Os mais velhos entre nós recordam-no bem. Antes, não se ia de férias. Quando muito, voltava-se aos lugares de origem e, se possível, ficava-se algumas semanas, duas ou três, em casa dos avós ou dos tios, e era tudo. As férias, tal como eram entendidas, eram coisa de ricos. Depois vem o “boom” económico, que não fez todos ricos, mas colocou nos bolsos o suficiente para uma semana de veraneio. E ainda mais tarde viria o tempo das férias adjetivadas, por assim dizer: ou seja, as inteligentes, “off-road”, alternativas, verdes, de voluntariado, e tudo o mais que se queira acrescentar. Mas, permanecendo ainda nos adjetivos, ninguém apostaria meio cêntimo que, a passar literalmente à história, aliás, a fazê-la, estaria um que nunca se imaginaria associado às férias.
Falamos do adjetivo “papal”, que em 1987 irrompe inesperadamente. O quê? O papa de férias? Mas os papas não vão de férias! Nunca foram, ou quase, porque só havia uma residência estival, a de Castelgandolfo, a menos de 50 quilómetros do Vaticano. No entanto – e porque há sempre uma primeira vez –, naquele julho de 1987 começou a era das férias papais, que nunca mais se interromperia, ainda que Francisco prefira ficar no Vaticano.
A ideia, que nunca teria passado pela cabeça de ninguém, de propor ao papa de passar alguns dias de repouso entre as montanhas ceio de um grupo de jovens de Treviso, Itália, cuja diocese possuía uma casa de campo algo isolada, que era usada para estadias de verão dos seminaristas. Através do bispo, a proposta foi levada a João Paulo II, e, num primeiro momento, a resposta foi negativa. Depois, o “não” tornou-se “talvez”, até que… Dizer que a decisão não foi controversa era mentir, porque, de facto, foram muitas, ao início, as críticas que choveram sobre as costas largas de Wojtyla.
Que talvez por isso, ou também por isso, começou a desenvolver um magistério das férias que, ano após ano, também com o contributo dos seus sucessores, se foi enriquecendo com novas páginas. Páginas que entraram no grande elenco da doutrina social da Igreja, redesenhando efetivamente a própria noção de férias. Não uma coisa de ricos, nem um tempo de ausência – como indica a etimologia da palavra em francês, “vacances”, ou italiano, “vacanze” –, mas como explicou Francisco a 6 de agosto de 2017, algo de importante para todos, porque todos precisam «de um tempo útil para retemperar as forças do corpo e do espírito, aprofundando o caminho espiritual».
A subida dos discípulos ao monte Tabor «induz-nos a refletir na importância de afastar-se das coisas mundanas para realizar um caminho para o alto e contemplar Jesus. Trata-se de nos dispormos à escuta atenta e orante do Cristo Filho amado do Pai, buscando momentos de oração que permitam o acolhimento dócil e feliz da Palavra de Deus. Somos chamados a redescobrir o silêncio pacificador e regenerador da meditação do Evangelho, da Bíblia, que conduz a uma vida tica de beleza, de esplendor e de alegria».
A 21 de julho de 1996, falando de Lorenzago, para onde os jovens o convidaram pela primeira vez, Wojtyla tinha, de alguma maneira, fixado para sempre estes conceitos, sublinhando como «tomados pelo ritmo cada vez mais veloz da vida quotidiana, temos todos necessidade de vez em quando de fazer uma pausa e de nos repousarmos, concedendo-nos um pouco mais de tempo para refletir e orar. Apresentando-nos o Senhor que abençoa o dia dedicado por excelência ao repouso, a Bíblia quer fazer notar a necessidade que o ser humano tem de dedicar uma parte do seu tempo à experiência da liberdade das coisas, para reentrar em si mesmo e cultivar o sentido da sua grandeza e dignidade enquanto imagem de Deus».
As férias, portanto, «não devem ser vistas como uma simples evasão, que empobrece e desumaniza, mas como momentos qualificantes da própria existência da pessoa. Interrompendo os ritmos quotidianos, que a fadigam e esgotam fisicamente e espiritualmente, a pessoa tem a possibilidade de recuperar os aspetos mais profundos do viver e do agir. Nos momentos de repouso, e, em particular, durante as férias, o ser humano é convidado a tomar consciência do facto de que o trabalho é um meio, e não a meta da vida, e tem a possibilidade de descobrir a beleza do silêncio como espaço no qual se reencontrar a si mesmo para se abrir ao reconhecimento e à oração. É-lhe espontâneo, então, considerar com um olhar diferente a sua existência e a dos outros: livre das prementes ocupações diárias, ele tem maneira de redescobrir a sua dimensão contemplativa, reconhecendo os vestígios de Deus na natureza, e sobretudo nos outros seres humanos. É uma experiência, esta, que o abre a uma atenção renovada para as pessoas que lhe estão próximas, a começar pelas da família.
E quando, neste tempo de descanso, se multiplicam as sugestões de leitura, também Bento XVI quis lançar uma proposta. Com efeito, alguns dos textos da «pequena 'biblioteca'» que é a Bíblia «permanecem quase desconhecidos para a maior parte das pessoas», como são os casos dos breves livros de Tobias, Ester e Rute.
«Estes pequenos livros podem ler-se por inteiro numa hora», frisou Bento XVI em agosto de 2011, aproveitando para destacar «obras-primas» de leitura exigente, como Job, que se detém sobre «o grande problema da dor inocente», e Qohélet, também conhecido como Eclesiastes, que manifesta com «desconcertante modernidade» o «sentido da vida e do mundo».
Bento XVI mencionou igualmente o Cântico dos Cânticos, «admirável poema simbólico do amor humano», tendo passado seguidamente para o Novo Testamento, conjunto de obras «mais conhecidas» e com géneros literários «menos diversificados».
Bento XVI salientou a «beleza» da leitura «seguida» de um dos quatro Evangelhos, bem como dos Atos dos Apóstolos ou de uma das cartas que compõem a segunda parte da Bíblia.
«Não deixeis de aproveitar os momentos de descanso para redescobrir na leitura da Bíblia um enriquecimento cultural e, sobretudo, um alimento para os vossos espíritos», assinalou.
Imagem: Anetlanda/Bigstock.com
Publicado em 09.07.2020
Comentários
Enviar um comentário