Vítor Feytor Pinto: "A morte é apenas uma porta: do lado de cá é o limite da natureza, do lado de lá é a ternura de Deus"
Os
anos permitiram-lhe contactar com políticos de todos os quadrantes, que
hoje quase trata por tu. Diz que hoje manter o equilíbrio entre a fé e
as decisões políticas é muito difícil.
Aos
cinco anos sabia que queria ser padre e aos dez entrou para o seminário
no Fundão, contrariando o percurso esperado, já que o pai, professor,
era dono de um colégio em Castelo Branco. Mas nem tudo foram rosas: "Era
um cábula de primeira, andava sempre na brincadeira, e no terceiro ano
chumbei a latim. Quando perdíamos uma cadeira, perdíamos o ano todo.
Quase desisti, mas foi aí que decidi começar a estudar", conta.
Conheceu
sete papas e privou com alguns deles. Estava ao lado de João Paulo II
quando, em maio de 1982, o padre espanhol Juan Krohn o tentou esfaquear
em Fátima, a meio da esplanada, quando caminhava na procissão. "Vi o
homem a pegar na faca", recorda. "Não houve tempo para mais nada, a
intervenção dos guardas foi fulminante".
Hoje,
aos 87 anos, Vítor Feytor Pinto não se arrepende de nada. Certa vez, o
bispo de Nampula deixou-lhe esta mensagem: "Nunca queiras nada, estás
nas mãos de Deus". E é assim que tem regido a sua vida.
O
seu nome ficará na história da paróquia do Campo Grande (Paróquia da
Ermida dos Três Santos Reis), onde foi pároco 20 anos, mas Feytor Pinto
foi muito mais do que um padre. Em 1992, o primeiro-ministro Cavaco
Silva pediu-lhe ajuda para combater a droga em Portugal e nomeou-o Alto
Comissário para o Projeto Vida. Além disso, foi professor de Ética do
curso de Enfermagem durante 40 anos, e o seu nome é indissociável do
Movimento por um Mundo Melhor, da Acção Católica, da Pastoral Juvenil ou
da Pastoral da Saúde.
No
ano passado, por esta altura, esteve à beira da morte devido a uma
septicemia e um ano antes tinha sido sujeito a um cateterismo, a mesma
intervenção feita a Marcelo Rebelo de Sousa. Só que, no seu caso, dois
dias depois estava a fazer a apresentação pública de um livro. Ri, e diz
que o presidente da República, de quem é amigo pessoal, é mesmo
hipocondríaco. E é exactamente pela saúde que começa esta conversa.
Tem 87 anos. Vinha a contar
ao Rodrigo [fotógrafo] que há dois anos por esta altura fez exatamente a
mesma intervenção a que Marcelo Rebelo de Sousa foi sujeito
recentemente, mas passado um ou dois dias já estava a apresentar um
livro.
Foi [ri-se]. É muito
simples, essa intervenção. É facílima. É apenas um cateterismo, que é
desentupir as artérias. Ele [Marcelo] é hipocondríaco. E diz isso de si.
Quando vai a uma farmácia pergunta: "Que novidades há cá hoje?" [Ri].
Se são cristãos, os políticos têm grandes preocupações, querem manter o equilíbrio entre a sua fé e as decisões políticas
Conheceu
muitos políticos ao longo do tempo e, através das conversas que tem,
consegue perceber as suas preocupações. O que refletem?
Sem
dúvida. Se são cristãos, os políticos têm grandes preocupações, querem
manter o equilíbrio entre a sua fé e as decisões políticas. Às vezes
isso é muito difícil.
Difícil porquê?
Porque
o político está pressionado pelo seu partido, está muitas vezes
pressionado por uma ideologia. Nessa perspetiva, às vezes o
desequilíbrio é fortíssimo. O papel do cristão leigo na comunidade
cristã e na humanidade é este: tratar da ordem temporal e orientá-la
segundo Deus para que progrida e assim glorifique o criador e redentor. É
esta a noção que o Concílio Vaticano II tem do laicado.
Pode explicar o que é a ordem temporal?
A
ordem temporal são as profissões, a vida em família. A primeira parte
do documento refere-se à vocação do homem, à comunidade e à sua
atividade. O Concílio ajuda a estudar a pessoa humana, a relação de
todos na construção do bem comum. A complementar isto tem outro
documento muito bom, Gaudium et Spes [Alegria e Esperança], que
diz que todos os cristãos têm de lutar pela dignidade humana em todas as
circunstâncias. Qualquer cristão leigo deve ter esta preocupação, deve
trabalhar na família - uma família equilibrada, organizada -, nos
problemas da cultura - a cultura cristã, orientada para os valores
cristãos -, e no domínio sócio-económico - a economia tem de ser uma
economia social. O Papa Francisco fala numa coisa muito bonita: a
economia segundo Francisco.
O Papa Francisco vai convocar para o início do ano [março de 2020] uma reunião de economistas e empresários de todo o mundo, sobretudo jovens
E como é a economia segundo Francisco?
É
tudo aquilo que é a revisão do pensamento económico da Igreja. O Papa
Francisco vai convocar para o início do ano [março de 2020] uma reunião
de economistas e empresários de todo o mundo, sobretudo jovens, que se
realizará em Assis: a “Economia de Francisco”. O objectivo é reunir
jovens interessados em cultivar o sonho de um novo humanismo, que
responda às expectativas dos homens e mulheres atuais, que imprima no
mundo uma economia cristã, uma economia em solidariedade com os mais
pobres, com os que mais dificuldades têm. Já estão convocados mais de
300 economistas, incluindo de Portugal, da Universidade Católica e de
outras universidades.
O texto do Concílio também fala na intervenção política...
Os cristãos têm o dever de intervir politicamente, precisamente para garantir a democracia, os valores democráticos.
Entre a teoria e a prática vai uma distância enorme.
Isso
é da responsabilidade dos políticos. Tem de haver coerência entre a fé e
a vida. E atenção, o cristianismo não é só uma religião, o aspecto de
ser uma religião é acidental. O mais importante são os valores da vida.
Há dias, o Papa Francisco disse uma coisa muito bonita: há muitos
cristãos, muitos católicos, que têm a religião do "eu". Vão à missa, vão
à comunhão, mas depois só lhes interessa o que eles pensam, o que eles
dizem, o seu partido, os seus interesses. Isto é anticristão. O tal
documento diz ainda: "[...] e têm de ser obreiros da paz". Têm de fazer
tudo para conseguir a paz.
A comunidade que contribui, até no ofertório das missas, tem de saber para onde vai esse dinheiro. Isto é indispensável
Uma
das críticas apontada à Igreja é exatamente a falta de coerência.
Nomeadamente, já que falamos de economia, as contas pouco transparentes,
a começar pelo Santuário de Fátima. Os responsáveis não divulgam
números.
Mas têm o
dever de o fazer. Este Papa também quis que o Vaticano tivesse contas
transparentes, por isso remodelou completamente o quadro daqueles que
ali estão. E nós, as dioceses, as paróquias, devemos ter essa
preocupação. Não pode haver nada escondido. Esta paróquia [Campo Grande]
é da comunidade que vem aqui e, por isso, a comunidade que contribui,
até no ofertório das missas, tem de saber para onde vai esse dinheiro.
Isto é indispensável. Com aquele óbolo, as pessoas demonstram que querem
sacrificar a sua vida em favor dos pobres, daqueles por quem a Igreja
está a velar. É este o sentido.
E
este Papa pede isto, muito concretamente, a todas as igrejas. Na base
da Concordata tem de haver um debate entre a transparência económica e a
Igreja; as associações da Igreja, as dioceses, as paróquias têm de ter
transparência económica. Isto é fundamental, a transparência é uma
exigência cristã. Como disse, os nossos proventos são resultado de
atitudes de partilha, não são benesses.
Como se faz cumprir essa determinação?
Às
vezes a partir da consciência ou da observação. Neste momento, o
patriarcado de Lisboa é muito mais exigente do que era há 50 anos. Há 50
anos não se sabia nada, neste momento as contas de cada paróquia são
revistas, pontualmente e com grande exigência, pela estrutura económica
do patriarcado.
Há uma semelhança entre o clero e os políticos?
Há
uma relação. Numa sociedade cristã quem exerce a política tem de ter em
consideração as características daquela cultura. A Europa é
iminentemente, ou fundamentalmente, cristã. Até quando as monarquias
foram eliminadas pela Revolução Francesa, dominada pela maçonaria, que
era anti-Igreja, os ideais levantados foram a liberdade, a igualdade e a
fraternidade. Isto são valores cristãos. Jesus considerou iguais todas
as pessoas, pediu a liberdade para todos, para a mulher, para os
doentes, para os leprosos, tratou todos como irmãos. Hoje também os
políticos devem ter consciência de que estes são os critérios da Europa,
os valores da Europa. Isto mesmo foi a tese do chamado prémio Nobel da
Teologia [prémio Ratzinger] deste ano ["Ser cristão num mundo em
mudança"], que diz exactamente que a Europa é essencialmente cristã, com
valores cristãos, ainda que a certa altura queiram ultrapassar isto com
ideologias.
hoje trocou-se a verdade pela conveniência, a justiça pela justificação da injustiça, a liberdade pela libertinagem e o amor foi reduzido ao prazer físico
O
neurocientista António Damásio alertava, em "A Estranha Ordem das
Coisas", para a bancarrota da espiritualidade e da moral da sociedade.
Concorda?
Penso
que hoje há muita falta de valores, falta de espiritualidade. De tal
maneira que os grandes valores conseguidos pelos Direitos Humanos são
muitas vezes sacrificados até por parlamentos, que decretam normas
contra os direitos humanos, porque em vez de se referirem a valores,
referem-se a conveniências. Os valores fundamentais de uma sociedade com
matriz cristã, segundo o Papa João XXIII, são a verdade como
fundamento, a justiça com regra, a liberdade como dinâmica e o amor como
clima normal de acção para conseguir a paz. Chamou-lhes os pilares da
paz. Acontece que hoje trocou-se a verdade pela conveniência, a justiça
pela justificação da injustiça, a liberdade pela libertinagem e o amor
foi reduzido ao prazer físico.
Como se volta atrás?
É
o problema da educação. Temos de retornar à educação. Um destes dias
estive numa reflexão muito interessante, em Sintra, um congresso de
relações internacionais promovido por um grupo do Partido Socialista,
mas com pessoas de outros partidos. E a certa altura foi lançada a
pergunta: que pedagogia tem de acontecer para os valores? A escola tem
de ter valores, não pode ser apenas científica, tem de ser humana. E, de
facto, a escola, por vezes, não é humana. Veja, por exemplo, o que se
passa no desporto, com brigas, insultos... Os clubes desportivos deviam
ter educação, deviam educar os seus atletas, os seus membros, as suas
claques para os valores.
Outro dia a deputada do Livre [Joacine Katar Moreira] disse uma coisa muito engraçada: o salário mínimo tem de ser de 900 euros para contemplar o amor. De certa forma tem razão, já que a palavra amor é universal
A Igreja tinha esse papel moralizador, também, mas perdeu-o.
Não
digo que já não tenha, mas é menos eficaz. Justamente porque houve uma
descredibilização da comunidade cristã. "És crente, vais à igreja? Ah,
és retrógrado". Criou-se esta cultura da evidência, que é o contrário do
aspecto religioso, porque o aspecto religioso é afectivo, não é
evidente. Tal como o amor... O amor é afetivo, não é evidente. Senão,
veja: aquele rapaz elegantíssimo que escolhe para seu amor uma rapariga
toda tortuosa... Isto não é lógico, não é evidente, mas é amor. O
afetivo não é evidente. Mas temos na nossa vida, no mundo, a verdade
científica, aquela que se prova pela evidência, e a verdade afetiva, que
se prova pelo coração. Coração e razão têm de ser complementares. Outro
dia a deputada do Livre [Joacine Katar Moreira] disse uma coisa muito
engraçada: o salário mínimo tem de ser de 900 euros para contemplar o
amor. De certa forma tem razão, já que a palavra amor é universal, não é
apenas o amor físico entre homem e mulher, é o amor envolvente. Muito
interessante.
Foi gozadíssima por ter feito essa afirmação no Parlamento.
Pois
foi. O primeiro-ministro até lhe respondeu: "Aqui não há amor, há
justiça". Mas não, não é assim; há justiça e há amor, porque o
fundamento do amor é a justiça. Mas não podemos limitar-nos à justiça,
temos de amar, é o paradigma do cristão. O paradigma do cristão não é ir
à missa, o paradigma do cristão é o amor.
O
Livre, que chamou ato de amor a estabelecer salários mínimos mais
elevados, é o mesmo que quer proibir a religião e moral nas escolas.
Este é um ato de quê?
[Ri]
Isso vou perguntar à Joacine. É uma rapariga muito inteligente, tem um
bom doutoramento... O terrível das ideologias é o querer gradar. Isso é
que é terrível. A ideologia baliza muito as pessoas, às vezes para
erros. E depois, o gostar de ser ouvido, gostar que os outros gostem
daquilo que dizemos perturba muita malta. Até padres...
gostar de ser ouvido, gostar que os outros gostem daquilo que dizemos perturba muita malta
Não resisto a perguntar-lhe se é coerente um católico votar num partido de esquerda?
Não
vejo assim as coisas. Há muitas razões para se votar de determinada
maneira, às vezes escolhe-se o que se considera mais positivo. Dou este
exemplo: quando foi a votação da eutanásia, alguns deputados do PS
votaram contra, o que não quer dizer que se tenham convertido ou que se
tenham voltado para a direita. Depende da consciência de cada um. E a
consciência, atualmente, não está a ser bem formada. É preciso avaliar
os assuntos com discernimento - e esta palavra é fundamental nos dias de
hoje. Tenho muita pena que os deputados votem no voto do partido,
porque devia ser sempre um voto pessoal. Cada um tem a liberdade para
discernir e, em sua consciência, votar. Não devia haver votos de mão no
ar ou de levantar da cadeira. Não devia. São temas tão importantes para
Portugal - ou para os países com parlamentos semelhantes - que o votante
devia poder discernir sem influências nenhumas.
Em
breve o Parlamento voltará a discutir a questão da eutanásia. Sei a
resposta, mas pergunto na mesma: é a favor ou contra e porquê?
É
muito gira essa pergunta, sabe porquê? Porque este não é um problema
religioso, não é um problema de fé cristã. Este é um problema ético e um
problema dos direitos humanos. Artigo 3.º dos Direitos Humanos: "Todo o
ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança da sua
pessoa". Sou professor de ética...
A liberdade não implica também a decisão de poder...
Destruir-se
a si próprio? Não. A liberdade não pode ser utilizada contra a vida,
porque é um complemento da vida. E no caso do suicídio assistido, é o
que se passa. E, repare, todas as religiões defendem o direito à vida,
portanto, nenhuma religião pode aceitar a destruição da vida.
Mesmo quando essa vida não é vida, mesmo quando a ciência não tem a solução?
O
que temos de fazer é desenvolver os direitos paliativos para que não
haja sofrimento. Mas isso levaria o Estado a gastar muito dinheiro e o
Estado não quer. E fala-lhe agora o fundador da primeira unidade de
cuidados paliativos deste país: eu. Não a fundei sozinho, mas com o
professor Conde, com o dinheiro que nos tinha sido dado pelo senhor
comendador Nunes Correia, uma importância por causa de uns problemas que
havia no Fundão. E lá fomos, com uma enfermeira, o médico António
Lourenço, que é fantástico, e criámos a primeira unidade de cuidados
paliativos há 25 anos. Com imensos resultados. Já visitei essa unidade, e
os doentes estão bem. Já visitei uma unidade da Santa Casa da
Misericórdia de Cascais, que tem nome de Maria José Nogueira Pinto, e os
doentes estão bem. Porque lhes é aliviado o sofrimento. Mas temos de
lhes resolver os problemas, não podemos matá-los. Há muita gente que tem
problemas: pobres, sem-abrigo, e estão a sofrer brutalmente. A morte
não é solução. Todos nós queremos morrer quando estamos em sofrimento.
Alguma vez lhe pediram para morrer?
Quantas
vezes ouvi pessoas dizer que gostariam de morrer e, depois, resolve-se o
problema e dizem: que tonto eu fui. Conto-lhe uma história muito
bonita: o professor Carrington da Costa, que era director dos cuidados
intensivos do Hospital da Universidade de Coimbra, quis mostrar-me os
cuidados intensivos e no fim disse: "Já acompanhei nesta unidade mais de
2 mil pessoas, só três me pediram para morrer. Consegui ajudá-los, com
tratamento, com o conforto de quem visitava os doentes, com apoio à
família. E quando os doentes recuperavam diziam: "Que coisa horrível
querer morrer. Estou a sentir-me tão bem na vida"".
Lembro-me
do caso de um rapaz belga que queria ser eutanasiado e já tinha passado
as primeiras fases obrigatórias para o conseguir. Era homossexual e que
não suportava a sua orientação, não aceitava viver assim...
Mas
isso é paralelo a um homem que vive na rua durante dez ou 15 anos e que
quer destruir-se. É a mesma coisa. Não se sente bem no que tem e por
isso quer morrer, é frequentíssimo. Os homossexuais sofrem muito, muito.
É um drama o seu sofrimento. O meu papel é ajudá-los - não é ajudá-los a
não ser homossexuais, é ajudá-los a assumir a sua componente genética, a
sua orientação de género.
A morte é apenas uma porta: do lado de cá é o limite da natureza, do lado de lá é a ternura de Deus
Essa é outra pergunta comum: qual o propósito do sofrimento?
Atenção,
isso é da natureza humana. Ainda no domingo passado disse na minha
homilia - que trazia muito o problema da morte: a morte não é um castigo
de Deus, de forma nenhuma. E muita gente julga que sim. "Porque é que o
Senhor está a trazer-me tanto sofrimento?" O Senhor não faz sofrimento
nenhum, o nosso Deus é um Deus da alegria, é um Deus do amor, é um Deus
não castigador. A morte é fruto de um limite da natureza - e às vezes o
resultado de um disparate. É Deus, quando andamos em alta velocidade num
automóvel? É Deus, se não cuido da minha alimentação e como coisas
estranhas ou bebo demasiado? Deus, que é um Deus da vida, ajuda-nos a
partir da morte com uma vida nova. São Paulo diz isto de uma forma muito
engraçada: "A vida não acaba, apenas se transforma". A morte é apenas
uma porta: do lado de cá é o limite da natureza, do lado de lá é a
ternura de Deus.
Dor e sofrimento são coisas distintas, no entanto.
Sim.
O sofrimento é espiritual, é psicológico. A dor é física. A dor pode
ser paliada com remédios, injeções, analgésicos. O sofrimento só pode
ser atenuado pela dimensão afetiva, o dar a mão, a companhia - o que não
quer dizer que não continue a sentir dor.
A Igreja tinha coisas muito anti-éticas séculos atrás: as Cruzadas, a Inquisição, tudo isso não era ético, mas era religioso, era moral. A moral daquele grupo
Quais são os grandes desafios da Igreja nesta matéria?
É
um problema de investigação científica: a Igreja tem de apostar
profundamente na investigação científica. E depois considerar o
confronto com os valores da ética. Volto a dizer: estes temas não são de
caráter religioso, são de caráter científico e ético. As duas
componentes da medicina são a ciência, na prevenção e tratamento da
doença, no diagnóstico e no prognóstico, na investigação, no ensaio
clínico, e a humanização, a ética: tratar o doente por igual não
distinguir entre pobre e ricos. Claro, o religioso ajuda a cumprir a
ética. Quando António Damásio diz moral, eu digo ético, porque distingo
entre moral e ética: moral é a regra de conduta de um grupo, ética é a
atitude de discernimento para respeitar sempre e em todas as situações a
dignidade da pessoa. É completamente diferente. A Igreja tinha coisas
muito anti-éticas séculos atrás: as Cruzadas, a Inquisição, tudo isso
não era ético, mas era religioso, era moral. A moral daquele grupo.
Os políticos procuram-no para se confessar ou para pedir conselhos?
Não
gosto de dizer coisas concretas e mesmo sem falar em nomes considero
isto: se vier falar-me de um problema seu, quando sair por aquela porta
já esqueci tudo. É que já esqueci tudo, é um privilégio fantástico.
Digo-lhe de uma experiência de 64 anos de padre: saiu, esqueci. Se a
pessoa volta para falar, peço-lhe: "Diga-me em que ponto ficámos". Tem
de ser assim. Os padres ajudam na linha da consciência. Sabe como o Papa
Francisco define a confissão num documento notável, o seu primeiro
documento, Evangelium Gaudium [A Alegria do Evangelho]? "Não é
uma câmara de tortura, é simplesmente um momento da grande misericórdia
de Deus" - agora já não chamamos confissão, chamamos reconciliação,
porque é a conciliação com Deus e de uns com os outros. A condição para a
absolvição é a pessoa fazer propósito de emenda, o que não quer dizer
que não possa voltar a cair... E agora repare: tantas e tantas pessoas
que se reconciliam comigo são muito melhores do que eu. Porque este
encontro da reconciliação é o encontro entre dois pecadores, o penitente
e o sacerdote. O sacerdote também é pecador.
agora já não chamamos confissão, chamamos reconciliação, porque é a conciliação com Deus e de uns com os outros.
Dos três votos, pobreza, castidade e obediência, qual o mais difícil?
Disse
isso no dia da minha ordenação sacerdotal, há 64 anos, a uma tia, que
era quem acompanhava um tio padre e que me fez essa pergunta: "Ó Vítor, o
que é que te custa mais?" "A obediência", respondi. A pobreza e a
castidade não têm qualquer dificuldade, agora, a obediência é pormos a
nossa mão na vontade de outros, no caso, na do nosso bispo. E digo-lhe:
em tudo cumpri a vontade do meu bispo, do bispo a quem sirvo.
Imagino
que um padre também possa ambicionar uma carreira, por exemplo. E que
nem sempre esteja de acordo com os seus superiores hierárquicos...
Sabe
o que acontece? Um diálogo. É a partir do diálogo que tudo se
soluciona. A opinião de quem vai obedecer também conta. Antigamente a
obediência era cega, atualmente não. Depois do Concílio Vaticano II a
obediência é responsável, quer para quem dá a orientação, quer para quem
obedece. Porque o bem não é de um ou de outro, é o bem comum. Quanto a
ambicionar mais, qualquer pessoa pode, mas temos a plena consciência de
que não pode haver carreirismo eclesiástico. Este Papa tem dito muito
isso, não devemos ter a ideia da carreira. Se alguns têm, fica com eles,
mas a carreira não pode ser o nosso objectivo, o nosso objectivo tem de
ser o serviço. Quem tem ambição dentro da Igreja utiliza uma atitude
política para conquistar o poder. Mas o Papa não pode chegar ao pé de um
cardeal e dizer-lhe "tu sais porque não és competente". O que lhe faz?
Não lhe pode dar um lugar como representante da Unesco... Mas está a
mexer, nas finanças, na economia, que é onde está o peso.
Conta que aos cinco anos já queria ser padre. Como se descobre tão cedo uma vocação?
É uma consciência muito forte, muito forte.
O seu pai tinha um colégio em Castelo Branco. Como reagiu quando soube que queria ir para o seminário?
Impus
ir para o seminário do Fundão e entrei com dez anos, queria fazer o
percurso completo. Entrei, mas era um cábula de primeira, andava sempre
na brincadeira, e no terceiro ano chumbei a Latim. Quando perdíamos uma
cadeira, perdíamos o ano todo. Quase desisti, mas foi aí que decidi
começar a estudar. Eu era ótimo aluno a Matemática, adorava Matemática. E
quando acabei o seminário, o meu pai, que também era professor de
Matemática, convidou-me a fazer o exame dos alunos do sétimo. Respondi a
tudo num instante, sem um único erro. Costumo dizer que há duas formas
de uma pessoa ter a cabeça organizada: pela matemática e pelo latim. Mas
continuo a não gostar de latim.
Também gostava de desporto, disseram-me que tinha jeito, que foi um belíssimo guarda-redes.
[Ri] Fui, fui. Fui sempre um belíssimo desportista, futebol, voleibol, pingue-pongue, basquetebol.
Quais foram as suas influências?
Tive
dois exemplos muito bonitos na minha vida e que certamente nortearam o
eu querer ser padre. Um dos exemplos era o meu pai, membro da
Conferência de São Vicente de Paulo durante 73 anos, e que todos os
sábados ia visitar os pobres. E levava-me. Isto marcou profundamente a
minha vida. O segundo exemplo que marcou a minha vida foi um irmão dele
que era padre, o meu tio Zé. Ele ia celebrar a missa na Sé de Castelo
Branco e, com cinco ou seis anos, eu ia ajudá-lo. Esta dupla balizou
muito a minha formação e a minha maneira de ser padre. É isto que S.
Tiago diz na sua carta, no capítulo segundo: "A fé sem obras é morta". A
religião sem o serviço aos outros não tem sentido.
Alguma vez teve uma crise de fé?
Um crise de fé nunca tive. Estou perfeitamente apaixonado por Jesus Cristo, palavra.
Nunca pôs em causa, nunca duvidou?
Não.
Mas pode-se pôr em causa ou duvidar de um dogma. Uma dúvida
intelectual, quando não há evidência nas coisas, é normal. Ainda há dias
o Papa Francisco disse: "Têm dúvidas? Eu também tenho. São tantas,
tantas dúvidas". E continuou: "Sabem o que eu faço quando tenho dúvidas?
Ofereço-as a Deus para que me as resolva". Tão bonito. A fé não é, de
forma nenhuma, acreditar em verdades. A fé não é cumprir mandamentos ou
fazer atos litúrgicos. Tudo isto faz parte do religioso, mas não é a fé.
A fé é acreditar numa pessoa que ressuscitou: Jesus. A adesão plena e
perfeita a Jesus Cristo ressuscitado. Na minha vida de 87 anos amei
profundamente Jesus, condicionei a minha vida a Ele. Quando D. Manuel
Vieira Pinto foi nomeado bispo de Nampula, em Moçambique, e me deixou
corresponsável pelo Movimento por um Mundo Melhor, escreveu-em assim:
"Nunca peças nada. Estás nas mãos de Deus".
Consegue fazer isso sempre?
Consigo,
consigo. E tenho imensas graças para dar a Deus. Agora estou a falar
consigo, mas há um ano estava em coma, com uma septicemia. Estive quatro
dias em coma, em fins de outubro, primeiros dias de novembro. E Marcelo
Rebelo de Sousa, de quem sou muito amigo - presidi ao casamento do
filho, batizei os netos - foi visitar-me, e não o deixaram entrar nas
duas primeiras vezes que lá foi. Os médicos disseram-lhe: "Não sabemos
se o conseguimos salvar". E sabe uma coisa muito bonita? Nesta casa, na
paróquia do Campo Grande, o atual pároco convocou toda a comunidade para
rezar. Encheram o salão, estiveram das nove da noite às duas da manhã
em oração intensa e, no dia seguinte, recuperei. Tinha recebido a Santa
Unção nessa tarde. Isto é uma garantia de que Deus está na nossa vida.
Acredita em milagres?
De
forma nenhuma, não nestes, isto é um dom de Deus, não é um milagre. Mas
acredito que há milagres, quantos e quantos... Como sabe, qualquer
santo tem de fazer um milagre para ser canonizado. Privei com o Papa
João Paulo II, que é santo, e comentei em Roma, num congresso da
Pastoral da Saúde, o milagre que ele concedeu a uma religiosa francesa. E
a religiosa francesa estava ao meu lado nesse dia. Coordenei essa
tarde, em que uma das atividades era a religiosa contar o milagre feito
pelo Papa João Paulo II, que ainda não era santo. Ela estava em risco de
perder todas as faculdades e recuperou rapidamente. Uma coisa
impressionante, o testemunho da religiosa frente a 600 pessoas.
As vocações têm vindo a diminuir.
Relativamente...
Há surtos, alturas em que aparecem muitos rapazes, muitas raparigas,
normalmente em comunidades que estão bem organizadas e onde os jovens
vêem que vale a pena servir, vale a pena amar Deus e amar os irmãos.
Mas é possível servir-se o próximo, trabalhar em comunidade sem amar Deus.
É,
mas se houver uma disponibilidade completa para isso é melhor, porque
não temos a prisão de uma família. Essa é a razão do celibato
eclesiástico, uma razão de serviço, de disponibilidade.
Como encara as críticas em relação ao celibato dos padres, que muitos consideram a mãe de todos os males?
Quando se fala da Igreja, não se fala das coisas espetaculares que ela faz, mas fala-se da pedofilia, dos dinheiros, do celibato, daquilo que, aparentemente, se torna negativo - porque é muito mais fácil escrever para o negativo
Criticam porque não sabem. Sabem o superficial e sabem, sobretudo, os erros. E há erros em todas as comunidades. Portanto, the good news is no news.
Quando se fala da Igreja, não se fala das coisas espetaculares que ela
faz, mas fala-se da pedofilia, dos dinheiros, do celibato, daquilo que,
aparentemente, se torna negativo - porque é muito mais fácil escrever
para o negativo. O maior número de casos de pedofilia acontece no seio
da família, e então em Portugal... É terrível e é na família.
Sobre os casos de pedofilia na Igreja, pensa que o assunto está a ser bem tratado?
Os
casos são sempre julgados, o Papa tem isso muito claro. E julgados
ferozmente. O Papa impôs regras a todas as dioceses e todos os bispos
têm de ter uma comissão para avaliar esses casos, que podem ser julgados
civilmente, porque também estão expostos ao direito civil. Mas são
sempre julgados pelo tribunais eclesiásticos, e com consequências.
as pessoas acham que a sexualidade é atividade sexual. Não é nada. É um dinamismo que atinge a vida toda do ser humano entre a concepção e morte natural: corpo, alma e sentimento
Em que é que a Igreja falha mais?
Escrevi
a minha tese de mestrado sobre ética, precisamente por causa disso:
"Sexualidade humana, exigências éticas, comportamentos saudáveis",
publicada com vários milhares de exemplares. Escolhi este tema porque
não se falava disso, porque os padres apenas perdoavam, não falavam do
tema; nas escolas católicas evitava-se o problema, nas aulas de moral
também. Eu tinha sido assistente diocesano da JEC [Juventude Escolar
Católica], assistente nacional da JEC, director nacional da Pastoral
Juvenil, assistente nacional das Equipas de Nossa Senhora durante 20
anos... Tudo isto tinha a ver com a sexualidade. Portanto, tinha de se
saber o que é a sexualidade. E quando se fala nisto, as pessoas acham
que a sexualidade é atividade sexual. Não é nada. É um dinamismo que
atinge a vida toda do ser humano entre a concepção e morte natural:
corpo, alma e sentimento. O Papa João Paulo II fez 130 conferências sobe
a sexualidade humana, sobre a família. E disse que era preciso expandir
o tema em Portugal.
Os padres têm formação permanente ao longo dos anos?
Têm
de ter. Cada diocese tem uma semana por ano, em janeiro, de
actualização do clero. Mas atenção, os fiéis vêm dizer ao bispo se o seu
prior está ou não a cumprir. Por isso, em setembro o bispo pode fazer
alterações. Na minha diocese dizíamos: "Em setembro são as manobras"
[ri]. O bispo troca as pessoas, coloca-as noutros lugares... Se por
acaso um padre não exerce bem, corre o risco de os seus fiéis dizerem ao
bispo que não estão contentes, de pedir ao bispo quem os ajude nos seus
problemas, quem os fortaleça na fé. A Igreja é uma sociedade
democrática, está bem? É muito marcada pela democracia, todos podem
intervir.
Uma curiosidade: os exorcismos. Ainda se praticam?
Cada diocese ad causam.
Repare bem nas minhas palavras: cada diocese, em caso pontual, nomeia
um exorcista. Portanto, não há nenhum exorcista, ninguém é exorcista.
Mas, quando há um caso que a medicina psiquiátrica não resolve e que se
pode admitir que seja uma posse diabólica... Tem de ser um caso de uma
violência enorme, uma perturbação terrível, e então admite-se os
exorcismos.
Já assistiu a algum?
Não.
Nem quero, nem quero [ri]. Há padres que consideram que são exorcistas,
isso não pode ser. Tem de se ser nomeado para um caso em concreto e é o
bispo que nomeia o padre em especial para aquele caso.
Foi
pároco do Campo Grande, mas fez muito mais do que ser padre até hoje.
Deve ter muitas histórias dos locais por onde passou...
Fui
Alto-comissário do Projeto Vida, sub-secretário de Estado. O que tive
foi de pedir a concordância do senhor cardeal-patriarca. Também estive
no Ministério da Educação, na presidência do Entre Culturas, durante dez
anos. Podemos fazer muitas outras coisas, mas o ideal é que essa outra
coisa esteja ligada à visão da Igreja. Sabe o que me disse o patriarca
quando lhe pedi para estas duas coisas? Quando foi para o Entre
Culturas, disse-me: "Temos de ter muita atenção aos imigrantes que estão
em Portugal, que são 550 mil. Tens de estar lá". Depois, quando no
governo Cavaco Silva me pediram para ser coordenador do projecto de luta
contra a droga, a mesma coisa. E passei para o governo de Guterres, que
me disse: "Não posso dispensá-lo". O meu gabinete eram 40 pessoas de
todos os partidos. Sócrates, que foi o sucessor, como ministro do
Ambiente, convidou-em um dia para uma conversa, e depois de quatro horas
a falar sobre droga disse-me: "Não foi para isto que quis falar
consigo, foi para lhe dizer que me deixe ficar com o seu grupo, porque
tem muita qualidade, é muito eficaz".
Falou com ele mais alguma vez, depois disso?
Falei
ainda mais uma vez, quando surgiu o problema muito interessante de ser
ou não legalizado o consumo ou descriminalizado o consumo. Quis falar
com o senhor patriarca e pediu-me para ser intermediário. Telefonei logo
ao D. José Policarpo e ele foi recebido no dia seguinte às 11h30.
Depois, é curioso, que o José Policarpo disse-me assim: "Nós, na Igreja,
ainda somos mais liberais do que o governo português no campo da
toxicodependência". E, de facto, era assim.
Voltamos à pergunta de como é que a Igreja age hoje perante os governos, para determinadas matérias?
Há
governos que aceitam e governos que se recusam. Se um governo considera
que a Igreja é só religião, não aceita, porque diz que não é religioso.
Se o governo compreende que a Igreja tem uma dimensão de intervenção no
mundo, em toda a população, então quer ouvir a sua opinião.
E lá vem a crítica de que o Estado é laico.
O Estado é laico, mas as pessoas são crentes. E alguns ministros são crentes.
O Paulo Macedo foi o meu último ministro, quatro anos. Um dia telefona-me: "O padre Vítor gosta de lampreia?" "Gosto imenso". "Então não se importa de ir almoçar comigo?"
Costuma falar com muito ministros ou escrever-lhes?
Eu
falava com os ministros, não lhes escrevia cartas. E dou-em bem com
eles, quase a tratar por tu. De qualquer partido. A Maria de Belém, o
António Correia de Campos... O Paulo Macedo foi o meu último ministro,
quatro anos. Um dia telefona-me: "O padre Vítor gosta de lampreia?"
"Gosto imenso". "Então não se importa de ir almoçar comigo?" Lá disse o
sítio onde era e fui. Cheguei mais cedo e ele chegou depois com os
secretários de Estado, os chefes de gabinete todos e, quando nos
sentamos, digo-lhe isto: "Senhor ministro, o jantar tem de certeza de
ser pago, porque não há jantares de graça". Responde: "Tem toda a razão,
quero pedir-lhe uma ajuda: estamos com grandes dificuldades em obter
sangue, e queríamos pedir à Igreja para, em todas as paróquias, promover
a dádiva de sangue". E assim foi e resolvemos o problema. Fantástico.
Como passa hoje os seus dias?
Neste
momento, por causa da minha saúde, estou a viver numa casa do clero,
uma casa lindíssima, em que tenho apoio de enfermagem, de toilette,
cama, mesa e roupa lavada. Temos lá pessoas que nos tratam
maravilhosamente e uma comunidade de religiosas que nos ajuda, a 23
padres, o mais velho com 90 anos. Depois, todos os dias de manhã tenho
estes documentos - que hoje
ainda não li -, que são tudo o que se passa na Igreja, no mundo ou na
diocese, e que me trazem para eu estar actualizado (com esta letra por
causa dos meus olhos).
Vive com qualidade?
Eu
e aqueles que lá estão, penso que temos uma grande qualidade de vida.
Mas hoje há um problema: as famílias estão um pouco a descartar-se dos
seus idosos e dos seus doentes. Isto é dramático.
Por que motivo?
Porque
hoje a família não tem tempo. Antigamente havia os empregados da
família ou as pessoas vizinhas. Hoje não há nada disso. Não é por falta
de amor, às vezes é porque querem amar e não sabem doutra maneira. Somos
muitíssimo maus gestores do tempo; há tempo para as diversões, tempo
para tudo, mas não há tempo para visitar um pai. É um problema muito
sério. Há tempo para estar no computador até às três da manhã, mas não
há tempo para ir visitar uma mãe velhinha. Alguns até colocam os pais em
lares muito longe, para terem a justificação de não ir lá muitas vezes.
Mas é histórico, há casos assim.
Na paróquia do Campo Grande há muitos voluntários?
Temos
muitos voluntários, talvez 50, por aí, que se dedicam sobretudo às
pessoas que estão sozinhas em casa, cerca de 100 nesta zona, a quem
levamos a refeição. A refeição é levada por um técnico, um profissional,
que vai acompanhado de um ou dois voluntários. O meu princípio foi
sempre este: não é toca e foge, é sentar-se, ajudar na refeição,
conversar sobre os filhos, sobre isto ou aquilo e, se quiserem alguma
coisa religiosa, também, mas não é a primeira coisa. A primeira coisa é o
amor. A Maria de Jesus [Barroso] era nossa voluntária, trabalhava
fantasticamente. E no sábado tivemos uma eucaristia com o Colégio
Moderno, em oração pelo fundador, o pai de Mário Soares. Fui muitas
vezes jantar com Mário Soares, conversar com ele.
É bom garfo?
Só
tenho uma coisa de que gosto muito, que é trouxas de ovos [ri]. É a
minha tentação. Quando morrer espero ser recebido no céu, no banquete
eterno, com trouxas de ovos.
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