As pessoas com mobilidade reduzida
precisam de rampas em vez de degraus, já que é isso que lhes confere
sentido de liberdade. Eu sou uma dessas pessoas que lutam pela extinção
dos obstáculos para que as rodas da minha cadeira possam deslizar.
Portadora
de deficiência motora, com um currículo de quase uma centena de
fraturas desde o útero da minha mãe e dores físicas que nunca ficam a
zeros. Portadora de óculos, aparelho auditivo e uma cadeira elétrica que
nunca vi como uma condenação. Os meus saltos altos equilibram-se,
portanto, desde sempre em cima de rodas, mas se não tiver rampas estou
sempre a tropeçar. As rampas para mim são como pontes de autonomia. No
entanto, há uma rampa que não é para mim. Aquela cuja inclinação, por
não obedecer à fórmula correta, passa de bênção a maldição. Que é de tal
forma deslizante que passa a ser um perigo para a minha própria vida.
Votar
a favor da despenalização da eutanásia é, a meu ver, pensar-se que se
está a construir uma rampa de acesso à dignidade da pessoa humana quando
na realidade está-se a iniciar uma descida vertiginosa para uma
desresponsabilização coletiva da sociedade. Olhar para os países como a
Holanda e a Bélgica, que já legalizaram a eutanásia, faz-me declarar:
esta rampa não é para mim!
Não me vou
repetir nos factos do que significa esta rampa deslizante porque a
informação está ao alcance de todos. Mesmo que, às vezes, aquilo que
lemos diga apenas o que queremos ler e não a realidade das exceções que
descambam para a regra, das brechas que se abrem nos desenquadramentos
crescentes e do atraso civilizacional profundo criado quando se permite
que se eutanasie, por exemplo, crianças. São esses países que nos servem
de modelo para justificar a aprovação de uma lei?
Não
é só uma questão de me afirmar pró-vida, mas de ser pró-humanidade.
Essa sim devia ser a lei. Assim, estaríamos todos preocupados a arranjar
formas de como ajudar os outros a viver e não a morrer.
Há
dois anos expus a minha visão sobre este assunto tão fraturante da
nossa agora (e, pelos vistos, ainda) agenda mediática. A minha convicção
mantém-se. As minhas palavras sublinhadas. E a urgência na
consciencialização de todos impõe-se para o que o futuro nos possa
reservar no que a isto diz respeito.
Portugal
sempre teve, em várias épocas e por motivos muito díspares, no seu ADN
ser um país de gente solidária. Não vamos confundir esta coisa da morte
assistida com solidariedade, pois não? Assistamos o próximo, sim, em
amor, como a nós mesmos, na vida e até ao fim.
Esta
não é uma posição determinada por uma orientação política ou religiosa.
Mas assente na palavra "relacionamento". Se defender os direitos
humanos é um dever de todos nós... então votem no afeto, no cuidado, na
proteção, na entrega, na dádiva e na misericórdia que assassinam o
sofrimento interior. Esse só pode ser extinto com o relacionamento.
Acredito
que o tempo é uma ilusão graciosamente concedida por Aquele com que
escolhi também relacionar--me e que me faz ter autoridade para citar
aquilo que a Bíblia diz em Eclesiastes 3:1-2: "Tudo tem o seu tempo
determinado, e há tempo para todo o propósito debaixo do céu. Há tempo
de nascer, e tempo de morrer; tempo de plantar, e tempo de arrancar o
que se plantou." Porque foi nesta determinação que encontrei propósito
para a minha vida em vez de um castigo.
Por
mais que oiça argumentos válidos e bem fundamentados dos que não pensam
e sentem como eu e aceite desconstruir com eles, até para construir o
meu próprio posicionamento, chego sempre a este fim de linha: as pessoas
que concordam com a despenalização da eutanásia, se soubessem do meu
prognóstico, aquando do meu nascimento, provavelmente ter-me-iam feito
morrer. E as pessoas que concordam com a despenalização da interrupção
voluntária da gravidez, se soubessem do meu diagnóstico, aquando da
minha gestação, provavelmente nem me teriam feito nascer.
Não, não é generalizar. É, apesar de sentada numa cadeira de rodas há 35 anos, levantar-me a favor da minha própria vida!
Por Mafalda Ribeiro
* Autora e oradora motivacional
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