Em Portugal, não é precisa nenhuma coragem para se ‘assumir’. Mas
é necessário muito valor para alguém se afirmar católico, sobretudo se
for fiel ao magistério e à tradição da Igreja.
Por razões diametralmente opostas, duas personalidades foram agora
objecto de campanhas mediáticas contraditórias: enquanto um deputado
foi louvado em tudo o que é sítio; o Cardeal Patriarca de Lisboa e
Presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, foi brutalmente
enxovalhado, como talvez há muito já ninguém era tão maltratado
publicamente.
Adolfo Mesquita Nunes é um jovem e promissor
deputado, cujas intervenções públicas são, por regra, muito pertinentes.
Graças à sua boa preparação e grande capacidade de argumentação, leva
sempre a melhor nos seus confrontos com a bloquista Mortágua. Apesar de
apreciar o seu trabalho, não li a sua entrevista de vida, pelo que só
tardiamente me dei conta de que se tinha ‘assumido’, como agora se diz.
Foi quando vi tão inflamados elogios à sua ‘coragem’ que percebi que
tinha ‘saído do armário’.
Não tenho nada contra as suas opções ou
tendências pessoais, que obviamente respeito, mas acho muito infelizes
este tipo de confissões públicas. Mesmo que não tenha sido por sua
iniciativa, foi certamente por sua livre vontade que referiu essas
circunstâncias, que sobram numa entrevista que deveria ser
exclusivamente política.
Não imagino Winston Churchill, que era um
grande senhor da política e não só, a fazer revelações sobre a sua vida
íntima, nem sequer a pedido de nenhum jornalista. No extremo oposto,
também Álvaro Cunhal era muito reservado sobre a sua vida privada e,
quando entrevistado, nunca descia a pormenores sobre a sua intimidade,
fazendo-se assim respeitar pelo público em geral.
Não percebo,
aliás, onde está a tão apregoada ‘coragem’ do agora assumido político
que, a bem dizer, não correu nenhum risco com esta sua declaração. Na
verdade, por tê-la feito, foi posto fora de casa?! Não consta. Foi
despedido? Também não parece. Foi de algum modo ostracizado, ou
prejudicado no seu partido, supostamente democrata-cristão?! Ao invés,
esta sua declaração até o favoreceu politicamente! Foi criticado pela
imprensa ou nas redes sociais?! Pelo contrário: todos o elogiaram!
Afinal, onde está então a sua coragem?!
Se o ilustre deputado quer
ser corajoso, sugiro que faça essas mesmas declarações na Arábia
Saudita, na Rússia, no Iraque, ou no Afeganistão. Aí sim, é preciso
coragem para tomar uma atitude dessas. Ou então, se quiser ser herói cá
na terrinha, declare que é católico coerente e que, portanto, vive a
abstinência sexual. Seria, pela certa, martirizado pela imprensa, como
foi o Patriarca de Lisboa quando, entre outras, sugeriu essa atitude aos
‘recasados’ católicos.
D. Manuel Clemente não supunha, nem
ninguém imaginava, o burburinho que as suas inócuas declarações
provocariam na imprensa e nas redes sociais, até por se tratar, afinal,
de uma questão interna da própria Igreja, que apenas respeita aos
católicos. Contudo, como a matéria é sensível – o sacrossanto sexo! – o
estrondo foi imenso e não faltaram fariseus a rasgar publicamente as
suas vestes.
Só no Público, por exemplo, David Dinis escreveu um
editorial sobre “Os três ‘pecados’ de D. Manuel Clemente”; João Miguel
Tavares, que nestas questões é sempre muito politicamente correcto,
perguntou acintosamente “Porque insiste a Igreja em meter-se na nossa
cama?”; e Vicente Jorge Silva, em “Que aconteceu a D. Manuel Clemente?”,
não só o acusa do “pecado da inclemência” e “da falta de lucidez mais
rudimentar”, como lamenta que “um intelectual e homem de cultura de
méritos reconhecidos” tenha sofrido uma “regressão tão aparatosa de
raciocínio e sentido do real”! Tudo isto porque o Patriarca de Lisboa
teve a ousadia de se dirigir aos seus fiéis, sobre uma matéria da sua
competência pastoral, dando instruções que se limitam a reproduzir o
magistério do Papa Francisco!
“Falando no celibato, o Patriarca de
Lisboa meteu-se na cama”, segundo o director do Público. Ou seja: um
deputado pode expressar publicamente as suas preferências em termos
sentimentais, mas o Patriarca de Lisboa não pode explicar aos seus fiéis
‘recasados’ como devem viver, nas suas circunstâncias, a moral da
Igreja a que pertencem e cujos ensinamentos querem seguir. Se um
deputado fala sobre a sua sexualidade, faz muito bem e é até muito
corajoso. Se o Patriarca fala, aos seus fiéis, sobre a sexualidade
cristã, faz muito mal porque está a meter-se onde não deve e a ofender,
com o seu anacrónico convite à abstinência sexual, todos os casais de
católicos ‘recasados’!
Hoje em dia, em Portugal, não é necessária
nenhuma coragem para se ‘assumir’ uma tendência mais ou menos
alternativa. Quem se ‘assume’, como foi agora o caso, sabe que tem toda a
imprensa a seu favor, as redes sociais do seu lado, os lóbis a
protegê-lo, os interesses económicos a abençoá-lo e uma brilhante
carreira política à sua frente.
Coragem é necessária, pelo
contrário, para alguém se afirmar católico, sobretudo se for coerente,
ou seja, fiel ao magistério e à tradição da Igreja. Coragem teve D.
Manuel Clemente, em recordar os ensinamentos do Papa Francisco. Coragem
teve o Patriarca de Lisboa ao falar de abstinência sexual, não como
norma imposta a todos ‘recasados’, mas como mais uma proposta para o seu
itinerário de conversão ao Evangelho. Coragem têm os católicos
‘recasados’ que a vivem. Coragem têm os que optaram pelo celibato, ou
pelo casamento, e cumprem a sua promessa. Coragem têm os católicos cujo
casamento fracassou e se mantêm fiéis a esse compromisso, que honram com
a sua continência. Coragem têm os fiéis e pastores que, quando o seu
bispo é atacado, o apoiam e defendem, mesmo quando outros, quais Judas,
fazem coro com os inimigos de Cristo e da sua Igreja.
“Muitos –
escreveu São Paulo aos filipenses – de quem muitas vezes vos falei e
também agora falo com lágrimas, procedem como inimigos da cruz de
Cristo: o seu deus é o ventre e fazem consistir a sua glória naquilo que
é a sua vergonha” (Fil 3, 18-19). Que diria hoje o apóstolo daqueles
cujo deus não é o ventre, mas o sexo?
OBSERVADOR
22 de Fev. de 2018
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