Num tempo de tantas facilidades, temos alunos exaustos, deprimidos e
sobre-medicados, que comem mal, dormem pouco, mexem-se de menos e
apanham pouca luz do sol. Enquanto isto, o foco da escola e das famílias
continua assente nas notas que surgem na pauta. Não era já tempo de
revermos prioridades?
Tive uma avó que criou cinco filhos no interior alentejano, rural e pobre, onde a luta diária ainda era, tantas vezes, a da sobrevivência. Das coisas maravilhosas que tive possibilidade de fazer, nos últimos anos da sua vida, foi sentar-me a ouvir a sua história. Profissionalmente, tinha já escrito muitas biografias e digerido a beleza de tantas vidas, muitas delas difíceis, num país que, em tão pouco tempo, passou por mudanças tão profundas. Mas olhar nos olhos de uma avó é entender, mais do que a sua história, também a nossa. Aquela que fez dos nossos pais aquilo que foram e, por conseguinte, aquilo que ela fez de nós também.
Como é que se educavam filhos no meio do campo, sem supermercados nem lojas de roupa, sem telefone ou televisão, com a escola mais próxima a cinco quilómetros de distância, mas sem transportes para lá chegar?, lembro-me de perguntar à minha avó. O meu pai e os irmãos sempre estudaram – iam e viam a pé, aprendendo o nome das árvores, os sons dos pássaros, a época dos cogumelos e as plantas preferidas dos coelhos – mas a escola, naquele tempo, não era uma prioridade. Era um privilégio. Importante era que a terra fizesse crescer alimento, para quem trabalhava nela e para os animais que dariam o leite, a carne e os ovos. Era cuidar da saúde e da energia dos filhos, sem contar com remédios, que eram escassos, e era ensiná-los a trabalhar para garantirem a sua subsistência. Era esperar que, depois disso, brincassem até se cansarem, para terem um sono tranquilo, depois do sol desaparecer e até ele nascer outra vez, e era ensinar-lhes a serem bons homens e mulheres, educados, pacientes e humildes, qualidades importantes para uma vida sem sobressaltos.
Como é que se educavam
filhos no meio do campo, sem supermercados nem lojas de roupa, sem
telefone ou televisão, com a escola mais próxima a cinco quilómetros de
distância, mas sem transportes para lá chegar?,
Se a prioridade, antes, era a saúde e a energia para trabalhar, hoje, mesmo com uma medicina tão mais avançada, medicamentos disponíveis e menor exigência física, no dia-a-dia, temos um número impressionante de alunos que assumem não se sentirem bem. Segundo a última análise da OMS aos adolescentes portugueses (do 6º ao 10º ano), há 17,9% de adolescentes que se assumem cansados e exaustos “quase todos os dias”, 12,7% referem dificuldades em adormecer e 5,9% dizem-se “tão tristes que não aguentam”. Noutro estudo da Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, que envolveu 6900 alunos do 7º ao 12º ano do Centro, Sul, Algarve e Açores, um em cada quatro alunos apresentava mesmo sintomas de depressão. Um terceiro estudo de 2018 – A Saúde dos Adolescentes Portugueses – revelou que, no mês que antecedeu o inquérito, mais de metade dos jovens tinha tomado remédios para a dor de cabeça, 11,2% para o nervosismo, 9% para as dificuldades em adormecer, 7,6% para aumentar a memória e a concentração e 6,5% para a tristeza.
Ansiedade, depressões,
distúrbios alimentares, automutilação e dependência de drogas são
problemas em que nenhum pai ou mãe quer pensar, mas que fazem parte do
dia-a-dia dos jovens.
É preciso resgatar o básico e questionar as nossas prioridades. Em casa ou na escola, antes de nos perguntarmos de que é que uma criança precisa para um dia ter sucesso profissional, devemos perguntar-nos o que será necessário para a transformar num ser humano saudável e feliz. (E não é que um ser humano saudável e feliz também tem mais possibilidade de ser alguém mais bem sucedido?). E se a resposta não for evidente, talvez possamos pedir uma ajuda aos avós e bisavós deste país. Depois de tudo por que passaram, e de todas as mudanças a que assistiram, talvez eles sejam as melhores pessoas para nos ajudarem a redefinir algumas prioridades… E vamos ouvi-los falar (com estes ou outros nomes, mais do “seu tempo”) de Saúde, de Equilíbrio emocional, de Bons relacionamentos, de Autonomia e Resiliência, de Valores e de Motivação para viver. Porque é nessa pauta, na verdade, que a vida se joga. É nestas “disciplinas”, antes de quaisquer outras, que, quer em casa, quer na escola, devemos ajudar as gerações mais novas a ter boas “notas”…
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.
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