(Advertência: Este texto
não deve ser lido por todas as pessoas! É exclusivo e recomendado só para
aquelas que serão, muito provavelmente, as melhores mães do mundo.)
Não, não é verdade que as
mães sejam serenas, macias e bucólicas, quase sempre. E que, seja diante do que
for, reajam num tom ameno, almofadado e cheio de açúcar, sem sequer gritarem,
esbracejarem e esconjurarem todos os descuidos que, sempre que elas são
dedicadas e atentas, abundam numa casa. As mães saudáveis têm o direito
(milenar!) a esganiçar-se, sim senhora! (Aliás, mães esganiçadas são um
património imaterial da Humanidade; como se sabe.) E têm o direito a ameaçar
que, um dia, se vão embora e “aí sim, vocês vão ver a falta que vos faço!”. E
por mais que não esperem que ninguém as leve a sério, como é óbvio, agradeciam
que toda a gente da família ficasse, pelo menos, em... estado de choque (!!!)
diante de um grito como esse, em vez de permanecer em silêncio – entre o
divertido e uma atitude do género: “Ela fica tão gira quando está com mau
génio!” – como se nada, na gritaria duma mãe, valesse para o que quer que
fosse! Aliás, as mães (saudáveis, é claro) estão fartas e saturadas da sua
função de mãe nunca ter nem domingos nem feriados! Nem ser considerada para
efeitos de reforma, de banco de horas – a reverter em seu favor, aos fins de
semana - ou com mais dias de férias, como devia ser!
Afinal, quem é que levanta
as crianças, todos os dias, e se dispõe ao papel (maléfico!) de as proibir de
dormir mais cinco minutos, e se esgadanha contra os seus dedos papudos que
reclamam “mais desenhos animados já!”? E quem é que as apressa a vestir e as
obriga a engolir o pequeno almoço, quase sem respirar? E quem é que as intima a
lavar os dentes (depressa!), antes de as ameaçar que vão de cuecas para a
escola se não descerem (a correr!) para o carro para que, depois de
esbracejarem contra o trânsito, irem numa correria deixar a miudagem, que
cansa, só de ver? E quem é que deve sofrer de dupla personalidade e, depois dos
ataques de nervos de todas as manhãs, passa da fúria de leoa à maior de
todas as ternuras e pespega um beijo inimitável, e dá um sorriso cheio de luz,
e abraça, e diz “a mãe ama-te tanto!!!!”, enquanto aconchega os caracóis, e
chama “príncipes” e “princesas” a crianças normais e ensonadas? As mães!
E quem é que sai mais cedo
do trabalho e, cidade acima/cidade baixo, anda numa “roda viva” entre a escola,
a piscina, o inglês, o futebol e a música, e transforma o porta-bagagens dum
automóvel numa parafernália de mochilas, flautas, chuteiras, lanches, touca,
toalha e óculos, e ainda tem tempo para as perguntas mais tolas que só as
pessoas bondosas conseguem fazer (como, por exemplo: “ Como é que correu a
escola?” ou “O que foi o almoço”) e – oh canseira! – fica parecida com a Cruela
sempre que uma criança responde: “correu bem” ou “não me lembro”?... As mães!
E quem é que, depois do
trabalho, barafusta o tempo todo contra os trabalhos de casa mas que, ainda
assim, franze a sobrancelha e – com um orgulho mal disfarçado – diz, num tom
solene mas, todavia, aconchegado: “Eu não sei como é... Se eu não estiver
sempre ali ao pé, ele não faz nada!...”? As mães?
E quem é que tem a mania
de dizer: “O meu filho não gosta de ser contrariado!” para justificar as 200
vezes que se chama uma criança para saltar para o banho, as outras 200 que são
precisas para a convencer a deixar os desenhos animados para vir jantar, não
esquecendo mais 200 suplementares em que repete, devagarinho: “Come a
sopa!” e acaba a ribombar: “Despachas-te ou não?...” antes de lhe dizer: “Abre
lá essa boca, já!” (enquanto despeja as últimas colheres de sopa pelas goelas
dum filho)? As mães!
E quem é que, diante do
lado mais demagógico duma criança (quando diz “Eu não sei” ou – “à Calimero” –
se lamenta: “Eu não faço nada bem feito”) começa devagarinho: “Oh, meu
pequenino: não sejas pateta... Vá... A mãe gosta tanto de ti!...” e, quando os
interessados esperariam que em direitos adquiridos nunca se mexesse, e insistem
só com mais um “não sou capaz” (é só mais um...) acaba a berrar, num tom amigo
dos trovões: “Mas onde é que tu tens a cabeça?...” As mães!
E quem é que faz o jantar,
e tem a mania de achar que a sopa é importante, e que o peixe torna as crianças
inteligentes, e que os vegetais fazem os meninos crescer, e as cenouras tornam
os olhos bonitos, e as batatas fritas não prestam, e que a Coca-Cola torna as
crianças mais redondinhas, e que o açúcar faz cair os dentes, e não deixa comer
bolachas antes do jantar, nem pizza dia sim/dia sim? As mães!
E quem é que, enquanto
apanha os brinquedos que se atropelam pelo chão, mais a roupa que se amontoa na
cadeira, mais a outra que se escondeu, (por iniciativa própria, logo se vê...)
atrás do armário, e fiscaliza a mochila e os cadernos, e põe a roupa,
esticadinha, para o dia que lá vem, e descobre pacotes de leite vazio onde não
deviam estar, e embalagens de bolachas que – vá lá saber-se porquê – se
refugiam no quarto das crianças, e enquanto arruma tudo, um dia atrás do outro,
repete e repete e repete: “Mas será que tu nunca arrumas nada, é?..” E
quem é que nos seus piores dias de arrumadeira, pergunta, com um desvario quase
sindical: “Mas achas que há empregadas cá em casa, é?...” As mães!
E quem é que vai à escola
e, enquanto conversa com as outras mães sobre os caprichos das crianças (como
se fossem toques muito pessoais que a personalidade “muito vincada” de cada uma
as leva a ter) se prepara para ser repreendida, por alguns professores, e tem
de ouvir: “ Mas... está tudo bem lá por casa?” (sempre que as crianças acham
enfadonhas muitas aulas, por exemplo) ou, nas alturas de pior karma, é
advertida para a necessidade de dar mais apoio à pequenada “porque eu tenho 28
alunos e não chego para tudo?...” As mães!
E quem é que não perde a
compostura e, antes de fingir que deita os olhos para a televisão, enquanto
pestaneja, ainda se esparrama na cama e conta histórias e, para se desintoxicar
do papel de “chata oficial lá de casa”, sente que aqueles minutos de namoro,
antes do sono, são os únicos em que não tem de ser mandona e refilona e tudo o
mais que toda a gente espera que só as mães consigam ser e, quando dá conta,
adormeceu, mais outra vez, na cama de um dos filhos, e é repreendida (e muito
bem...) por esse desvario? As mães, claro.
Mas, afinal, o que é
querem mais das mães? Que elas não se esgotem? Que não exijam ter o direito a
ser mimadas e, por mais que ninguém diga isso, que queiram, pelo menos, mais um
miligrama de amor e outro de carinho do que aqueles que as crianças dão ao pai?
E que não sejam vaidosas? E que sejam discretas e se anulem com se o aquilo que
mais desejassem é que ninguém desse por elas?
in http://www.paisefilhos.pt/index.php/destaque/7979
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