Volta a abrir-se o debate sobre o carácter ético e legal de uma
opção extrema como nenhuma outra, que interpela a sociedade nos
domínios do religioso, filosófico, social, civil, legislativo e mesmo
económico.
A primeira coisa a tomar consciência é de que, quer se goste quer não, vivemos numa sociedade pluralista, na qual se confrontam visões de vida diferentes, por vezes muito distantes e, algumas vezes, contrapostas.
Simplifico, para ir direto à questão: uma coisa é pensar que o ser humano é a casual e imprevisível combinação de um conjunto de células, outra é acreditar que, em princípio, há um Deus criador que infunde o seu sopro vital no ser humano. E ainda: uma perspetiva é considerar que, depois da morte, seremos apenas pasto para os vermes ou cinzas a espalhar pelos montes ou no mar, outra é afirmar que a morte é «entregar a alma a Deus».
Naturalmente, entre dois extremos, há toda uma série de crenças, sensibilidades e modos de situar-se perante a vida e a morte.
Visões tão diferentes poderão conviver num quadro legislativo que satisfaça todos, ou pelo menos o maior número de cidadãos? As pressões para o reconhecimento de muitos direitos “individuais” são ou não contrabalançadas com uma série de deveres que dizem respeito ao cidadão individual e a toda a comunidade?
É suficiente, à luz não de uma fé religiosa, mas da Constituição, assegurar a alguns um percurso de “boa morte” (à letra: eutanásia), sem primeiro fazer com que cada vida, inclusive a mais atingida por malformações e enfermidades, seja vivível? O que pode/deve fazer o Estado para remover os obstáculos que impedem o pleno desenvolvimento da personalidade de todos os cidadãos, a começar pelos mais necessitados de cuidados?
Digamo-lo sem rodeios: a opção de decisões extremas, quanta despesa evita à finança pública? E depois: de que modo se decidirá pela “boa morte” de quem não está (ou já não está) capacitado para compreender e querer?
Concluo citando, em vez do Evangelho, dois autores importantes da literatura contemporânea, Cesare Pavese e Giuseppe Ungaretti. Um, no dia antes de se suicidar, deixa escrito «ó Tu, tem piedade». O outro, imerso na carnificina da primeira guerra mundial, confia a um verso o pensamento de que «a morte desconta-se vivendo».
O Tu indeterminado de Pavese refere-se, como se lo queira entender, a Alguém para além de si; para Ungaretti, para beneficiar da morte é preciso viver. E, acrescento eu, viver bem, isto é, não só para si, mas para os outros, sobretudo para quem está pior que nós.
Pedido de piedade e sentido de solidariedade perante a morte não poderiam ser a difícil, mas possível, via que junta cristãos, crentes de outras fés e não crentes, a fim de que a morte não deixe de nos tornar mais humanos?
A primeira coisa a tomar consciência é de que, quer se goste quer não, vivemos numa sociedade pluralista, na qual se confrontam visões de vida diferentes, por vezes muito distantes e, algumas vezes, contrapostas.
Simplifico, para ir direto à questão: uma coisa é pensar que o ser humano é a casual e imprevisível combinação de um conjunto de células, outra é acreditar que, em princípio, há um Deus criador que infunde o seu sopro vital no ser humano. E ainda: uma perspetiva é considerar que, depois da morte, seremos apenas pasto para os vermes ou cinzas a espalhar pelos montes ou no mar, outra é afirmar que a morte é «entregar a alma a Deus».
Naturalmente, entre dois extremos, há toda uma série de crenças, sensibilidades e modos de situar-se perante a vida e a morte.
Visões tão diferentes poderão conviver num quadro legislativo que satisfaça todos, ou pelo menos o maior número de cidadãos? As pressões para o reconhecimento de muitos direitos “individuais” são ou não contrabalançadas com uma série de deveres que dizem respeito ao cidadão individual e a toda a comunidade?
É suficiente, à luz não de uma fé religiosa, mas da Constituição, assegurar a alguns um percurso de “boa morte” (à letra: eutanásia), sem primeiro fazer com que cada vida, inclusive a mais atingida por malformações e enfermidades, seja vivível? O que pode/deve fazer o Estado para remover os obstáculos que impedem o pleno desenvolvimento da personalidade de todos os cidadãos, a começar pelos mais necessitados de cuidados?
Digamo-lo sem rodeios: a opção de decisões extremas, quanta despesa evita à finança pública? E depois: de que modo se decidirá pela “boa morte” de quem não está (ou já não está) capacitado para compreender e querer?
Concluo citando, em vez do Evangelho, dois autores importantes da literatura contemporânea, Cesare Pavese e Giuseppe Ungaretti. Um, no dia antes de se suicidar, deixa escrito «ó Tu, tem piedade». O outro, imerso na carnificina da primeira guerra mundial, confia a um verso o pensamento de que «a morte desconta-se vivendo».
O Tu indeterminado de Pavese refere-se, como se lo queira entender, a Alguém para além de si; para Ungaretti, para beneficiar da morte é preciso viver. E, acrescento eu, viver bem, isto é, não só para si, mas para os outros, sobretudo para quem está pior que nós.
Pedido de piedade e sentido de solidariedade perante a morte não poderiam ser a difícil, mas possível, via que junta cristãos, crentes de outras fés e não crentes, a fim de que a morte não deixe de nos tornar mais humanos?
Adaptado a partir de texto de Antonio Cecconi
In Settimana News
Trad. / adapt.: Rui Jorge Martins
Imagem: azur13/Bigstock.com
Publicado em 18.02.2020
SNPC
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