Nenhuma vida vale mais do que outra. Nenhuma vida vale menos. A vida dos fracos vale tanto como a dos fortes. A vida dos doentes tem um valor idêntico à vida dos saudáveis.
1- A vida tem, desde o seu princípio ao seu fim natural, a mesma dignidade absoluta que deve ser salvaguardada e protegida. Os grandes textos civis e sagrados, médicos e filosóficos que são a matriz das nossas sociedades, e formam a nossa consciência moral, recordam-no incessantemente. Ir contra o primado da vida é atentar contra a humanidade de todos os seres humanos.
2- Não é o
primado da vida que tem de estar sujeito às circunstâncias (económicas,
políticas, culturais, etc.) de cada tempo, mas sim as circunstâncias que
devem estar ao serviço incondicional do primado da vida. A verdadeira
missão que compete à política é o suporte infatigável à vida.
3-
Nenhuma vida vale mais do que outra. Nenhuma vida vale menos. A vida
dos fracos vale tanto como a dos fortes. A vida dos pobres vale o mesmo
que a dos poderosos. A vida dos doentes tem um valor idêntico à vida dos
saudáveis. Passar a ideia de que há vidas que, em determinadas
situações, podem valer menos do que outras é um princípio que conflitua
com os valores universais que nos regem.
4 - O
sofrimento humano é uma realidade do percurso pessoal, que pode atingir
formas devastadoras, é verdade. Mas o próprio respeito devido ao
sofrimento dos outros e ao nosso deve fazer-nos considerar duas coisas:
1) que temos de recorrer aos instrumentos médicos e paliativos ao nosso
alcance para minorar a dor; 2) que temos de reconhecer que o sofrimento é
vivido de modo diferente quando é acompanhado com amor e agrava-se
quando é abandonado à solidão. É fundamental dizer, por palavras e
gestos, que “nenhum homem é uma ilha”.
5 -
Recordo o que me contou, emocionada, uma voluntária que trabalha há anos
numa unidade oncológica: “O que me faz mais impressão é o número de
pessoas que morrem completamente sós.” Devia-nos impressionar a todos a
desproteção familiar e social que tantos dos nossos contemporâneos
experimentam precisamente na hora em que se deveriam sentir sustentados
pela presença e pelo amor dos seus. A solução não é avançar para medidas
extremas como a eutanásia, mas inspirar modelos de maior coesão,
favorecendo práticas solidárias em vez de deixar correr a indiferença e o
descarte.
As nossas sociedades têm de se
perguntar se já fizeram tudo o que podiam fazer para promover e amparar a
vida, sobretudo a daqueles que são mais frágeis.
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- Por trás da vontade de morrer subjaz sempre uma vontade ainda maior
de viver, que não podemos não ouvir. Claro que a vida dá trabalho. Que o
serviço à vida frágil, à vida na sua nudez implica muitos sacrifícios e
uma dedicação que parece maior do que as nossas forças. Mas coisa
nenhuma é mais elevada do que essa. Talvez em vez dos heróis que
sonambulamente festejamos, as nossas sociedades deveriam colocar os
olhos no verdadeiro heroísmo: o heroísmo daqueles que enfrentam o
caminho do sofrimento; o heroísmo daqueles que se dedicam ao cuidado dos
outros como testemunhas de um amor incondicional.
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- As nossas sociedades têm de se perguntar se já fizeram tudo o que
podiam fazer para promover e amparar a vida, sobretudo a daqueles que
são mais frágeis.
8 - Os paradigmas de felicidade
da sociedade de consumo são paraísos artificiais talhados à medida do
indivíduo, que passa a preocupar-se apenas por si mesmo e que se
apresenta como o seu começo e o seu fim. Em nome dessa felicidade
assiste-se facilmente ao triunfo do egoísmo. Porém, a pergunta ancestral
“onde está o teu irmão?” será sempre um limiar inescusável na
construção da felicidade autêntica.
9 - Àqueles
que, movidos pelos melhores sentimentos, veem na eutanásia um passo em
frente da nossa civilização recomendo a leitura do conto de James Salter
intitulado “A Última Noite” (Porto Editora, 2016). Tem razão quem
escreveu que a literatura é uma lente para olhar o humano.
10 - Diga-se o que se disser, a vida é a coisa mais bela.
10 RAZÕES CIVIS CONTRA A EUTANÁSIA
José Tolentino Mendonça no Expresso
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