Que chegam até Nicodemos, naquela noite de renascimento. Deus amou tanto o mundo, que lhe deu o seu Filho. Estamos no versículo central do Evangelho de João, num espanto que renasce sempre perante palavras boas como o mel, tonificantes como uma caminhada junto ao mar, entre salpicos de mar e ar bom respirado a plenos pulmões: Deus amou tanto o mundo… e a noite de Nicodemos, e as nossas, iluminam-se.
Jesus está a dizer ao fariseu medroso: o nome de Deus não é amor, é “muito amor”, Ele é “o muito-amante”. Deus, pela eternidade, considera o mundo, cada carne, mais importante que Ele próprio. Para me adquirir, perdeu-se a si mesmo. Loucura da cruz. Insanidade de Sexta-feira Santa. Mas por nós renasce: cada ser nasce e renasce do coração de quem o ama.
Experimentemos saborear a beleza destes verbos no passado: Deus amou, o Filho foi dado. Dizem não uma esperança (Deus amar-te-á se tu…), mas um facto seguro e adquirido: Deus já está aqui, impregnou de si o mundo, e o mundo dele está embebido
Deixemos que os pensamentos absorvam esta verdade belíssima: Deus já veio, está no mundo, aqui, agora, com muito amor. E repitamo-nos estas palavras a cada despertar, a cada dificuldade, de cada vez que perdemos a confiança e se faz noite.
O Filho não foi enviado para julgar. «Eu não julgo!» (João 8,15). Que palavra explosiva, a repetir setenta vezes sete à nossa fé amedrontada! Eu não julgo, nem para sentenças de condenação nem para vereditos de absolvição.
Posso pesar os montes com a balança e o mar com a palma das mãos (Isaías 40,12), mas o ser humano não o peso nem o meço. Salvar quer dizer alimentar de plenitude e, depois, conservar.
Deus conserva: este mundo e eu, cada pensamento bom, cada generosa fadiga, cada dolorosa paciência; nem um cabelo da vossa cabeça se perderá (Lucas 21,38), nem sequer um fio de erva, nem sequer um fio de beleza desaparecerá no nada.
O mundo é salvo porque amado. Os cristãos não são aqueles que amam Deus, são aqueles que acreditam que Deus os ama, que pronunciou o seu «sim» ao mundo, antes que o mundo diga «sim» a Ele.
Festa da Santíssima Trindade: anúncio que Deus não é em si mesmo solidão, mas comunhão, vínculo, abraço. Que nos alcançou, e liberta, e faz erguer em voo uma pulsão de amor.
In Avvenire
Trad.: Rui Jorge Martins
Imagem: zatletic/Bigstock.com
Publicado em 04.06.2020
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