O “poder do amor” marcou o casamento dos duques despenteados

Homilia de bispo americano e demonstrações públicas de carinho dos noivos foram centrais no casamento real do ano.

 Na minha aldeia há muito poucos casamentos, mas cada vez que se casa uma “filha da terra” é normal as vizinhas irem para o adro da igreja ver a noiva chegar. E até entrar e assistir a toda a cerimónia. E, depois de os noivos saírem e partirem para a boda, ficam a comentar o vestido da noiva, dos convidados, a homilia do sr. Prior, as flores da igreja, as tropelias dos meninos das alianças.
Na aldeia global em que vivemos, foi o que muitos milhões fizemos neste sábado em que teve lugar o casamento de Harry Windsor e Meghan Markle, tornados duques de Sussex pela Rainha de Inglaterra.
Vimos os convidados chegar. As estrelas da televisão e os mais ou menos conhecidos convidados reais. Admirámos o vestido amarelo-canário de Amal Cloney e o fato cinza de George, com a gravata amarela a condizer; o vestido azul meia-noite de Vitoria Beckam e os seus sapatos vermelhos e a boa forma de David; os vestidos florais da cantora Joss Stone, de Lady Kitty Spencer (prima do noivo) e de Sofia Wellesley (mulher do cantor James Blunt e descendente do duque de Wellington); comentamos os óculos cor-de-rosa de Elton John, os folhos de Oprah Winfrey, o tocado da tenista Serena Williams … escrutinamos os sorrisos das antigas namoradas do noivo e dos antigos colegas de cena da noiva.
Imperaram os rosas e azuis pastel, com uns toques mais coloridos. E, aí, não há como a Rainha para dar um festival de cor. Isabel II juntou verde-lima e roxo como só ela pode. Já a mãe da noiva, Doris Ragland, foi um exemplo de emoção contida e sobriedade, em verde claro, com as suas tranças rasta domadas debaixo de um pequeno chapéu. Claro que havia curiosidade em ver como apareceria a duquesa de Cambridge, menos de um mês depois de ser mãe, mas Kate optou por um vestido muito parecido com o que usou no baptizado da filha Charlotte e o chapéu parecia o mesmo que usou no casamento de Zara Phillips.
Mas, óbvio, a maior curiosidade era sobre o vestido da noiva. E Meghan deslumbrou com a simplicidade do seu vestido de decote à barco, ligeiramente rebaixado, desenhado por Clare Waight Keller, a primeira mulher a liderar a casa Givenchy. Tão diferente das rendas de princesa do vestido de noiva de Kate quanto este casamento quase familiar foi diferente da cerimónia de Estado dos duques de Cambridge.
Com a noiva a entrar na capela, foi a hora de nos desvanecermos com o riso desdentado do pagem que lhe segurava o véu, com a ansiedade de Harry e a serenidade de William, com o sorriso confiante de Meghan, que fez questão de manter o seu toque despenteado mesmo no dia do casamento, num penteado coroado com uma tiara feita para a rainha Mary (avó de Isabel II). Tal como Harry manteve a barba.
“Estás deslumbrante”, percebeu-se nos lábios do noivo, depois de receber a noiva entregue pelo seu próprio pai, já que o dela não foi a Windsor por mau comportamento ou questões de saúde. Os noivos deram as mãos e assim se mantiveram durante quase toda a cerimónia. As mãos entrelaçadas e os sorrisos amorosos marcaram as imagens do casamento, que teve na homilia do bispo Michael Curry as palavras marcantes.
Pegando no texto bíblico do Cântico dos Cânticos (também conhecido por Cântico de Salomão, como lhe preferiu chamar) lido momentos antes por uma das tias do noivo, Lady Jane Fellowes, irmã da princesa Diana, o bispo afro-americano da Igreja Episcopal dos EUA fez todo um sermão sobre o poder do amor.
“Grava-me como um selo no teu coração, como um selo no teu braço porque o amor é mais forte do que a morte”, diz a amada ao seu amado no Cântico dos Cânticos. E Michael Curry partiu daí, citou Martin Luther King sobre o poder redentor do amor, e desafiou o mundo a recriar-se pelo poder do amor.
Um poder que não pode ser subestimado, mas que também não deve ser “sobre-sentimentalizado”, ou seja não deve ser considerado só nas suas “formas sentimentais” e deve ser tido em toda a sua largura e profundidade porque o amor, avisou, não é só nem sobretudo sobre um casal jovem que está a partilhar a sua felicidade.
“A força do amor é Deus, ele próprio, quando há verdadeiro amor Deus está aí (…) há poder para ajudar e curar, para nos mostrar como viver”, disse o bispo que acredita que “o amor tem poder para mudar o mundo” quando é “sacrificial e redentor” como o amor de Cristo na cruz. Por isso, desafiou todos os que o ouviam a imaginarem um mundo em que o amor é a regra. Nesse mundo, “a pobreza seria história e a Terra um santuário, com muito espaço para todos os filhos de Deus”.
À medida que Michael Curry se entusiasmava com as suas próprias palavras sobre o poder, a força e a energia do amor, Harry e Meghan iam trocando olhares amorosos e caricias nas mãos entrelaçadas, William ia sorrindo, mas em muitos rostos reais ingleses, como o do príncipe Carlos, ia-se manifestando aquele ar enjoado e snob de quem não tem nada a ver com aquilo. Com aquele entusiasmo, com aquele amor tão próximo, com aquelas manifestações de carinho público. E o ar manteve-se enquanto um coro gospel enchia a capela com a sua interpretação de “Stand by me”.
Mas são esses mesmos “royals” ingleses que têm sabido ter uma capacidade de adaptação ao mundo novo que tem sido o segredo da sua sobrevivência, que lhe permitiu mudar de nome de família para Windsor durante a I Grande Guerra, que os fez tão próximos de todos os ingleses durante a II Guerra, que os manteve imperiais enquanto iam perdendo o Império, que lhes permitiu manter a dignidade em anos horríveis, sobreviver à morte de Diana e ganhar nova força com esta geração que se mistura com jogadores de futebol e estrelas de televisão, que vai às compras ao supermercado, mas continua a fazer o povo sonhar e vibrar com casamentos de príncipes e princesas. Mesmo aos que achamos que as monarquias já não fazem sentido. 

RENASCENÇA

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