Em vista
do Sínodo dos bispos sobre a família, foi publicado na França um importante
livro com as contribuições de 36 teólogos consultados pelo episcopado francês.
O livro foi traduzido ao italiano pelas Edizioni Qiqajon, intitulado La
famiglia tra sfide e prospettive [A família entre desafios e perspectivas] com
um amplo posfácio do prior de Bose, Enzo Bianchi.
Um trecho
do posfácio foi publicado no blogue Sperare per Tutti, em 07-10-2015. A
tradução é de Moisés Sbardelotto.
O anúncio
do matrimónio cristão é claro e exigente, porque, na relação
entre homem e mulher, que vivem uma história de amor, que estão ligados na
aliança da palavra dada, está significada a aliança fiel entre Deus e o seu
povo; mas é preciso manter viva a consciência de que nós nunca somos capazes de
manifestar plenamente a fé de Deus, que é fiel mesmo que o seu povo seja sempre
infiel.
Nós,
cristãos, devemos comunicar essa mensagem exigente pondo-nos de joelhos e
dizendo, humildemente, que é uma palavra do Senhor, não nossa, uma palavra que
anunciamos sem presunção nem arrogância, sabendo que viver
o matrimónio na fidelidade e no amor renovado é uma obra árdua,
difícil, fatigante, impossível sem a ajuda da graça de Deus e, em todo o caso,
nunca vivida plenamente, mas sempre contrariada por misérias, fraquezas e por
aquele egoísmo que nos habita até a morte. (...)
Esse
anúncio evangélico certamente não pode ser mudado pela Igreja, embora
escandalize não só o mundo, mas também os próprios cristãos, como demonstra a
reação dos discípulos às palavras de Jesus: "Se a situação do homem com a
mulher é assim, então é melhor não se casar" (Mt 19, 10).
Mas,
diante dessa clara vontade de Jesus, a Igreja, justamente ao anunciá-la em
verdade, sem mudar a doutrina, deve ter a coragem de expressá-la com palavras
novas, compreendendo sempre melhor tal anúncio.
Como
afirmava o Papa João XXIII, referindo-se à tarefa que aguardava pelo Concílio:
"Não é o Evangelho que muda. Somos nós que começamos a compreendê-lo
melhor" (24 de maio de 1963).
Por isso,
na convicção de que a forma e a identidade da família, muito diversificada nas
diversas sociedades e culturas, mudada várias vezes ao longo dos séculos, no
nosso Ocidente, conheceu profundas e rápidas mudanças nas últimas décadas,
hoje, nós, Igreja, devemos nos pôr à escuta das famílias ou, melhor, dos homens
e das mulheres do nosso tempo, que vivem a história
do matrimónio de um modo novo em relação ao passado.
A Igreja
deve olhar na cara dos homens e das mulheres de hoje, das suas fragilidades e
fraquezas, e não só do seu desejo de família, como dizem várias vezes os
documentos sinodais, mas também dos medos e das incertezas a respeito da
família. Só a partir de uma escuta atenta, amorosa, não tendenciosa e não
presunçosa do atual esforço para construir e viver a família é que poderá
nascer um olhar sobre ela e sobre as suas vicissitudes marcado pela alegre
bem-aventurança, mas às vezes também por sofrimento e morte.
Não se
esqueça, além disso, que o juízo sobre a realidade matrimonial é representado
pelas palavras radicais de Jesus: "Todo aquele que olha para uma mulher e
deseja possuí-la, já cometeu adultério com ela no coração" (Mt 5, 28). São
palavras que interrogam a todos: quem não cometeu esse pecado?
Nas
histórias de amor, o caminho é acidentado, e também para os fiéis pode
acontecer a contradição da aliança nupcial. Também pode acontecer a separação,
que às vezes até se impõe e certamente não é um pecado nem uma culpa, como o
Papa Francisco recordou recentemente.
Sim,
hoje, muitos cristãos se encontram nessa situação de dilaceração, e a sua
presença deve interrogar toda a Igreja.
in http://fraternitasmovimento.blogspot.pt/2015/10/a-escuta-da-familia-artigo-de-enzo.html
Comentários
Enviar um comentário