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O DIREITO A DESCONECTAR-SE
Estamos mais próximos dos desconhecidos e mais
desconhecidos dos que nos são próximos
Talvez
estejamos apenas numa encruzilhada e a agulha da bússola ainda não se tenha
estabilizado na indicação de um norte, e tudo isto seja normal. Talvez seja só
uma questão de tempo e daqui a nada vejamos mais claro. Contudo, seria
iludir-se não reconhecer até que ponto vivemos um daqueles momentos em que não
conseguimos dizer ao certo para onde caminhamos — nem como sociedades nem como
indivíduos. E no aglomerado intrincado dos problemas que fazem parte da equação
sobressai, de forma cada vez mais nítida, o uso das tecnologias e o custo
humano que lhe está associado, em que ainda refletimos pouco. O diagnóstico é
bem patente: a par dos elementos indiscutivelmente positivos que a comunicação
digital permite (incremento da comunicação humana, agilização dos processos de
trabalho, possibilidade de conectar-se em qualquer lado e em qualquer
momento...), descobrimo-nos a viver entre uma dependência forçada e uma
hipnose, exaustos, mas incapazes de desconectar, capturados pela rede,
devorados pela obsidiante solicitação da única verdadeira cidade que nunca
dorme. O e-mail, o Whatsapp, o Facebook, o Twitter, o Instagram alteraram de
tal maneira os nossos quotidianos, tornaram-se de tal modo preponderantes e
invasivos, que a pergunta que se coloca é se não estarão também a alterar-nos a
nós mesmos. O filósofo Bernard Stiegler, por exemplo, tem alertado que o uso
generalizado da web produz um efeito de sincronização em massa, como se
passássemos a viver num continuum que dispensa faculdades singulares como a
memória e a consciência, conduzindo-nos a modos de existência cada vez mais
estandardizados e cada vez menos livres.
O
sucesso das novas ferramentas tecnológicas deve muito ao facto de encaixarem
bem com a natureza humana. Para nós humanos a comunicação é vital, somos seres
sociais, precisamos de companhia, valorizamos a relação e a troca. Além disso,
somos curiosos, girovagamos, reagimos com agrado a estímulos, realizamo-nos
como antenas de sinais de vida, dos quais somos emissores e recetores
ininterruptos. Mas o formato dos próprios dispositivos vem também ao nosso
encontro: foi estudado e testado em milhões de usuários até alcançar o design
intuitivo que tem hoje, capaz de provocar uma adição mais imediata e
persistente no tempo. Por alguma razão, surge esta síndrome da
“hiperconectividade” que nos condiciona a todos, indiferentemente de idades e
contextos: mensagem chama mensagem, e com uma urgência que se sobrepõe a tudo;
os pais atendem mais vezes o telemóvel do que os filhos pequenos que vivem com
eles; os amigos não conseguem dizer uns aos outros, “gosto muito de ti, mas não
vou responder a todos os teus whatsapps”; os namorados não sabem amar-se sem a
mediação das redes sociais; gasta-se um tempo precioso a responder, replicar,
retorquir tontices por monossílabos, alimentando a ilusão de que diante de um
ecrã, por pequeno que seja, nunca se está só. Mas ali estamos sós mais vezes do
que supomos. À força de estarmos conectados, numa disponibilidade indistinta e
sem horário, acabamos por desconectar com as pessoas a quem mais queremos e por
perder inclusive a conexão connosco próprios. Estamos mais próximos dos
desconhecidos e mais desconhecidos dos que nos são próximos. São muitas as
atitudes que podemos tomar para diminuir saudavelmente o nosso grau de hiperconexão
à net, reconquistando espaços de qualidade, de pensamento, reflexão, de governo
de si, de partilha com os outros ou de necessário repouso. A primeira atitude,
porém, é afirmar o direito a desconectar-se.
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