Porque é que os cães são mais importantes do que os bebés (humanos)?

Porque é que a sociedade que humaniza todos os dias os animais é a mesmíssima que mata à partida os bebés com trissomia 21, só para dar um exemplo?

Muitos amigos têm apontado para uma contradição imoral que salta à vista: a sociedade que criminaliza o abandono de animais recusa criminalizar o abandono de idosos; o indivíduo que comete um crime de manhã quando abandona o tareco no parque de estacionamento do supermercado é o mesmíssimo indivíduo que não comete um crime quando abandona à tarde o pai numa maca do hospital.
Se já está incomodado, caro leitor, agarre-se, porque o poço é ainda mais fundo. Porque é que os cães têm hoje mais atenção mediática e aparato político-legal do que bebés por nascer? É uma situação objectiva e mensurável. Porque é que a sociedade que humaniza todos os dias os animais através de leis e documentários à Attenborough é a mesmíssima sociedade que mata à partida os bebés com trissomia 21, só para dar um exemplo?
Devo alertar o leitor que só uso a palavra “bebé” num contexto humano. “Bebé humano” devia ser pleonasmo, mas temo que hoje em dia é necessário fazer este reparo, pois há pessoas que acham que existem bebés humanos e bebés não humanos, tal como acham que existem seres sencientes humanos e seres sencientes não humanos, tal como acham que um gorila tem mais humanidade do que um bebé ainda não consciente ou do que um velho com Alzheimer. Não, não exagero. É esta a essência da filosofia animalista: alega-se que há mais características humanas num golfinho ou cão do que numa mulher em coma ou num bebé com deficiências cognitivas. Confesso que não sei se hei-de rir ou chorar.
Como dizia há dias Ross Clark (Spectator), a quem roubo o título desta crónica, é difícil reconciliarmo-nos com uma sociedade que silencia os direitos dos seres humanos por nascer enquanto hiperboliza os alegados direitos de cães, gatos e periquitos. Se quisesse agora proteger os bebés com trissomia 21 (proibindo o seu aborto), um político seria massacrado na praça pública, seria apelidado de “reaccionário”, “moralista”, “anti-feminista”, “inimigo da liberdade de escolha das mulheres”, etc., etc. Se quisesse voltar a discutir a lei do aborto no sentido de tornar a prática mais difícil, um intelectual receberia o mesmo tratamento. É por isso que existe um silêncio de morte sobre o aborto, em geral, e sobre o massacre a que são submetidas as crianças com trissomia 21, em particular. Ainda há dias, vi uma coisa que me deixou fisicamente indisposto: imensa gente celebrou a “modernidade” da Islândia, porque este país proibiu a circuncisão de rapazes; alega-se que a tradição familiar e religiosa não é superior aos direitos das crianças. A hipocrisia fede. A Islândia é o país onde não nascem bebés com trimossia 21, porque são todos abortados. Todos. Há uma campanha de eugenia em curso na Europa e os “modernos” que odeiem o “misticismo religioso do passado” consideram que esta limpeza genética é um sinal de progresso médico. O meu caro leitor já decidiu: vai rir ou chorar?
Na Islândia, em França, no Reino Unido, em Portugal, no Ocidente em geral, há um silêncio de morte em relação ao aborto e há ainda um evidente desconforto perante a presença de bebés e pessoas com trissomia 21. Em França, no ano passado, foi proibido um clip publicitário com crianças com trissomia 21; alegou-se que as imagens podiam ofender ou traumatizar as mulheres que abortaram bebés com trissomia. Rir ou chorar? A civilização que mata e esconde seres humanos com deficiências e que trata um defensor de crianças por nascer como um mero fanático religioso é a mesmíssima civilização que faz campanhas diárias em nome dos animais: não à caça, não à tourada, não ao bife, não à proibição de animais em restaurantes e jardins. Confesso que não sei se hei-de rir ou se hei-de chorar. 

Opinião de Henrique Raposo
RENASCENÇA

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