Tolentino Mendonça escreve sobre cultura e retiro do papa
Por vocação e missão dei por mim, nos meus 25 anos de vida
sacerdotal, a trabalhar pastoralmente no âmbito do pensamento e da
cultura. Se há lugar em que a Igreja se assemelha a um hospital de
campo – para retomar a imagem mais do que oportuna do papa Francisco –,
é precisamente este, onde as perguntas são exigentes e contínuas, as
procuras de sentido são intensas, por vezes extremas, na sua
vulnerabilidade, e a fome de Deus é, sim, latente, mas também se oculta
sob uma dor humana nem sempre confessada, um grande vazio, muito
sofrimento, em conflito e em solidão no modo de se confrontar com a vida
ou com a fé. Por isso, quem trabalha no sector da cultura não pode ser
uma simples pessoa de gabinete ou gestor de sacristia. Apesar de
trabalhar há muitos anos numa universidade, vejo-me, com efeito, como
um padre de estrada, dado que a cultura, na sua fantástica e dramática
vitalidade, é isto: é estar no meio da estrada, é o desarmante espaço
aberto da vida. A cultura é um extraordinário motor de procura, no qual
a complexa ansiedade do viver está sempre presente. Um território que
não é fácil, mas é apaixonante. E este campo pastoral ensinou-me o
valor da escuta.
A escuta é já, por si, um modo de cuidar, uma maneira de se
ocupar das feridas do coração humano. Um sacerdote não deve ser
necessariamente um megafone. Muitas vezes aquilo que Deus lhe pede é
ser uma humilde antena. Não tem de seguir diretamente para Jerusalém
sem olhar nem para a direita nem para a esquerda, indiferente aos
dramas dos outros. Muitas vezes, o que Deus lhe pede é que seja o Bom
Samaritano de plantão. O amor de Cristo pelos humanos é um amor sem
reservas, é uma misericórdia que nos abre à vastidão, baseando-se nos
pontos de partida já existentes, ainda que frágeis e insuficientes no
turbilhão da vida. A pastoral deve tentar ser uma arte da
hospitalidade. Só quem está disposto a escutar as perguntas até ao fim
pode dar respostas. Se há coisa que eu aprendi ao trabalhar no campo da
cultura é o significado espiritual da sede. Agradeço a Deus todos os
dias por isso. Há muita sede no coração humano. O coração, podemos
dizer, é um interminável reservatório de sede. Sede de amor. Sede de
verdade. Sede de reconhecimento. Sede de razões de viver. Sede de um
refúgio. Sede de novas palavras e de novas formas. Sede de justiça. Sede
de humanidade autêntica. Sede de infinito. E Jesus identificou-se com
os sedentos. Uma das suas últimas palavras na cruz foi «tenho sede»
(João 19, 28). A sede torna-se assim uma interpretação necessária não
só para chegar ao coração humano, mas também para compreender o
mistério de Deus.
Quando o Santo Padre quis falar comigo para que colaborasse nos Exercícios da Quaresma, disse-lhe que eu sou apenas um pobre padre, e é a verdade. Ele encorajou-me a partilhar da minha pobreza. Veio então à minha mente propor um ciclo de meditações muito simples sobre a sede, intitulado “Elogio da sede”. A sede é um tema bíblico, elaborado muitas vezes pela tradição cristã, e ao mesmo tempo é um mapa real, muito concreto, que nos ajuda a ficarmos sintonizados com a vida de todos os dias. Interessa-me sobretudo uma espiritualidade do quotidiano.
Quando o Santo Padre quis falar comigo para que colaborasse nos Exercícios da Quaresma, disse-lhe que eu sou apenas um pobre padre, e é a verdade. Ele encorajou-me a partilhar da minha pobreza. Veio então à minha mente propor um ciclo de meditações muito simples sobre a sede, intitulado “Elogio da sede”. A sede é um tema bíblico, elaborado muitas vezes pela tradição cristã, e ao mesmo tempo é um mapa real, muito concreto, que nos ajuda a ficarmos sintonizados com a vida de todos os dias. Interessa-me sobretudo uma espiritualidade do quotidiano.
José Tolentino Mendonça
In Avvenire
Trad.: SNPC
Imagem: amenic181/Bigstock.com
Publicado em 15.02.2018
In Avvenire
Trad.: SNPC
Imagem: amenic181/Bigstock.com
Publicado em 15.02.2018
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