Primeiro
vemos um amanhecer e perguntamos depois o que é, para que serve, para que nos
serve. O mesmo com a noite, com o riso, com a viagem ou o pranto.
Quem fez a
primeira pergunta? Quem proferiu a primeira palavra? Quem chorou pela primeira
vez? Porque é tão quente o sol? Porque se morre? Porque se ama? Porque há o som
e o silêncio? Porque há o tempo? Porque há o espaço e o infinito? Porque existo
eu? Porque existes tu? — Um dia, a escritora Clarice Lispector criou uma lista
interminável só com perguntas assim. Há um momento em que percebemos que as
perguntas deixam-nos mais perto do sentido, do aberto do sentido, do que as
respostas. Que as respostas são úteis sim, que precisamos delas para continuar
vivendo, mas que a vida transforma as próprias respostas em perguntas.
Que em
relação às coisas verdadeiramente importantes, em relação a essas poucas coisas
realmente importantes, a vida permite-nos que as escutemos duas vezes: primeiro
como resposta e só depois como pergunta. Primeiro vemos um amanhecer e
perguntamos depois o que é, para que serve, para que nos serve. O mesmo com a
noite, com o riso, com a viagem ou o pranto. O mesmo se passa com o amor.
Primeiro amamos e depois, numa certa hora, perguntamo-nos: “O que é o amor?”. E
não perguntamos necessariamente por nos termos enganado ou por considerarmos
insuficiente a experiência que fazemos. Há uma pergunta que brota da escassez e
do desejo, mas há outra que nasce da plenitude. Como se a pergunta fosse o
tracejado que liga o instante do agora àquilo que é desde sempre, e une a
simples parte que enxergamos à totalidade que não chegamos a ver e da qual só
nos podemos abeirar em interrogação e espanto.
“Eu sou uma
pergunta” — dizia Clarice. Mesmo se vivemos rodeados de perguntas, as mais
preciosas são, porventura, aquelas que em silêncio nos acompanham desde o
princípio, aquelas que se confundem com o que somos, como o espinho no troço da
rosa ou como a rosa que, sem sabermos como, floresce no cimo improvável daquela
sucessão de espinhos. Deveríamos dedicar mais tempo a escutar essas perguntas
que pulsam no nosso interior, tantas vezes atropeladas pela vertigem, omitidas
pelo pragmatismo ou pelo medo, adiadas para um momento ideal que depois nunca
é. De entre os défices que depois mais nos pesam, está esta carência de escuta
interna, que evitamos por ser uma prática dolorosa, mas sem a qual também não
conheceremos essa espécie de alegria irreprimível, à maneira da que se prova
num parto. Não raro, essa escuta acontece abraçando a própria solidão,
encarando-a corajosamente como um dom que nos é dado e não como a sombra de uma
dívida para connosco.
Tenho sempre
acalentado a ideia de propor no final do ano aos meus alunos que, em vez de
construírem respostas, formulassem eles as perguntas essenciais à luz do
percurso que efetuamos. A transmissão do conhecimento, se ficar refém do
provisório saber que as respostas espelham, não cumpre no fundo a sua função.
Os alunos não são apenas gestores do adquirido, naquela mecânica estúpida do
decorar para esquecer, mas devem ser encorajados a tornarem-se, eles mesmos,
perguntadores. Quanto caminho e labor nos são requeridos para chegarmos a uma
pergunta. E ainda mais: para chegarmos à pergunta decisiva, àquela que
implicará um olhar novo sobre o problema, àquela que nos mobilizará, de
inteligência, alma e coração, nos caminhos da procura. Hospedar dentro de si uma
pergunta permite-nos apercebermo-nos da necessidade de não dar, sem mais, por
concluída a viagem. Ou não a darmos nunca. Onde julgamos que está o fim, o
movimento da vida afinal começa. E voltamos às perguntas fundamentais,
resumidas assim por Teódoto, em meados do século II: “Quem sou eu? De onde
venho? Para onde vou? A quem pertenço? Por que coisa posso ser salvo?”.
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