As igrejas estão cheias de pessoas que amam o cristianismo mas esquecem quem está mesmo ao seu lado, naquela missa.
Não
me ajoelho porque tenho esperança, que é diferente da caridade e da fé.
Ao pé da esperança, a caridade é um guichet burocrático. O acto
caridoso nem sequer precisa de fé. Não necessito de fé para dar
dinheiro, roupa ou comida aos pobres, ou para fazer voluntariado.
A caridade é uma acção cívica que está para lá do umbral da igreja. A fé, por sua vez, está para cá do umbral, precisa dos claustros, é um passo na direcção certa. Mas pode ser um passo cego. Por exemplo, pode ser um passo apenas e só na direcção de um Deus frio que não passa de uma ideia platónica sem forma humana, uma ideia certa mas insuficiente. Ou pode ser um passo em direcção ao impulso beato que seca o mundo com o formalismo das regras.
É como dizem os Arcade Fire: “working for the Church while your life falls apart, singing halleluiah with the fear in your heart, every spark of friendship and love will die without a home”.
As igrejas estão cheias destas pessoas que amam o cristianismo enquanto esquecem as pessoas concretas mesmo ali na missa, pessoas que se ajoelham na consagração mas que têm um ar de enfado quando dão os beijos e os apertos de mão da paz de Cristo, pessoas com três ou quatro dioptrias no enfoque da fé.
Em “Os Portais do Mistério da Segunda Virtude” (Ed. Paulinas), Charles Péguy fala destas fragilidades da caridade e da fé e consagra a esperança como o grande virtude. Porquê? Ao contrário do que sucede com a fé, não é possível fingir que se tem esperança. Uma pessoa pode dizer que tem fé, é um discurso, é algo que fica apenas nas palavras. Já a esperança é acção. Ou se tem ou não se tem. É algo que fica implícito nos actos.
Por exemplo, estou um pouco farto das pessoas que se dizem muito católicas mas que recusam ter filhos, “porque não dá”, “porque não há condições”, “porque isto está difícil”. São católicos, ajoelham-se na missa, seguem ritos e sacramentos, mas não têm a esperança necessária para consumar o acto que é simultaneamente o mais sagrado e o mais profano: ter filhos. “A caridade não me espanta, mas a esperança, essa sim, causa-me espanto”, diz Deus no poema de Péguy, porque “a inclinação maior é desesperar, essa grande tentação”.
E, de facto, a tentação maior é não acreditar no “pão nosso de cada dia nos dai hoje”. Percebo este medo. Senti-o e ainda o sinto, mas também sei que este receio é paralisante. Se ficarmos à espera da altura ideal para a paternidade, então nunca teremos filhos. É preciso um salto de fé, é preciso a alegria de saber que Ele estará lá sempre para nos acender a luz, é preciso agir no pressuposto de que a transubstanciação é mesmo a glória suprema.
Portanto, como é que me vou ajoelhar no momento da nossa maior alegria? Ele não me criou para a submissão, criou-me para o negar ou reconhecer em liberdade. O efeito deste reconhecimento livre e consciente é a esperança. E quem tem esperança não fica de joelhos perante o momento que simboliza a entrada da esperança neste mundo. Para que serve a submissão do joelho se na altura da Paz de Cristo não se sente a esperança no beijinho ou no aperto de mão?
Opinião de Henrique Raposo
RENASCENÇA
A caridade é uma acção cívica que está para lá do umbral da igreja. A fé, por sua vez, está para cá do umbral, precisa dos claustros, é um passo na direcção certa. Mas pode ser um passo cego. Por exemplo, pode ser um passo apenas e só na direcção de um Deus frio que não passa de uma ideia platónica sem forma humana, uma ideia certa mas insuficiente. Ou pode ser um passo em direcção ao impulso beato que seca o mundo com o formalismo das regras.
É como dizem os Arcade Fire: “working for the Church while your life falls apart, singing halleluiah with the fear in your heart, every spark of friendship and love will die without a home”.
As igrejas estão cheias destas pessoas que amam o cristianismo enquanto esquecem as pessoas concretas mesmo ali na missa, pessoas que se ajoelham na consagração mas que têm um ar de enfado quando dão os beijos e os apertos de mão da paz de Cristo, pessoas com três ou quatro dioptrias no enfoque da fé.
Em “Os Portais do Mistério da Segunda Virtude” (Ed. Paulinas), Charles Péguy fala destas fragilidades da caridade e da fé e consagra a esperança como o grande virtude. Porquê? Ao contrário do que sucede com a fé, não é possível fingir que se tem esperança. Uma pessoa pode dizer que tem fé, é um discurso, é algo que fica apenas nas palavras. Já a esperança é acção. Ou se tem ou não se tem. É algo que fica implícito nos actos.
Por exemplo, estou um pouco farto das pessoas que se dizem muito católicas mas que recusam ter filhos, “porque não dá”, “porque não há condições”, “porque isto está difícil”. São católicos, ajoelham-se na missa, seguem ritos e sacramentos, mas não têm a esperança necessária para consumar o acto que é simultaneamente o mais sagrado e o mais profano: ter filhos. “A caridade não me espanta, mas a esperança, essa sim, causa-me espanto”, diz Deus no poema de Péguy, porque “a inclinação maior é desesperar, essa grande tentação”.
E, de facto, a tentação maior é não acreditar no “pão nosso de cada dia nos dai hoje”. Percebo este medo. Senti-o e ainda o sinto, mas também sei que este receio é paralisante. Se ficarmos à espera da altura ideal para a paternidade, então nunca teremos filhos. É preciso um salto de fé, é preciso a alegria de saber que Ele estará lá sempre para nos acender a luz, é preciso agir no pressuposto de que a transubstanciação é mesmo a glória suprema.
Portanto, como é que me vou ajoelhar no momento da nossa maior alegria? Ele não me criou para a submissão, criou-me para o negar ou reconhecer em liberdade. O efeito deste reconhecimento livre e consciente é a esperança. E quem tem esperança não fica de joelhos perante o momento que simboliza a entrada da esperança neste mundo. Para que serve a submissão do joelho se na altura da Paz de Cristo não se sente a esperança no beijinho ou no aperto de mão?
Opinião de Henrique Raposo
RENASCENÇA
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