É possível para nós, humanos, amar o inimigo, quem nos faz mal,
quem nos odeia e quer matar-nos?
Se também Deus, segundo o testemunho das Escrituras da antiga aliança, odeia os seus inimigos, os maus, vinga-se contra eles e pede aos que nele acreditam que odeiem os pecadores e rezem contra eles, poderá um discípulo de Jesus viver um amor para quem lhe faz mal?
Damos demasiadamente como seguro que isto seja possível, ao passo que devemos interrogar-nos seriamente e discernir que um amor assim só pode ser “graça”, dom de Jesus Cristo a quem o segue. Mesmo no nosso viver diário não é fácil relacionarmo-nos com quem nos critica e calunia, com quem nos faz sofrer ainda que não nos persiga por causa de Jesus, com quem nos agride e torna a nossa vida difícil, árdua e triste. Cada um de nós sabe que luta deve travar para não retribuir o mal recebido, e sabe como é quase impossível alimentar no coração sentimentos de amor por quem se mostra inimigo.
Com o mandamento «amai os vossos inimigos, fazei bem àqueles que vos odeiam» (cf. Lucas 6,35), que Ele próprio viveu até ao fim, na cruz, pedindo a Deus para perdoar os seus assassinos, Jesus pede aquilo que só por graça é possível. Significativamente, é sempre Lucas a testemunhar que com este sentimento de amor para com os inimigos morre o primeiro mártir de Jesus, Estêvão, que pediu a Jesus para não imputar aos seus perseguidores a morte violenta que deles recebia.
Jesus, portanto, rompe com a tradição e inova ao indicar o comportamento do discípulo, da discípula: eis a justiça que vai além daquela dos escribas e fariseus, eis o esforço do Evangelho, a «palavra da cruz», como dirá Paulo. Amar (verbo grego “agapáo”) o inimigo significa ir ao encontro do outro com gratuidade mesmo que ele nos seja hostil, significa querer o bem do outro mesmo se ele nos faz mal, significa fazer o bem, cuidar do outro, amando-o como a si próprio.
Se também Deus, segundo o testemunho das Escrituras da antiga aliança, odeia os seus inimigos, os maus, vinga-se contra eles e pede aos que nele acreditam que odeiem os pecadores e rezem contra eles, poderá um discípulo de Jesus viver um amor para quem lhe faz mal?
Damos demasiadamente como seguro que isto seja possível, ao passo que devemos interrogar-nos seriamente e discernir que um amor assim só pode ser “graça”, dom de Jesus Cristo a quem o segue. Mesmo no nosso viver diário não é fácil relacionarmo-nos com quem nos critica e calunia, com quem nos faz sofrer ainda que não nos persiga por causa de Jesus, com quem nos agride e torna a nossa vida difícil, árdua e triste. Cada um de nós sabe que luta deve travar para não retribuir o mal recebido, e sabe como é quase impossível alimentar no coração sentimentos de amor por quem se mostra inimigo.
Com o mandamento «amai os vossos inimigos, fazei bem àqueles que vos odeiam» (cf. Lucas 6,35), que Ele próprio viveu até ao fim, na cruz, pedindo a Deus para perdoar os seus assassinos, Jesus pede aquilo que só por graça é possível. Significativamente, é sempre Lucas a testemunhar que com este sentimento de amor para com os inimigos morre o primeiro mártir de Jesus, Estêvão, que pediu a Jesus para não imputar aos seus perseguidores a morte violenta que deles recebia.
Jesus, portanto, rompe com a tradição e inova ao indicar o comportamento do discípulo, da discípula: eis a justiça que vai além daquela dos escribas e fariseus, eis o esforço do Evangelho, a «palavra da cruz», como dirá Paulo. Amar (verbo grego “agapáo”) o inimigo significa ir ao encontro do outro com gratuidade mesmo que ele nos seja hostil, significa querer o bem do outro mesmo se ele nos faz mal, significa fazer o bem, cuidar do outro, amando-o como a si próprio.
Imitar Deus, até ser seus filhos e filhas: parece uma loucura, uma
possibilidade inacreditável, e contudo esta é a promessa de Jesus, o
Filho de Deus que nos chama a tornarmo-nos filhos de Deus
E Jesus dá dois exemplos, indica comportamentos exteriores a assumir, expressos na segunda pessoa do singular: não opor resistência a quem te atinge nem a quem te rouba o manto; dá a quem estende a mão, seja quem for, conhecido ou desconhecido, bom ou mão, e nunca te sintas credor daquilo que te foi subtraído. Isto não significa, contudo, assumir uma passividade, uma capitulação diante de quem nos faz mal, e o próprio Jesus deu-nos disso exemplo quando, esbofeteado pelo guarda do sumo-sacerdote, objetou: «Se falei bem, por que me bates?».
Jesus formula então a “regra de ouro”, colocando o discurso na segunda pessoa do plural: «Como quiserdes que os homens façam a vós, assim também fazei a eles». Regra formalizada positivamente, na qual a reciprocidade não é invocada como direito e muito menos com pretensão, mas como dever para com o outro medido pelo próprio desejo: «Fazer aos outros aquilo que desejo que façam a mim». Poucos anos antes do ministério de Jesus, o rabi Hillel afirmava: «O que não queres que te seja feito, não o faças ao teu próximo». Mas Jesus confere a essa instância uma forma positiva, pedindo para que se faça todo o bem possível, até ao inimigo.
Só assim, amando os outros sem reciprocidade, fazendo o bem sem calcular vantagens e dando com desinteresse sem esperar restituição, se vive a “diferença cristã”. Neste comportamento há a conformação do discípulo do Deus de Jesus Cristo, esse Deus que Jesus narrou como amoroso, capaz de cuidar dos justos e dos pecadores, dos crentes e dos ingratos. Se Deus não condiciona o seu amor à reciprocidade, ao receber uma resposta, mas dá, ama, cuida de toda a criatura, também o cristão deverá comportar-se desse modo no seu caminho para o Reino, no meio de humanidade de que faz parte.
Depois de ter reiterado o mandamento do amor aos inimigos, Jesus faz uma promessa: haverá «uma grande recompensa» nos céus, mas já agora na Terra, aqui, os discípulos tornam-se filhos de Deus porque neles se cumpre o princípio “tal Pai, tal filho”. Imitar Deus, até ser seus filhos e filhas: parece uma loucura, uma possibilidade inacreditável, e todavia esta é a promessa de Jesus, o Filho de Deus que nos chama a tornarmo-nos filhos de Deus.
Ao discípulo cabe perdoar e dar: perdoar é fazer o dom por excelência,
sendo o perdão o dom dos dons. Mais uma vez, as palavras de Jesus negam
toda a possível reciprocidade entre os humanos: só de Deus podemos
esperar a reciprocidade
Se na Torá o Senhor pedia aos filhos de Israel em aliança com Ele: «Sede santos, porque eu sou Santo», e isto significava serem distintos, diferentes em relação à mundanidade, em Jesus este apelo lê-se assim: «Sede misericordiosos, como o vosso Pai é misericordioso». Na tradição das palavras de Jesus segundo Mateus, o mandamento soa assim: «Sede perfeitos, como é perfeito o vosso Pai que está nos céus». Em Lucas, o que é evidenciado é a misericórdia de Deus; aliás, já segundo os profetas, a santidade de Deus era misericórdia, mostrava-se na misericórdia. A misericórdia, o amor visceral e gratuito de Deus que é «compassivo e misericordioso», deve tornar-se também o amor concreto e diário do discípulo de Jesus para com os outros, amor ilustrado por duas sentenças negativas e duas positivas.
Antes de tudo: «Não julgueis e não sereis julgados; não condeneis e não sereis condenados», porque ninguém pode tomar o lugar de Deus enquanto juiz das ações humanas e de quantos delas são responsáveis. Atente-se e compreenda-se: Jesus não nos pede para não discernirmos as ações, os factos e comportamentos, porque sem este juízo não se poderia distinguir o bem do mal, mas pede-nos para não julgarmos as pessoas. Uma pessoa, com efeito, é maior do que as más ações que realiza, porque nunca podemos conhecer o outro plenamente, não podemos medir até ao fundo a sua responsabilidade. O cristão examina e julga tudo com as suas faculdades humanas iluminadas pela luz do Espírito Santo, mas detém-se diante do mistério do outro, e não pretende poder julgá-lo: só a Deus cabe o juízo, que a Ele é dirigido com temor e tremor, reconhecendo sempre que cada um de nós é pecador, é devedor para com os outros, solidário com os pecadores, necessitado, como todos, da misericórdia de Deus.
Ao discípulo cabe, por isso – eis as afirmações positivas – perdoar e dar: perdoar é fazer o dom por excelência, sendo o perdão o dom dos dons. Mais uma vez, as palavras de Jesus negam toda a possível reciprocidade entre os humanos: só de Deus podemos esperar a reciprocidade. O dom é ação de Deus e deve ser a ação dos cristãos para com os outros homens e mulheres.
Então, no dia do juízo, esse juízo que só compete a Deus, quem deu com abundância receberá do Senhor um dom abundante, como uma medida de grão que é medida, repleta e transbordante. A abundância do dar hoje mede a abundância do dom de Deus amanhã. A “diferença cristã” tem um preço elevado, mas, por graça de Deus, é possível.
Enzo Bianchi
In Monastero di Bose
Trad.: Rui Jorge Martins
Imagem: D.R.
Publicado em 22.02.2019
SNPC
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