1. Um dos fenómenos mais
característicos do catolicismo do século XX foram os movimentos da Acção
Católica.
Paulo Fontes estudou o seu papel na criação de verdadeiras
elites, em Portugal [1]. Para a hierarquia eram o seu braço estendido.
Chegavam onde ela não conseguia entrar. Os jovens eram desejados,
encorajados, mas a sua criatividade estava limitada pelo mandato que os
dirigentes recebiam dos bispos. Eram um laicado super controlado. Daí,
os mil conflitos que os assistentes eclesiásticos, correias de
transmissão, tinham de saber gerir até onde fosse possível. Que Deus
sabe escrever direito por linhas tortas é um aforismo português. Teve
muito que fazer. Se a hierarquia perdeu os jovens, e muitos se afastaram
da prática religiosa oficial, o Papa Francisco não se resignou a essa
debandada, aos vencidos do catolicismo.Na abertura da reunião pré-sinodal dos jovens [2] (19.03.18), o Papa não repetiu as asneiras controladoras do passado. Nem cedeu à ideologia aduladora da juventude, de palmadinhas nas costas. Para ele, a juventude não existe. É uma abstracção. Existem os jovens, histórias, rostos, olhares, ilusões. Dizer que importa escutá-los e dialogar, já se sabe. O Papa não tem jeito para conversa fiada. Resolveu, com o seu comportamento e o seu discurso, alterar, radicalmente, o relacionamento da Igreja com os jovens. Dados os limites desta crónica, terei de me contentar com algumas passagens e um convite à leitura integral do seu atrevimento.
2. Bergoglio conhece o terreno que pisa:
"Há quem pense que seria mais fácil manter-vos à distância para não se
sentirem provocados por vocês. [...] Os jovens devem ser levados a
sério! Parece-me que estamos rodeados por uma cultura que, se por um
lado, idolatra a juventude, por outro, impede que os jovens sejam
protagonistas. É a filosofia da maquilhagem. As pessoas procuram
pintar-se para parecerem mais jovens, mas não deixam crescer os jovens.
Isto é muito comum. Porquê? Porque não querem ser interpelados.
Vocês são marginalizados da vida pública
normal e obrigados a mendigar ocupações que não lhes garantem um
futuro. Não sei se isto acontece em todos os vossos países, mas em
muitos... Se não erro, a taxa de desemprego juvenil aqui na Itália, dos
25 anos para cima, é de cerca de 35%. Noutro país próximo da Itália é de
47% e noutro ainda, mais de 50%.
O que faz um jovem que não encontra
trabalho? Adoece. É a depressão. Cai no desespero, nas dependências,
suicida-se. Devemos reflectir: as estatísticas do suicídio juvenil estão
todas alteradas. Ou se torna rebelde, mas é uma forma de se suicidar.
Ou apanha um avião e vai para outra cidade que não quero mencionar e
alista-se no EI [3] ou num desses movimentos guerreiros. Pelo menos a
vida tem sentido e terá um ordenado mensal. Isto é um pecado social! A
sociedade é responsável por isto. Mas eu gostaria que fossem vocês a
dizer as causas, os porquês e não digam: 'mas se eu nem sequer sei
porquê.' Como vivem este drama? Saber o que pensam ajudar-nos-ia muito. É
verdade que são construtores de uma cultura, com o vosso estilo e com a
vossa originalidade. [...] Queremos este espaço do Sínodo para conhecer
e participar nessa vossa cultura."
3. O Papa Francisco lança um desafio:
"Precisamos de ousar novos caminhos. Não se assustem: ousar novos
caminhos, mesmo correndo riscos. Um homem, uma mulher que não arrisca,
não amadurece. Uma instituição que faz escolhas, sem arriscar, permanece
criança, não cresce. Arrisquem, acompanhados pela prudência, pelo
conselho, mas vão em frente. Sem arriscar, sabem o que acontece a um
jovem? Envelhece! Vai para a reforma aos 20 anos! Um jovem envelhece e
também a Igreja envelhece. Digo isto com sofrimento. Quantas vezes eu
encontro comunidades cristãs, até de jovens, mas velhas. Envelheceram
porque tiveram medo. Medo de quê? De sair, de ir rumo às periferias
existenciais da vida, de ir onde se joga o futuro. Uma coisa é a
prudência, que é uma virtude, mas outra é o medo. Precisamos de jovens,
pedras vivas de uma Igreja com o rosto jovem, mas não maquilhado, como
disse: não rejuvenescido artificialmente, mas reavivado a partir de
dentro. Vocês provocam-nos a sair da lógica do: sempre foi assim. Essa
lógica é um veneno. É um veneno doce, porque te tranquiliza a alma e te
deixa como que anestesiado e te impede de caminhar.
Sair da lógica do sempre se fez assim,
para viver de maneira criativa no sulco da autêntica tradição cristã. De
modo criativo. Eu, aos cristãos, recomendo que leiam o Livro dos Actos
dos Apóstolos: a criatividade daqueles homens. Aqueles homens sabiam ir
em frente com uma criatividade que se nós fizermos a tradução para o que
significa hoje, ficávamos assustados! Vocês criam uma cultura nova, mas
estejam atentos: esta cultura não pode ser 'desenraizada'. Um passo em
frente, mas preservar as raízes! Não voltar às raízes, porque se acaba
por ficar enterrado: dá um passo em frente, mas sempre com as raízes. As
raízes — isto, desculpem, é do coração — são os velhos, são os idosos
bons. As raízes são os avós. As raízes são aqueles que viveram a vida e
que são afastados por esta cultura do descartar, já não servem, rua! Os
idosos têm este carisma de conservar as raízes. Falem com eles. Mas o
que hei-de dizer? Tenta!
Recordo-me de uma vez, em Buenos Aires, a
falar com os jovens, disse: 'Por que não vão a uma casa de repouso
tocar viola para os velhinhos que lá estão?' Mas, padre... Vão só uma
hora. Ficaram mais de duas! Não queriam sair, porque os velhinhos
estavam assim, um pouco adormecidos, ouviram tocar viola, acordaram
todos e começaram a falar. Os jovens ouviram coisas que os comoveram.
O profeta Joel diz isto muito bem. Para
mim esta é uma profecia de hoje: 'Os idosos vão sonhar e os jovens
profetizar'. Nós precisamos de jovens profetas, mas estejam atentos:
nunca serão profetas se não tiverem em conta os sonhos dos mais velhos e
se não forem fazer sonhar um velhinho que está ali triste, porque
ninguém o ouve. Fazei sonhar os mais velhos e estes sonhos vão-vos
ajudar a ir sempre mais longe [4]. Lê isto, far-te-á bem. Deixai-vos
interpelar por eles."
A Páscoa ainda não acabou e os sonhos também não.
[1] Cf. Paulo Fernando de Oliveira
Fontes, Elites católicas em Portugal: O papel da Acção católica
(1940-1941), Fundação Calouste Gulbenkian, 2011
[2] Uma Igreja que não arrisca envilhece, L’ Osservatore Romano, 22.03.2018
[3] Estado Islâmico
[4] Joel 3, 1.
Por Frei Bento Domingues
IMISSIO
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