jubilosa complacência” (23) sobre o amor, a vida, a relação e o trabalho realizado ao longo da semana. É um dia “santificado” por Deus para o homem se lembrar que Deus é a fonte da vida e do amor, que a Ele pertencem o universo e a história, também o universo da família e a sua realidade quotidiana de alegrias e sofrimentos. É o dia pascal, em que celebrando a ressurreição de Cristo e o início da nova criação, a vida e o amor se reconstroem, «fazendo novas todas as coisas» (Ap 21,5).
Sendo o dia da Igreja, o Domingo é, também, o dia da família, o dia da «Igreja doméstica», em que, à volta da Eucaristia, são purificados e reforçados os laços do amor e da unidade. Na escuta da Palavra e na participação no sacrifício de Cristo na cruz, a família cristã identifica-se mais com o amor esponsal de Cristo que deu a sua vida pela Igreja, amor que é fonte do seu amor e do qual ela é sinal no mundo.
O Domingo é, também, o dia do repouso, da alegria, da celebração de aniversários, do convívio, do diálogo entre os esposos e entre pais e filhos, da solidariedade (com os parentes doentes, com os mais idosos, com as famílias em dificuldades, com as famílias imigradas).
A celebração e a vivência do Domingo cristão será, pois, para o casal e para a família, uma fonte de permanente renovação do amor que impedirá o desgaste, o cansaço e o desencanto a que poderá estar sujeita a vida conjugal e familiar.
V O CASAMENTO COMO VOCAÇÃO CRISTÃ
33. O matrimónio é uma vocação cristã. Todos os baptizados são chamados à plenitude da vida cristã, à vida de filhos de Deus. Enxertados em Cristo pelo baptismo, os cristãos identificam-se com Cristo e procuram segui-lo no caminho do amor e da entrega. É esse o caminho que conduz à santidade, meta final da realização plena do homem.
Existem, no entanto, caminhos ou modos diversos de seguir essa vocação à santidade. O matrimónio é um deles: assinala aos casados o modo concreto como devem viver a vocação cristã iniciada no baptismo.
Esta caminhada rumo à santidade, através da vivência do amor matrimonial, não teria sentido, para os casais cristãos, se não fosse feita em Igreja, pois é na Igreja que se manifesta a plenitude da vida de Deus, caminho de santidade e de realização do homem e da mulher.
Processo de discernimento
34. Como toda a vocação cristã, o matrimónio supõe um discernimento, baseado não apenas na voz da natureza, mas na perspectiva sobrenatural de quem escuta a voz do Senhor que chama. A caminhada para o matrimónio parte do instinto - inato e fundamental - que impele a pessoa para a plena realização, através do amor. “O amor conjugal comporta uma totalidade na qual entram todos os componentes da pessoa - chamamento do corpo e do instinto, força do sentimento e da afectividade, aspiração do espírito e da vontade” (24). A concretização desse anseio traduz-se no progressivo amadurecimento de um projecto de amor e de comunhão, que poderá desembocar num compromisso matrimonial.
O processo de discernimento e de amadurecimento do projecto matrimonial supõe um longo caminho a percorrer. Ao longo desse caminho, os candidatos ao matrimónio deverão contar com a ajuda dos pais, dos educadores, da comunidade eclesial e de toda a sociedade, no sentido de serem preparados para assumir as responsabilidades que o matrimónio exige. A comunidade eclesial, no cumprimento da sua missão evangelizadora, estará presente ao longo de todas as etapas que compõem esse caminho, ajudando o homem e a mulher a descobrir o significado do matrimónio à luz do seu compromisso baptismal, da sua fé em Cristo Senhor e na Igreja.
Preparação remota
35. A preparação para o matrimónio começa com a infância e inclui a adolescência. É nesse período que é infundida na criança “a estima por todo o valor humano autêntico, quer nas relações interpessoais, quer nas sociais, com tudo o que significa para a formação do carácter, para o domínio e recto uso das inclinações próprias, para o modo de considerar e encontrar as pessoas do outro sexo” (25). É uma etapa muito importante da educação humana e cristã que, por isso, requer uma atenção especial. A educação ao matrimónio, nessa fase, deve ser encarada como um processo gradual que permita – na maturação da pessoa – ter como centro a vocação ao amor e o reconhecimento do valor específico da esponsalidade.
Os pais, como primeiros e principais educadores dos seus filhos, têm o direito e o dever de os educar nesta dinâmica. Para isso, é necessário que se esforcem no sentido de que o seu lar seja um espaço de comunhão, de ternura, de respeito, de fidelidade, de serviço desinteressado ao outro. Com o exemplo e com a palavra, os pais procurarão que os filhos se desenvolvam harmónica e progressivamente, de maneira que cada um esteja na disposição de viver com fidelidade a vocação recebida de Deus.
36. Esta missão dos pais deve ser complementada pelas outras entidades que intervêm na tarefa educativa, nomeadamente a escola e a comunidade paroquial. Toda a formação catequética, ao revelar o sentido do baptismo e do compromisso com Jesus Cristo, deve educar para o dom de si próprio, para a entrega da própria vida, para a comunhão. A catequese torna-se, assim, um espaço privilegiado de descoberta da própria vocação ao amor. A perspectiva matrimonial deve ser colocada, pela catequese, neste enquadramento.
37. A juventude é, regra geral, o momento natural da eleição de um estado, o momento em que o jovem se abre a um horizonte mais amplo do que a sua família de origem e começa a discernir e a amadurecer o seu próprio projecto de realização. Nessa fase, podem aparecer itinerários de fé explicitamente matrimoniais.
A formação espiritual e catequética dada ao jovem deverá ter em conta essa realidade e, utilizando a linguagem e os conteúdos apropriados, prepará-lo para assumir plenamente a sua vocação, à luz do baptismo e do compromisso com Cristo. Os catequistas, os animadores da pastoral juvenil e vocacional e, em especial, os pastores deverão aproveitar os meios e ocasiões de que dispõem para sublinhar e evidenciar os pontos que contribuam para a preparação orientada a um possível matrimónio: formação doutrinal no evangelho do amor e da família, crescimento nas virtudes, espírito de sacrifício e de doação, capacidade de comprometer-se, progresso na vida de oração, etc. Também os movimentos, os grupos e as demais associações paroquiais devem colaborar nesta tarefa.
Formação próxima
38. O namoro e o noivado são uma etapa avançada na construção do projecto matrimonial. Trata-se de uma fase em que a pessoa já descobriu a sua vocação para o matrimónio e coloca a concretização desse projecto num horizonte próximo.
A formação para o matrimónio, nesta fase, deve incluir um «itinerário de fé» no qual, de maneira gradual e progressiva, se prepare os jovens para assumir as responsabilidades que deverão assumir no âmbito da vida matrimonial. Tal «itinerário» formativo deverá prever uma identificação cada vez mais plena da pessoa com Cristo e com o compromisso baptismal; “o aprofundamento da fé pessoal, a redescoberta do valor dos sacramentos e a experiência da oração; a preparação específica para a vida a dois que, apresentando o matrimónio como uma relação interpessoal do homem e da mulher em contínuo desenvolvimento, estimule a aprofundar os problemas da sexualidade conjugal e da paternidade responsável, com os conhecimentos médico-biológicos essenciais que lhe estão anexos, e os leve à familiaridade com os métodos adequados de educação dos filhos, favorecendo a aquisição dos elementos de base para uma condução ordenada da família; a preparação para o apostolado familiar, para a fraternidade e colaboração com outras famílias, para a inserção activa nos grupos, associações, movimentos e iniciativas que têm por finalidade o bem humano e cristão da família” (26).
O resultado final deste período de preparação próxima deverá ser “um claro conhecimento das notas essenciais do matrimónio cristão: unidade, fidelidade, indissolubilidade, fecundidade; a consciência de fé sobre a prioridade da Graça sacramental, que associa os esposos, sujeitos e ministros do sacramento, ao amor de Cristo Esposo da Igreja; a disponibilidade em viver a missão própria das famílias no campo educativo, social e eclesial” (27).
39. Neste percurso formativo, os jovens que se preparam para o matrimónio deverão ser ajudados por toda a comunidade cristã. Os casais comprometidos na vida eclesial poderão dar testemunho da sua experiência matrimonial e dos valores fundamentais do matrimónio; os catequistas e os pastores, num clima sereno de diálogo, de amizade, de partilha e de oração, ajudarão os jovens a descobrir as exigências do compromisso matrimonial cristão, à luz da fé e do baptismo; outras pessoas especializadas em várias áreas (medicina, leis, psicologia, sexualidade), poderão ajudar os jovens a preparar-se para enfrentar os desafios, as exigências e as obrigações da vida matrimonial.
A preparação imediata
40. Aos casais que prevêem a celebração do seu compromisso matrimonial num lapso de tempo relativamente curto, deve ser proporcionada uma preparação específica. Tal preparação, além de privilegiar o aprofundamento da doutrina cristã sobre o matrimónio e a família, deve iniciar os noivos no ritmo matrimonial.
Actualmente, é frequente que os noivos solicitem à Igreja o sacramento do Matrimónio sem terem percorrido um itinerário catequético conveniente e sem a adequada preparação, quer próxima, quer remota. Nessas circunstâncias, é preciso oferecer-lhes um esquema de formação que responda adequadamente às carências que manifestam, quer no campo da fé, quer no campo da preparação para assumir os compromissos que o matrimónio cristão implica.
Os encontros específicos de preparação para o matrimónio são um elemento fundamental neste processo. Não devem ser vistos como uma simples formalidade, mas como uma oportunidade privilegiada para “evangelizar o amor”. Os noivos não deveriam ser dispensados desses encontros, a não ser por motivos graves.
Além de aprofundar a doutrina cristã sobre o matrimónio e a família no plano de Deus, a preparação imediata para o sacramento do Matrimónio deverá ajudar os noivos a descobrir que, enquanto baptizados em Cristo, assumem o compromisso de viver a sua vocação matrimonial de forma coerente com a fé recebida. A preparação imediata para o matrimónio deverá, também, ajudar os nubentes a tomar parte consciente e activa na celebração nupcial, de forma a que eles entendam o significado dos gestos e dos textos litúrgicos que fazem parte da celebração. Finalmente, a preparação deverá tornar presente, para os noivos, a solicitude e o amor com que a Igreja encara a comunidade familiar.
VI A SOLICITUDE DA IGREJA TRADUZIDA EM ACÇÕES CONCRETAS
Aprofundamento da realidade familiar
41. Depois da celebração do seu compromisso matrimonial, o casal cristão inicia a sua caminhada quotidiana. Nesse caminho, pejado de desafios e de dificuldades de toda a ordem, a família tem o direito de esperar da comunidade eclesial a ajuda necessária para aprofundar a vivência do seu matrimónio e dos valores que lhe são inerentes.
Assim, a Igreja procurará ter “para todas as famílias uma palavra de verdade, de bondade, de compreensão, de esperança, de participação viva nas suas dificuldades por vezes dramáticas; a todas oferecerá ajuda desinteressada, a fim de que possam aproximar-se do modelo de família que o Criador quis desde o «princípio» e que Cristo renovou com a graça redentora” (28).
42. Os meios normais da Graça - a Palavra e os sacramentos - constituirão meios privilegiados através dos quais a Igreja ajudará a comunidade familiar a aprofundar o seu compromisso e a sua vocação. “Com o anúncio da Palavra de Deus, a Igreja revela à família cristã a sua verdadeira identidade, o que ela é e deve ser segundo o desígnio do Senhor; com a celebração dos sacramentos, a Igreja enriquece e corrobora a família cristã com a graça de Cristo em ordem à sua santificação para a glória do Pai; com a proclamação reiterada do mandamento novo da caridade, a Igreja anima e guia a família cristã ao serviço do amor, a fim de que imite e reviva o mesmo amor de doação e sacrifício, que o Senhor Jesus nutre pela humanidade inteira” (29).
Movimentos associativos de famílias
43. As associações familiares têm um papel de relevo, quer na ajuda ao desenvolvimento humano e espiritual das famílias, quer na defesa dos valores da família.
Algumas destas associações têm como finalidade ajudar os casais e as famílias a descobrirem o projecto de Deus sobre a família; outras fomentam a união das famílias na defesa dos seus direitos, ajudando-as a oporem-se aos poderes públicos e privados que ferem a dignidade da instituição familiar; outras colaboram com a escola na educação das crianças e dos jovens; outras lutam pela justiça e pela dignidade dos mais débeis e carenciados; outras, ainda, promovem a defesa da vida humana, opondo-se a tudo aquilo que promove a «cultura da morte». No seu conjunto, estas associações constituem um importante suporte para que as famílias possam viver na fidelidade à sua vocação essencial.
A pastoral familiar deve suscitar a criação de associações que estejam ao serviço da família e incentivá-las na sua meritória acção. Esforçar-se-á, também, por fomentar a actuação coordenada e conjunta destas associações pelos meios mais adequados, a fim de que os verdadeiros valores da família sejam apresentados à nossa sociedade de forma credível e consistente.
A missão específica dos bispos e dos presbíteros na pastoral familiar
44. Toda a comunidade eclesial deve sentir a responsabilidade de ajudar as famílias a viverem de forma coerente a sua vocação matrimonial; no entanto, os bispos e os presbíteros, como pastores do Povo de Deus, têm uma especial responsabilidade na pastoral familiar.
O bispo é “o primeiro responsável da pastoral familiar na diocese” e deve estar atento “de um modo particular a este sector pastoral, sem dúvida prioritário” (30). Como pastor, ele procurará apoiar pessoalmente as famílias, sobretudo aquelas que enfrentam problemas graves e que necessitam de se reencontrar no caminho da esperança. A atenção e a solicitude do bispo para com a família traduzir-se-ão, também, na disponibilização de pessoas e de recursos que dêem corpo a uma pastoral familiar consequente. Compete-lhe, ainda, apoiar pessoalmente todos aqueles que, integrados nas diversas estruturas diocesanas ou nas associações de defesa da família, se esforçam por levar às famílias o anúncio do Evangelho da vida.
No âmbito da comunidade cristã, o bispo “não deixará de encorajar a preparação dos noivos para o matrimónio, o acompanhamento dos jovens casais e a formação de grupos de famílias que apoiem a pastoral familiar e, não menos importante, sejam capazes de ajudar as famílias em dificuldade. A proximidade do bispo aos cônjuges e aos seus filhos, inclusive através de iniciativas de vários géneros com carácter diocesano, será para eles de seguro conforto”. Pertence, também, ao bispo “fazer com que sejam sustentados e defendidos os valores do matrimónio na sociedade civil, através de justas decisões políticas e económicas”. “Considerando as tarefas educativas da própria família (...), é necessário que o bispo apoie e qualifique a obra das escolas católicas, promovendo a sua aparição, onde não existam, e solicitando, na medida que puder, as instituições civis para que favoreçam uma efectiva liberdade de ensino no país” (31).
45. A solicitude da Igreja para com a família também deve estar bem presente no ministério dos presbíteros. É parte fundamental da sua missão anunciar o Evangelho do amor e da família, e “comportar-se constantemente, em relação às famílias, como pai, irmão, pastor e mestre, ajudando-as com os dons da graça e iluminando-as com a luz da verdade” (32). A responsabilidade do presbítero, no campo da pastoral familiar, não se limita ao ensino da recta doutrina ou ao momento da celebração do compromisso matrimonial; mas deve acompanhar as famílias na sua caminhada quotidiana, sustentá-las no meio das dificuldades e sofrimentos, apoiar solidariamente aqueles que têm dificuldade em avançar, recordar a todos os valores do Evangelho, ser para os membros da família um sinal do amor, da misericórdia e da ternura de Deus.
Aos sacerdotes empenhados na pastoral paroquial compete, também, velar para que as estruturas e os agentes pastorais da sua comunidade ajudem as famílias a viver na fidelidade à sua vocação. Compete-lhes, ainda, programar e animar as mais diversas iniciativas no âmbito da pastoral familiar: encontros e conferências sobre temas ligados à família, grupos de casais, jornadas de sensibilização para os problemas das famílias, tempos de reflexão e de oração que envolvam as famílias, criação de equipas de apoio à formação de noivos e de ajuda aos casais jovens).
A acção pastoral da Igreja em relação às famílias em situação particularmente difícil
46. Os divorciados recasados - A crise da instituição familiar encontra, no nosso tempo, a sua mais dramática expressão na fragilidade do vínculo matrimonial. Muitos casamentos, mesmo celebrados canonicamente entre fiéis católicos, acabam no divórcio civil e dão frequentemente origem a um segundo casamento por parte de ambos ou, pelo menos, de um dos cônjuges divorciados. A extensão do fenómeno e o facto de esse segundo casamento não poder ser sacramental, colocando os crentes em ruptura de consciência perante a Igreja como comunhão e caminho de fidelidade a Jesus Cristo, está a transformar-se num problema de grandes dimensões existenciais e, consequentemente, pastorais para a própria Igreja. É por isso que o Papa, na Familiaris consortio afirma que “este problema deve ser enfrentado com urgência inadiável” (33).
É já abundante o ensinamento do Magistério, sobretudo pontifício, a este respeito (34). A nós compete-nos, na fidelidade a esse Magistério e na comunhão da Igreja Universal, apresentar concretizações pastorais que levem a essas famílias a esperança da salvação e a tranquilidade possíveis em tais circunstâncias.
Partimos da afirmação clara da solicitude maternal da Igreja por esses seus filhos a quem as dificuldades da vida, aliadas à fraqueza humana, colocaram em situação difícil. A Igreja não os abandona e esforçar-se-á infatigavelmente por proporcionar-lhes os meios de salvação, porque “está firmemente convencida de que, mesmo aqueles que se afastaram do mandamento do Senhor e vivem agora nesse estado, poderão obter de Deus a graça da conversão e da salvação” (35). Isto mesmo lhes diz João Paulo II, em palavras repassadas de amor pastoral: “Saibam estes homens e estas mulheres que a Igreja os ama, não está longe deles e sofre pela sua situação” (36). Esse deve ser o primeiro fruto da nossa solicitude pastoral: fazer com que eles não se sintam abandonados ou excluídos da Igreja.
As orientações pastorais, que ajudarão estes cristãos a encontrarem o seu lugar na Igreja e o seu caminho peculiar de salvação, deverão ter em conta os seguintes aspectos:
* A objectividade de uma situação existencial específica. Na Igreja, os caminhos de salvação integram o realismo das situações. Não seria um bom caminho procurar minimizar a situação concreta, do ponto de vista humano e espiritual, tentando considerar normal o que o não é, na perspectiva da exigência cristã da salvação. É um caminho de confiança, mas também de humildade, características de uma atitude penitencial perante Cristo e a Sua Igreja. A verdade do matrimónio indissolúvel, expressão da fidelidade cristã e da total comunhão dos esposos – um com o outro e ambos com Cristo e com a Sua Igreja – não pode ser ofuscada ou posta em questão por uma compreensão pastoral de facilidade. A principal concretização desta humildade exigente é a privação da comunhão eucarística, principal expressão da completa comunhão de vida com Cristo, na fidelidade às exigências de santidade que brotam da Sua Páscoa. Devemos ajudar esses irmãos a não considerarem tal privação como expressão de uma marginalização ou exclusão da Igreja, mas ajudá-los a vivê-la como expressão da santidade da Eucaristia. O sofrimento que essa privação lhes provoca poderá ajudá-los a aprofundar a sua fé e o seu amor à eucaristia, traduzidos na adoração eucarística e na purificação do desejo de participar, um dia, no banquete definitivo da Jerusalém celeste.
* Em comunhão com toda a Igreja. A procura de soluções pastorais para estas situações torna exigente a nossa comunhão com toda a Igreja de Cristo. Elas não podem ser o resultado de uma compreensão facilitante de um sacerdote, de um Movimento, de uma circunstância. Essas soluções facilitantes podem ser simpáticas e acolhedoras, mas não exprimem a generosidade de quem quer estar em comunhão com toda a Igreja, que é o caminho objectivo da salvação.
* A necessidade de um discernimento. Ele é exigido pela situação de cada pessoa e de cada casal perante Deus e a busca da fidelidade. O Magistério convida-nos a dar uma atenção particular ao cônjuge inocente, isto é, aquele ou aquela que não foi responsável, pela sua infidelidade, da ruptura do vínculo matrimonial sacramental. Além do caminho espiritual, específico para cada pessoa, pode fazer parte deste discernimento o verificar se o matrimónio canónico, rompido pelo matrimónio civil, esteve ferido de alguma causa de nulidade. Sabemos que isso pode acontecer, devido à complexidade da cultura ambiente ou a uma deficiente preparação para o casamento. Esforçar-nos-emos, em conjunto, por tornar os nossos Tribunais Eclesiásticos capazes de responder atempadamente ao julgamento das causas de nulidade matrimonial que lhes forem apresentadas.
* A valorização de todos os meios de salvação. Procurar os caminhos da fidelidade cristã nesta situação difícil supõe o cultivo de uma espiritualidade específica, em que se valorize a meditação da Palavra de Deus e a oração. São meios poderosos de encontro com Deus, de reconciliação e de construção da paz interior, que desabrocham na vivência da caridade. Para além da participação nas habituais assembleias da comunidade cristã – de modo particular na assembleia eucarística dominical – estes cristãos devem ser ajudados a progredir na experiência da oração, com a densidade e a confiança que lhes advêm da sua situação concreta. Saudamos algumas experiências em curso de constituir grupos de casais nestas situações, onde os caminhos de uma especificidade espiritual podem ser aprofundados.
* A participação criteriosa na missão da Igreja. Estes nossos irmãos são chamados, como qualquer outro cristão, a participar na vida da comunidade cristã e na missão da Igreja, o que exige um discernimento criterioso das circunstâncias, feito, sobretudo, pelos sacerdotes em diálogo com o seu Bispo. Se as diversas formas da missão da Igreja no mundo, na animação cristã da ordem temporal e na prática organizada da caridade e do serviço dos irmãos não apresentam dificuldades especiais, já a missão de educadores da fé, sobretudo das crianças e dos jovens, exige um discernimento mais cuidado, devido à importância que o testemunho pessoal de vida tem nesses mesmos educadores. Nenhuma forma de missão lhes é liminarmente negada, desde que o discernimento das circunstâncias seja feito na humildade e na verdade. Como em todas as circunstâncias, qualquer forma de participação na missão da Igreja tem de ser concebida como um serviço a Jesus Cristo e não como busca de normalidade de uma situação irregular perante o ideal da vida cristã.
Outras soluções mais aprofundadas para este problema da Igreja do nosso tempo só podem ser procuradas pela Igreja toda, sob a orientação dos Sucessores dos Apóstolos: o Santo Padre e o Colégio Episcopal.
47. As famílias monoparentais - A realidade das famílias monoparentais é uma realidade multifacetada. A pastoral familiar deve tomar em consideração as diversas circunstâncias de cada uma destas famílias e procurar, caso a caso, a fórmula adequada para acompanhar e ajudar os seus membros.
De modo particular, as instituições eclesiais de apoio que lidam com crianças oriundas de famílias monoparentais devem preocupar-se em minorar as lacunas que supõem, para a educação da pessoa, a falta da imagem do pai ou da mãe. Devem, igualmente, ter em conta, na sua acção, programação e projectos, a frequente exiguidade dos recursos económicos destas famílias, bem como a previsível dificuldade de conciliação do horário laboral do chefe de família com o cuidado dos filhos. As instituições eclesiais de apoio à família que lidam com esta realidade podem e devem ser, neste âmbito, o rosto visível do amor e da solicitude da Igreja por estas famílias.
48. As famílias com filhos portadores de deficiência - No seguimento do seu Fundador, que manifestou uma especial predilecção por toda a espécie de doentes e deficientes a quem acolhia com amor e curava dos seus males, a Igreja dedica uma atenção especial e um olhar cheio de amor às pessoas afectadas por qualquer tipo de deficiência. É missão da Igreja fazer-lhes chegar a Boa Nova da libertação que vem do Senhor Jesus e ajudar as famílias a lidar com os limites que estão associados à deficiência.
A acção da Igreja junto das famílias com pessoas portadoras de deficiência deverá consistir, antes de mais, em ajudá-las a assumir a deficiência como uma participação na cruz de Cristo: com o seu sofrimento, quer a pessoa portadora de deficiência, quer a sua família completam na própria carne o que falta à Paixão de Cristo, em favor de toda a humanidade sofredora (cfr. Col 1,24). Além disso, a comunidade eclesial procurará ajudar a família a ver, no esforço da educação da pessoa portadora de deficiência, um esforço de dignificação da pessoa humana, que nobiliza a família e a faz crescer no amor conjugal e familiar. Será, ainda, missão da Igreja, através das suas instituições de apoio social, ajudar a família, quer na prestação de cuidados especiais à pessoa portadora de deficiência, quer na sua promoção, integração e dignificação.
As comunidades paroquiais, os movimentos e obras eclesiais tenham em conta, ao organizarem as suas celebrações litúrgicas e actividades pastorais, as situações especiais das pessoas portadoras de deficiência. Elas devem ser vistas como pessoas “que merecem especial carinho, precisam de acolhimento apropriado e têm direito ao conforto que lhes vem de Deus, através da participação activa nas celebrações litúrgicas e da admissão aos sacramentos de iniciação cristã, na medida das suas possibilidades e em conformidade com as normas da Igreja” (37).
Os responsáveis nacionais e locais da pastoral catequética devem cuidar da elaboração de materiais pedagógicos que ajudem os pais e os catequistas a levarem a cabo a sua responsabilidade na transmissão da fé às crianças portadoras de deficiência.
A atenção particular da comunidade eclesial aos casais jovens
49. Os primeiros anos que se seguem à celebração do matrimónio têm uma importância fundamental na estruturação da comunidade familiar; da forma como a família se organiza, nessa fase, depende em grande parte o êxito nas etapas posteriores.
Após o compromisso matrimonial, o projecto de amor do homem e da mulher concretiza-se numa vida em comum, vivida dia a dia no dom, na entrega e na partilha total. Trata-se de uma importante mudança na vida dos esposos, que exige de cada um deles uma grande capacidade de atenção ao outro, de generosidade, de compreensão, de tolerância, de perdão e de renúncia aos próprios esquemas pessoais. As novas responsabilidades, o nascimento dos primeiros filhos, os diversos problemas e desafios que diariamente se colocam à vida familiar, irão exigir do casal uma grande capacidade de adaptação e pôr à prova a maturidade do seu amor.
A comunidade eclesial deve, portanto, dedicar uma especial atenção aos casais jovens, no sentido de os ajudar a descobrir e a viver a sua vocação e missão. Essa ajuda, sempre necessária, é ainda mais urgente se, como acontece frequentemente, existem carências na vida cristã e na formação dos novos casais.
50. Antes de mais, a comunidade paroquial deverá fazer um esforço no sentido de inserir os casais jovens numa dinâmica comunitária paroquial. A paróquia deverá, nesse sentido, utilizar a sua imaginação e a sua criatividade para promover estruturas de acolhimento, de acompanhamento e de inserção apostólica dos casais jovens.
A ajuda da comunidade eclesial aos casais jovens deve traduzir-se, em primeiro lugar, numa discreta presença solidária, de forma a que eles não se sintam isolados ou abandonados no seu esforço constante de superação das dificuldades.
A comunidade eclesial deverá preocupar-se, também, com a formação humana e espiritual dos esposos, a fim de que, ao longo da sua caminhada de amor partilhado sejam capazes de levar a cabo o seu projecto comum de existência matrimonial e familiar como resposta ao dom de Deus. Para responder a essa necessidade, a comunidade paroquial poderá programar actividades diversas dirigidas à formação dos esposos nos diversos âmbitos da sua missão: catequese familiar, catequese de adultos, conferências, retiros, encontros de formação. Considerando as novas situações que se deparam aos casais novos, em particular a passagem da comunidade conjugal à comunidade familiar com o nascimento dos filhos, a comunidade paroquial procurará dar continuidade à formação recebida na preparação do matrimónio com o tratamento dos temas do amor conjugal, do serviço à vida e da educação dos filhos.
Certos momentos-chave da vida das famílias - o baptismo, a primeira comunhão, a confirmação ou a escolha de um estado de vida dos filhos - deverão ser acompanhados de forma especial pela Igreja e constituir oportunidades de aproximação da família à comunidade e da comunidade à família. Outras situações - o nascimento e a educação dos filhos, o trabalho, a doença, a morte - exigem um acompanhamento especial da comunidade eclesial, de forma a que a família se sinta sempre apoiada nas suas alegrias e tristezas, na sua vocação e missão.
51. As famílias que contam já com experiência do matrimónio e da família, deverão procurar pôr ao serviço dos outros a própria experiência humana. Para concretizar esse objectivo deve impulsionar-se a formação de grupos de casais que facilitem o diálogo e a comunicação de experiências, que tenham os seus próprios esquemas de formação continuada, e que desempenhem a missão de acolher e de acompanhar os casais que se aproximam da paróquia por algum motivo familiar.
VII A PRESENÇA E A ACÇÃO DAS FAMÍLIAS CRISTÃS NA IGREJA E NO MUNDO
Acção e missão da família na Igreja
52. A família, como “Igreja doméstica”, participa na missão da Igreja e, portanto, está “ao serviço da edificação do Reino de Deus na história” (38).
O “dom” especial que a família, fiel à sua vocação essencial, oferece à Igreja e ao mundo, é o anúncio quotidiano do Evangelho do amor e da vida.
Como comunidade de fé que encontra a sua raiz no baptismo e no sacramento do matrimónio, a família é chamada à santidade. Essa vocação à santidade concretiza-se por meio da “caridade conjugal”, que é sinal e testemunho do amor de Cristo pela sua Igreja. Ser, através do amor dos esposos, “imagem viva e real daquela unidade singularíssima que torna a Igreja o indivisível Corpo Místico do Senhor” (39), é a primeira grande missão da família.
53. Para poder ser fiel a esta missão, a família cristã deverá, cada dia, sustentar-se com os meios da graça que a Igreja põe à sua disposição.
Através da escuta e do acolhimento da Palavra de Deus, a família descobre permanentemente a beleza e a dignidade a que Cristo elevou o matrimónio e a vida familiar, constituindo-os sacramento da aliança entre Deus e a humanidade, sinal visível do amor de Cristo pela Igreja; através da Eucaristia, a família cristã celebra a comunhão com Cristo, identifica-se com ele, compromete-se a segui-lo numa entrega de amor sem limites; através do sacramento da Reconciliação, a família cristã celebra o perdão de Deus e o perdão mútuo, reconstrói e aperfeiçoa a aliança conjugal e a comunhão familiar; através da oração, a família eleva a Deus a sua vida, as suas alegrias e tristezas, esperanças e fragilidades, experimentando a presença de Cristo que prometeu estar com os que se reúnem em seu nome.
54. Os esposos cristãos são chamados a tornar o amor de Deus presente, antes de mais, na própria realidade quotidiana da vida familiar. A família é o espaço privilegiado de encontro com o amor, o primeiro lugar onde os filhos aprendem e interiorizam os valores perenes. É na família que eles, confrontados com o amor fiel e comprometido dos pais, descobrem o significado do dom generoso da própria vida, da partilha, do serviço, do diálogo, do perdão, da tolerância, da compreensão; é no ambiente familiar que eles, educados pela sensibilidade dos pais, aprendem a escutar e a interiorizar a Palavra de Deus e a responder com generosidade aos desafios de Deus; é na “Igreja doméstica” que eles, educados pela piedade dos pais, aprendem a importância da oração e da confiança incondicional no amor previdente de Deus; é no enquadramento familiar que eles, despertados pela fé e pelo compromisso eclesial dos pais, tomam consciência da sua fé, do seu baptismo, da sua pertença à Igreja e da sua missão no mundo.
Faz igualmente parte da missão dos pais a educação dos filhos para o amor, que engloba a afectividade e a sexualidade. A educação da afectividade e da sexualidade deve ser feita, em primeiro lugar, na família de forma positiva e iluminada pelo Evangelho.
Os modos familiares de viver “podem alimentar as disposições afectivas, que durante toda a vida permanecem como autêntico preâmbulo e esteio de uma fé viva” (40).
55. A família, enquanto comunidade de fé e de vida, oferece as condições favoráveis para o desabrochar das vocações. A vida da fé, o seguimento de Jesus Cristo, a oração, a escuta atenta de Deus e dos seus projectos, a partilha do amor, a harmonia da vida familiar, a educação para o serviço e para o dom da vida, a abertura aos outros, constituem o ambiente adequado para a escuta do chamamento de Deus e para uma resposta generosa aos seus apelos e desafios.
A família deve ser o primeiro e o melhor seminário da vocação à vida de doação a Deus e aos irmãos. Os pais, no cumprimento da sua missão, devem educar os filhos para seguir o Senhor em qualquer dos possíveis caminhos vocacionais, nomeadamente no da vocação consagrada. Não devem sentir receio de que os seus filhos abram o coração à radicalidade do chamamento de Deus; devem, pelo contrário, sentir-se felizes pelas escolhas corajosas e generosas dos seus filhos.
56. A família deverá ser, também, um sinal vivo e concreto do amor e da salvação de Deus no seio da comunidade paroquial. Com o seu testemunho de uma vida coerente com o Evangelho, com o testemunho do amor conjugal e familiar, com a transmissão responsável da vida e com a educação dos filhos, a família desafia e ajuda a comunidade eclesial a crescer, a ser sinal eficaz do amor de Deus, a viver de forma mais fiel e coerente a sua missão no meio dos homens.
Faz também parte da missão da família colaborar com a paróquia no acolhimento das pessoas e das outras famílias que procuram, no encontro com a comunidade paroquial, fazer a experiência do amor e da salvação de Deus. Hoje, com frequência, o espaço geográfico da paróquia é uma área muito populosa, habitado por famílias desenraizadas e sem referências, muitas vezes marcadas por realidades de crise, de ruptura, de solidão, de carência, de doença e de sofrimento. A comunidade paroquial é, frequentemente, interpelada por estas realidades e tem de saber ser um espaço de acolhimento, onde todos possam encontrar ajuda e solidariedade.
Ora, pelas suas características próprias, a família cristã está vocacionada para desenvolver este apostolado no meio das famílias, seja de modo espontâneo (laços de sangue, vizinhança), seja de modo organizado (através das estruturas paroquiais de apoio). Em qualquer caso, a família cristã é chamada a colaborar com a comunidade paroquial no sentido de anunciar, através de gestos concretos, o amor, a bondade, a ternura, a misericórdia de Deus.
É tarefa das famílias cristãs iluminar os dramas humanos que marcam a vida de tantas famílias com a luz da Palavra de Deus; é tarefa das famílias cristãs ajudar as famílias em dificuldade, acolher os abandonados e marginalizados, partilhar com os necessitados, devolver a esperança aos que vivem no desespero, construir a civilização do amor e da vida.
Dentro da comunidade paroquial, a família deverá, ainda, ter um importante papel no âmbito dos movimentos de apostolado familiar, no desenvolvimento de uma verdadeira espiritualidade familiar, no acolhimento e formação dos noivos, no acompanhamento dos casais jovens, nas equipas de casais, nos encontros de preparação para o matrimónio e para o baptismo, nas equipas de apoio social às famílias necessitadas. É um apostolado qualificado, que a família, pelas suas características específicas, está vocacionada para levar a cabo.
57. Há outros movimentos laicais de âmbito supra-paroquial que colaboram activamente na tarefa evangelizadora da Igreja. Alguns desses movimentos reúnem casais e até famílias: são os movimentos de espiritualidade e apostolado conjugal e familiar, que procuram ajudar as famílias a descobrir a sua vocação e missão, a serem testemunhas e arautos do projecto de Deus para a família.
O envolvimento das famílias cristãs nestes movimentos, com o seu testemunho de vida, com os seus valores e com o seu testemunho, possibilitará um dinamismo missionário e apostólico que em muito contribuirá para o êxito de uma nova evangelização.
ACÇÃO E MISSÃO DA FAMÍLIA CRISTÃ NA SOCIEDADE
58. A família, chamada a testemunhar o amor de Deus no mundo, não pode alhear-se da sua responsabilidade de intervir nos vários níveis sociais onde se decide o destino do homem. A sua acção deve concretizar-se no sentido de tornar presente, na vida quotidiana, os dois valores essenciais que estão inscritos na sua vocação: o amor e a vida.
A intervenção da família na sociedade e na Igreja, sendo um direito que lhe assiste em ordem a salvaguardar os seus legítimos interesses, é sobretudo um dever indeclinável que nasce da sua missão de “guardar, revelar e comunicar o amor” (41).
59. A escola constitui hoje um espaço muito importante de intervenção responsável das famílias, sobretudo através da participação dos pais na elaboração do projecto educativo da escola, da sua presença nos órgãos em que os pais têm representação (assembleia de escola, ou de agrupamento de escolas, e conselho pedagógico), do diálogo frequente com os directores de turma e outros professores. A ausência de muitos pais – nomeadamente cristãos – nas escolas permite que minorias se apoderem dos instrumentos de participação existentes e os utilizem para fins que não servem os direitos e interesses da maioria das famílias.
Faz parte da função da escola ajudar os pais a descobrir e a aprofundar a sua responsabilidade na educação dos filhos. É de louvar e incentivar a criação de “escolas de pais”.
60. As famílias cristãs devem ter um papel importante no apoio e na solidariedade às famílias em situação difícil. A este nível, a intervenção das famílias cristãs deve ser feita, não como serviço social nem como voluntariado simplesmente humanitário, mas como manifestação da dimensão diaconal da «Igreja doméstica», dentro da diaconia da Igreja: com Cristo ao serviço dos que mais necessitam.
Esta diaconia exprime-se, antes de mais, no acolhimento e na entreajuda com as famílias em situação irregular ou difícil; mas exprime-se, também, na prevenção de situações fracturantes, quer por uma cuidadosa preparação para o matrimónio, quer por um quadro legislativo de apoio eficaz à família, quer por um atendimento feito por mediadores familiares, devidamente preparados e animados pelo espírito do Evangelho.
61. Também faz parte da missão essencial da família cristã na sociedade, defender e promover uma autêntica cultura da vida. Isso inclui a formação para a paternidade responsável, na fidelidade ao Magistério da Igreja. Inclui, também, a formação dos filhos na afectividade e na sexualidade, de modo que eles cheguem a alcançar uma recta consciência e possam agir de acordo, não com modas ou influências exteriores, mas com os valores aprendidos do Evangelho e dos ensinamentos da Igreja. Inclui, ainda, a defesa da vida em todas as circunstâncias, desde o nascimento até à morte. A preocupação com a vida inclui a defesa da justiça social, do direito ao trabalho justamente remunerado, do direito à habitação condigna e ao acesso oportuno aos serviços de saúde, do direito das pessoas portadoras de deficiência serem inseridas na vida familiar, social e profissional, do direito dos mais idosos serem integrados na comunidade familiar e na sociedade.
O apoio à vida nascente, desde o momento da concepção, é uma das formas de defesa e promoção da vida. Reconhecendo que para algumas mães a maternidade não desejada constitui um grave problema, as famílias cristãs devem, em associação, antecipar-se ao dever do Estado em defender a vida humana e oferecer respostas de ajuda às mães nessa situação, através de diversos tipos de instituições e iniciativas.
OS DIREITOS DAS FAMÍLIAS FACE AO ESTADO
62. As famílias cristãs, juntamente com todas as famílias que se reconhecem unidas por um matrimónio fundado numa aliança de amor fiel e fecundo entre um homem e uma mulher, têm o direito e o dever de exigir da sociedade política e juridicamente organizada a defesa e a promoção da dignidade do matrimónio e da família, o respeito pelos seus direitos, a liberdade da sua intervenção.
Este direito, que é também dever, fundamenta-se na origem e na natureza da família como comunidade social original. O Estado, no conjunto das suas instituições, está ao serviço da família, pois esta é o bem mais precioso da sociedade organizada e como tal deve ser protegida, apoiada e promovida.
Como lembra João Paulo II, “a sociedade, e mais especificamente o Estado, devem reconhecer que a família é «uma sociedade que goza de direito próprio e primordial» e portanto nas suas relações com a família são gravemente obrigados ao respeito do princípio de subsidiariedade” (42).
A intervenção das famílias junto dos poderes públicos e das instituições que mais directamente agem sobre a sua vida, os seus direitos e deveres, deve exigir que seja não só permitido, mas especialmente apoiado o associativismo – as “Associações de Famílias”, as “Associações de Pais” – considerando que é um bem para a sociedade a participação activa e permanente das famílias na vida política, económica e cultural da sociedade.
63. As famílias esperam que os poderes públicos desenvolvam uma política familiar global, integrada e coerente que tenha em vista revigorar a coesão comunitária da família e, por ela, da sociedade.
Entre os direitos que a família justamente reclama perante o Estado, salientamos os seguintes: que seja protegido o reagrupamento familiar em situações de necessidade de ausência prolongada de um dos cônjuges; que seja o mais prolongada possível a permanência da mãe – e, em certos casos, do pai – junto dos filhos ainda pequenos; que seja praticada uma política de habitação que proporcione a cada família um espaço condigno de residência adequado à sua boa convivência e ao exercício da sua liberdade procriativa; que não sejam legalmente aceites as limitações de emprego a mulheres grávidas ou que desejam engravidar.
As famílias mais pobres e abandonadas, as que vivem em situação precária de saúde, em situação de risco, as que têm idosos, deficientes e outros dependentes a seu cargo, devem ser privilegiadas pelas políticas e intervenções especiais dos poderes públicos.
64. A legislação – sobretudo laboral, fiscal e da segurança social – deve ser objecto de permanente e cuidadoso exame em tudo aquilo que tenha algum reflexo na vida das famílias, nos seus direitos e deveres, na sua estabilidade económica e psicológica, na sua missão educativa, no serviço que presta aos cidadãos na velhice, invalidez, viuvez e orfandade, em situação de desemprego e de outras formas de precariedade de recursos.
Constitui uma profunda injustiça e um desrespeito pela família que certos cuidados prestados em instituições sejam financeiramente mais apoiados do que aqueles que são prestados na família.
65. Às famílias deve ser assegurado o direito de decidir, responsavelmente, o número de filhos. As famílias numerosas devem ser especialmente apoiadas, com políticas sociais, fiscais, laborais e educativas apropriadas.
66. É necessário que os poderes públicos reconheçam o valor social da família e da sua especial capacidade de educar as novas gerações no amor e para o amor, no desenvolvimento da afectividade, na gratuidade e no respeito pelo outro, na dedicação ao bem comum. É necessário também que os poderes públicos respeitem o direito que os pais têm de escolher a escola e o projecto educativo de acordo com as opções educativas, morais e religiosas que, em liberdade, decidiram para os seus filhos. O respeito por este direito natural, que também é reconhecido constitucionalmente no nosso País, implica que sejam criadas situações de igualdade para todas as opções e que nenhuma discriminação, nomeadamente ligada ao financiamento, limite a liberdade dos pais.
Particular atenção deve ser dada à formação religiosa nas escolas, garantindo que as escolhas dos pais neste campo sejam respeitadas. As escolas públicas não podem impor nenhuma orientação ideológica de qualquer natureza, nomeadamente religiosa, mas têm o dever de, por um lado, integrar nos seus currículos a realidade religiosa, a qual faz parte da existência humana e da cultura dos povos; por outro lado, devem garantir que conteúdos, comportamentos e atitudes constantes dos currículos possam ser, para os alunos cujos pais o peçam, leccionados e reflectidos à luz das opções religiosas por eles assumidas. Tal é a finalidade da disciplina de Educação Moral e Religiosa no seio das outras disciplinas em meio escolar e que constitui um instrumento a que os pais católicos e de outras confissões religiosas têm o direito de recorrer.
67. Os pais são os primeiros responsáveis pela educação afectivo-sexual dos filhos; contudo, é tarefa da escola ajudar os pais na educação para a sexualidade responsável.
É importante que os pais, os professores e os outros agentes da educação, em diálogo e parceria, se esforcem por dar aos jovens, no que diz respeito à sexualidade, uma educação completa e concertada, psicológica e sociologicamente integrada, capaz de criar homens e mulheres equilibrados nos seus afectos e sensibilidades.
Os pais, fiéis ao dever de acompanhar a formação integral dos filhos, devem procurar conhecer o tipo de educação sexual que a escola se propõe oferecer, bem como os objectivos que os programas de educação sexual pretendem atingir. Devem, também, ter o direito de recusar que a escola dê aos seus filhos uma educação sexual que vá contra os seus valores.
A FAMÍLIA E OS MEIOS DE COMUNICAÇÃO SOCIAL
68. A recente expansão do mercado das comunicações trouxe oportunidades excepcionais para o enriquecimento da vida dos indivíduos e das famílias. Numerosas famílias - mesmo de recursos relativamente modestos - têm agora oportunidades ilimitadas de acesso à informação e à educação, de expansão cultural, de confronto com realidades e valores diversos, e até mesmo de crescimento espiritual.
As imensas possibilidades que a nova realidade comporta constituem, como diz o Papa, “um risco e uma riqueza”43 . Os meios de comunicação social podem formar para os valores da vida e da família e educar para o respeito pela dignidade da pessoa humana; mas podem, também, contribuir para criar uma visão deformada e negativa destas realidades, atentando contra a estabilidade da família e prejudicando o desenvolvimento harmónico dos indivíduos que compõem a comunidade familiar.
Aos profissionais da comunicação social compete usar bem a responsabilidade que lhes é confiada e promover os valores que ajudem à consolidação da família como realidade indispensável ao bem da sociedade. Às autoridades públicas pede-se que, sem recorrer à censura, criem mecanismos de regulação para garantir que os meios de comunicação não ajam contra o bem da família.
Os pais, como primeiros responsáveis pela educação dos seus filhos, devem estar atentos à repercussão que as propostas apresentadas pelos meios de comunicação social têm na formação dos mais jovens e “educar a consciência dos filhos na expressão de juízos serenos e objectivos que depois guiem na escolha e rejeição dos programas propostos” (44); devem, também, regular o uso dos meios de comunicação em casa, fazendo da diversão que eles proporcionam uma verdadeira experiência familiar e não deixando que o seu uso imoderado elimine o tempo para o convívio, para o encontro, para a comunhão e para o diálogo familiar.
CONCLUSÃO
69. A família é um espaço privilegiado onde o amor de Deus se manifesta e a partir do qual atinge o mundo e a vida dos homens. Nela revela-se o mistério de comunhão que, desde o início, está inscrito no projecto de Deus. Esse projecto atinge a sua plenitude em Jesus Cristo, o Esposo que ama e que se dá como Salvador da humanidade, unindo-a a Si como seu corpo. Por isso, a família é “imagem e participação da aliança de amor entre Cristo e a Igreja” (45). Com a sua especificidade própria, ela é “uma reposição viva da caridade de Deus” (46) na vida do mundo.
Inserida na comunhão da Igreja, a família enriquece a comunidade eclesial com os seus próprios dinamismos de amor e de comunhão. Os seus membros, cumprindo a sua vocação baptismal e formados na escola do amor familiar, tornam a Igreja, cada vez mais, uma comunidade de irmãos unida na fé e no amor. A Igreja é, com a ajuda da família, uma comunidade cimentada no amor, rosto vivo da bondade e da ternura de Deus no meio dos homens.
70. Chamada a ser, no meio das realidades quotidianas, testemunha desse projecto de amor e de vida que Cristo veio oferecer ao mundo, a família colabora na missão da Igreja no sentido de levar o Evangelho da salvação e da esperança a todos os homens. Ela é o lugar onde o Evangelho, tornado vida, alcança o mundo e transforma as relações humanas. Numa sociedade frequentemente fracturada por esquemas de egoísmo, de violência, de massificação e de despersonalização, a família, comunidade de amor e de vida formada nos valores do Evangelho, converte-se “na primeira e insubstituível escola de sociabilidade, exemplo e estímulo para as relações comunitárias mais amplas, num clima de respeito, justiça, diálogo e amor. Deste modo, a família constitui o lugar natural e o instrumento mais eficaz de humanização e de personalização da sociedade” (47).
71. Aos crentes e a todos os homens de boa vontade, aos responsáveis pelas estruturas do Estado, aos legisladores e a todos aqueles que estão empenhados na construção de um mundo mais fraterno e solidário, a Igreja pede que amem a família e que promovam políticas de protecção da comunidade familiar.
Amar a família “significa saber estimar os seus valores e possibilidades, promovendo-os sempre. Amar a família significa descobrir os perigos e males que a ameaçam, para poder superá-los. Amar a família significa empenhar-se em criar ambiente favorável ao seu desenvolvimento. Finalmente, forma eminente de amor, é dar à família cristã actual, muitas vezes tentada por desânimos e angustiada por crescentes dificuldades, razões de confiança em si mesma, nas próprias riquezas que lhe vêm da natureza e da graça, e na missão que Deus lhe confiou” (48).
Os bispos portugueses, conscientes de que a família é a esperança da Igreja e do mundo, exortam as famílias cristãs a viverem na fidelidade à sua vocação e a serem, na Igreja e no mundo, testemunhas do amor de Deus, sal e luz, fermento que leveda a massa, testemunhas do Evangelho, sinal de esperança e de vida nova.
Lisboa, 31 de Maio de 2004
Festa da Visitação de Nossa Senhora
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Notas
(1) João Paulo II, Carta às Famílias Gratissimam sane, nº 2.
(2) João Paulo II, Exortação Apostólica Pós-Sinodal Ecclesia in Europa, nº 90.
(3) João Paulo II, Exortação Apostólica Pós-Sinodal Ecclesia in Europa, nº 90.
(4) CEP, Nota Pastoral Responsabilidade Solidária pelo Bem Comum, nº 30.
(5) João Paulo II, Exortação Apostólica Familiaris consortio, nº 11.
(6) João Paulo II, Encíclica Redemptor hominis, nº 10.
(7) João Paulo II, Carta às Famílias Gratissimam sane, nº 11.
(8) João Paulo II, Homilia no Jubileu das Famílias (Outubro de 2000), nº 5.
(9) João Paulo II, Homilia no Jubileu das Famílias, nº 5.
(10) João Paulo II, Exortação Apostólica Familiaris consortio, nº 21.
(11) João Paulo II, Exortação Apostólica Familiaris consortio, nº 21.
(12) João Paulo II, Carta às Famílias Gratissimam sane, nº 14.
(13) CEP, Instrução Pastoral O acompanhamento dos casais novos (Novembro de 1992), nº 7.
(14) D. António Ribeiro, Carta Pastoral Algumas questões da habitação e do urbanismo (Dezembro de 1984), nº 10.
(15) João Paulo II, Encíclica Laborem exercens, nº 18.
(16) João Paulo II, Encíclica Evangelium Vitae, nº 58.
(17) Comissão Episcopal da Família, Nota sobre as pessoas idosas (Outubro de 2000), nº 4.
(18) João Paulo II, Homilia no Jubileu das Famílias (Outubro de 2000), nº 4.
(19) João Paulo II, Exortação Apostólica Familiaris consortio, nº 1.
(20) Vaticano II, Constituição Dogmática Lumen gentium, nº 11.
(21) João Paulo II, Exortação Apostólica Familiaris consortio, nº 55.
(22) João Paulo II, Carta Apostólica Novo millennio ineunte, nº 43.
(23) Cf. João Paulo II, Carta Apostólica Dies Domini, nº 11.
(24) João Paulo II, Exortação Apostólica Familiaris consortio, nº 13.
(25) João Paulo II, Exortação Apostólica Familiaris consortio, nº 66.
(26) Conselho Pontifício para a Família, Preparação para o Sacramento do Matrimónio (Maio de 1996), nº 46.
(27) Conselho Pontifício para a Família, Preparação para o Sacramento do Matrimónio (Maio de 1996), nº 45.
(28) João Paulo II, Exortação Apostólica Familiaris consortio, nº 65.
(29) João Paulo II, Exortação Apostólica Familiaris consortio, nº 49.
(30) João Paulo II, Exortação apostólica Familiaris consortio, nº 73.
(31) Citações de João Paulo II, Exortação Apostólica Pastores gregis (Outubro 2003), nº 52.
(32) João Paulo II, Exortação Apostólica Familiaris consortio, nº 73.
(33) João Paulo II, Exortação Apostólica Familiaris consortio, nº 84.
(34) Cf. João Paulo II, Exortação Apostólica Familiaris consortio, nº 84; João Paulo II, A Família, Comunidade insubstituível, Homilia no Santuário do Sameiro, em 15 de Maio de 1982; João Paulo II, Exortação Apostólica pós-sinodal Ecclesia in Europa, nº 93.
(35) João Paulo II, Exortação Apostólica Familiaris consortio, nº 84.
(36) João Paulo II, Discurso à XIII Assembleia Plenária do Conselho Pontifício para a Família (Janeiro de 1997), nº 2.
(37) CEP, Nota Pastoral As pessoas com deficiência, cidadãos de pleno direito (Maio de 2003), nº 10.
(38) João Paulo II, Exortação Apostólica Familiaris Consortio, nº 49.
(39) João Paulo II, Exortação Apostólica Familiaris Consortio, nº 19.
(40) Catecismo da Igreja Católica, nº 2225.
(41) João Paulo II, Exortação Apostólica Familiaris consortio, nº 17.
(42) João Paulo II, Exortação Apostólica Familiaris consortio, nº 45.
(43) João Paulo II, Mensagem para o 38º Dia Mundial das Comunicações Sociais, celebrado a 23 de Maio de 2004, nº 1.
(44) João Paulo II, Exortação Apostólica Familiaris consortio, nº 76.
(45) Vaticano II, Constituição Pastoral Gaudium et spes, nº 48.
(46) João Paulo II, Exortação Apostólica pós-sinodal Ecclesia in Europa, nº 94.
(47) Conselho Pontifício para a Família, Temas de reflexão e de diálogo como preparação para o IV Encontro Mundial das Famílias, A Família Cristã: uma Boa Nova para o Terceiro Milénio, Tema IX, A Família, núcleo e fonte do bem social (Janeiro de 2003).
(48) João Paulo II, Exortação Apostólica Familiaris consortio, Conclusão.
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