Naquele dia, Maria saiu cedo de
casa. Mais cedo do que era comum, porque a sua amiga que vivia só morava longe
e precisava da sua ajuda, apesar de não ter tido coragem de lha pedir.
Os anos pesavam a Maria, mais de 80…
mas a sua vontade e determinação eram grandes. Aprendera, desde criança, que as
necessidades mais básicas são as mais importantes. As nossas e as dos que nos
estão mais próximos. Só depois é que, se sobrarem forças e tempo, nos podemos e
devemos preocupar com problemas de menor importância.
Maria caminhou durante mais de uma
hora. Pôde pensar em tudo, mas as suas dúvidas e dores nunca lhe travaram as
pernas. Sabia bem onde precisavam dela. Ia… aonde outros não iam. Ia… porque
não era como os outros.
A amiga morava numa casa rodeada de
outras em ruínas, mortas de forma lenta e cruel pelo tempo. Respirava-se
miséria e fome. A única esperança era a de que aquele inferno acabasse.
Contudo, a certeza de que outros também sofrem e podem precisar mais do que nós
das nossas forças e talentos lança sobre este cenário uma verdade tão crua
quanto bela. Os pobres ajudam-se. Conhecem melhor do que ninguém o valor do
essencial e a riqueza de dar.
Encontrou a amiga prostrada naquela
casa escura e fria, sem água nem amor.
A amiga de Maria não vivia… morria.
Respirava apenas para sobreviver. Tudo o resto era só morrer.
Maria foi buscar água. Deu-lha de
beber, lavou-lhe a cara e as feridas mais profundas… cuidou de lhe escutar
todos os ais. Quando a amiga lhe perguntou pelo porquê de tanto esforço e
cuidado, Maria logo lhe respondeu com um silêncio profundo, no qual se fez luz.
Maria preparou uma panela de sopa
enquanto ia cantarolando muito baixinho uma melodia celestial, que expulsava,
um a um, todos os males que haviam tomado aquela casa como sua…
A amiga chorava e sorria por se
saber na presença de Deus. Sentia-se amada e esse amor havia despertado o seu.
Abraçaram-se.
Maria disse-lhe:
- Neste abraço encontro as asas que
me levam ao céu. Não vim para o receber… vim apenas para ser útil. Vim para
poder continuar a ser eu, ajudando a que também tu possas ser quem és. Vou em
paz porque te deixo em paz. Levo mais do que trouxe. Levo o coração cheio de
bondade, beleza e verdade… levo o coração cheio de ti. Obrigada.
(ilustração de Carlos Ribeiro)
Comentários
Enviar um comentário