Nestas últimas semanas, estou em visita
pastoral às paróquias mais pequenas do arciprestado de Cabeceiras de
Basto. No contexto atual de debate sobre a eutanásia, tenho procurado
saudar ainda com mais respeito e carinho os idosos que encontro nos
Centros de Convívio, em suas casas ou na Igreja Paroquial na celebração
do Sacramento da Unção dos Doentes.
Não há dúvida de que a “arte de viver” está sempre ligada à “arte de
amar”. Há doentes que se sentem mortos psicológica e socialmente
(mergulharam numa vida sem sentido e experimentam a mais profunda
solidão) e parece-lhes que já só lhes falta morrer biologicamente.
QUERERÃO REALMENTE MORRER OU QUERERÃO SENTIR-SE AMADOS?
Recordo Viktor Frankl, que dedicou uma parte significativa da sua
obra e ação a ensinar que no amor é possível encontrar o sentido da dor,
pois cada um de nós é chamado a superar-se, a esquecer-se de si, a
oferecer-se a uma causa a realizar, a uma outra pessoa a amar, a Deus a
quem quer servir ou entregar a sua vida.
Trata-se de buscar o sentido da dor
oferecendo-a por amor, num movimento oblativo e transformador, pois só o
amor faz vencer o absurdo do sofrimento: de um “porquê”, passa-se ao
“por quem (Quem)”, ou “por que causa” (Cf. V. FRANKL, Psicoterapia nella
pratica medica. Introduzione casistica, Firenze, Giunti-Barbèra, 1974,
p. 173).
Com a eutanásia (o termo “eutanásia” deriva do grego: eu, “boa”, e
thanatos, “morte”) e o suicídio assistido provoca-se deliberadamente a
morte de outra pessoa (matar) ou presta-se ajuda ao suicídio de alguém
(ajudar a que outra pessoa “se mate”). A eutanásia não acaba com o
sofrimento, acaba com uma vida!
Quer a eutanásia, quer a obstinação terapêutica (certas intervenções
médicas já inadequadas à situação real do doente, porque não
proporcionadas aos resultados), desrespeitam o momento natural da morte
(deixar morrer): a primeira antecipa esse momento, a segunda prolonga-o
de forma artificialmente inútil e penosa.
Para nós, crentes, a vida não é um objeto de que se possa dispor
arbitrariamente, é dom de Deus e uma missão a cumprir. E é no mistério
da morte e ressurreição de Jesus que, como cristãos, encontramos o
sentido do sofrimento.
Mesmo se nos cingirmos a uma reflexão filosófica, não é lógico
contrapor o valor da vida humana ao valor da liberdade e da autonomia. É
que a autonomia supõe a vida e sua dignidade. A vida é um bem
indisponível, o pressuposto de todos os outros bens terrenos e de todos
os direitos.
Não pode invocar-se a autonomia contra a vida, pois só é livre quem
vive. Não se alcança a liberdade da pessoa com a supressão da vida dessa
pessoa. A EUTANÁSIA E O SUICÍDIO NÃO REPRESENTAM UM EXERCÍCIO DE
LIBERDADE, MAS A SUPRESSÃO DA PRÓPRIA RAIZ DA LIBERDADE.
Temos também consciência de que nunca pode haver a garantia absoluta
de que o pedido de eutanásia é verdadeiramente livre, inequívoco e
irreversível. Em fases terminais sucedem-se momentos de desespero
alternando com outros de apego à vida.
Porquê respeitar a vontade expressa num momento, e não noutro? Que
certeza pode haver de que o pedido da morte é bem interpretado, talvez
mais expressão de uma vontade de viver de outro modo, sem o sofrimento, a
solidão ou a falta de amor experimentados, do que de morrer?
Ou de que esse pedido não é mais do que um grito de desespero de quem
se sente abandonado e quer chamar a atenção dos outros? Ou de que não é
consequência de estados depressivos passíveis de tratamento? Estando em
jogo a vida ou a morte, a mínima dúvida a este respeito seria
suficiente para optar pela vida (in dubio pro vita).
COMO CIDADÃO E COMO CRENTE, DIGO NÃO À EUTANÁSIA E AO SUICÍDIO
ASSISTIDO, POIS TRATA-SE DA INTERRUPÇÃO VOLUNTÁRIA DO AMOR E DA VIDA
(IVA)!
Por D. Nuno Almeida
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