Homilia na eucaristia de Acção de
Graças pelas bodas de prata episcopais.
Estimados irmãos no Episcopado,
Senhor Deão do Cabido e restantes
Capitulares,
Caros Sacerdotes, Religiosos e
Religiosas, Diáconos e Seminaristas,
Respeitosas autoridades civis,
académicas e militares,
Irmãos e Irmãs na fé em Cristo
Jesus.
1. Uma herança
Há 25 anos, durante a procissão de
entrada para a minha ordenação Episcopal na Cripta do Sameiro, o coro entoava:
“Nós somos as pedras vivas do Templo do Senhor!” Passado este tempo, a pergunta
emerge: será que os 50 anos do promissor Concilio Vaticano II já produziram o
efeito pastoral desejado nestas pedras vivas, que são a Igreja?
O Papa Paulo VI, na homilia de
encerramento, reconhecia que este era um projecto “ideal, mas não irreal”[1], daquele Concílio que foi
considerado como sendo o maior na participação, o mais rico nas temáticas
abordadas e o mais oportuno nas realidades sociais abordadas . E no seu
jubileu, o Papa Bento XVI promulga um Ano da Fé para redescobrirmos este
tesouro teológico, espiritual e eclesial.[2]
De facto, foi esta nova proposta
conciliar que a maioria de nós herdou e fomos incumbidos de concretizar! Aliás,
o mesmo desejo de novidade encontrámo-lo nas palavras do profeta Isaías na
primeira leitura: “Ergue-te, Jerusalém, e desponta a tua luz sobre a escuridão
que envolve a Terra!”
E como referi na Mensagem de Ano
Novo, continuo a repetir: é proibido desistir![3] Daí que, neste dia em celebro as
minhas bodas de prata episcopais, renove três pontos vitais na pastoral: a
caridade, a nova-evangelização e a unidade.
2. Um método
S. Paulo na segunda leitura
apresenta-nos o método: a alavanca da caridade. Dizem os dicionários que a
alavanca é um objecto que oferece a capacidade de mover grandes cargas com
pequenas forças. Com o evento do Átrio dos Gentios, no diálogo com os
não-crentes (gentios), confirmamos que a nossa fé até pode transportar
montanhas, mas se não estiver alicerçada na caridade, ela desemboca: ou num
ateísmo secular ou num fundamentalismo religioso.[4]
Por isso, a alavanca da caridade
assume-se como o método mais seguro e viável para fazer erguer a Igreja, qual
nova Jerusalém, graças às inúmeras, pequenas e diversificadas forças
pentecostais que geram a comunhão na pluralidade: entre sacerdotes e leigos e
entre movimentos e estruturas eclesiais ou civis, como sustém n.º 32 da Lumen
Gentium.
3. Um desafio
“Mudam-se os tempos, mudam-se as
vontades”, diz-nos um célebre poeta lusitano. E os novos tempos exigem-nos uma
nova vontade, um novo ardor, uma pastoral repensada e uma nova-evangelização. E
porquê? Porque “as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos
homens de hoje, (…) são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as
angústias dos discípulos de Cristo.”[5]
À margem das discussões conceptuais,
o Presidente do Pontifício Conselho para a Promoção da “Nova Evangelização”,
Card. Rino Fisichella, define-a como “um meio através do qual o Evangelho de
sempre é agora anunciado com novo entusiasmo, novas linguagens compreensíveis
numa condição cultural diferente e novas metodologias capazes de transmitir o
seu sentido profundo que permanece inalterado.”[6]
A liturgia, a caridade, o
ecumenismo, a imigração, a catequese de adultos, a cultura e a comunicação
social apresentam-se agora como lugares primordiais para esta nova-evangelização.
Por coincidência, a partir de hoje inaugura-se o serviço de transmissão diária
da eucaristia via internet no site da arquidiocese, para que as pessoas de
mobilidade reduzida não estejam inibidas de participar virtualmente nas
celebrações da sua orgulhosa Sé Catedral.
Na verdade, e no dizer do Beato João
Paulo II, queremos uma Igreja que esteja no mundo, que desfrute das coisas boas
do mundo, mas que não seja mundana!
4. Uma condição
No meio destes desafios, creio
que há uma condição imprescindível: “uma sinfonia (sintonia) pastoral, que
execute na realidade a bela harmonia das três notas do Deus Uni-Trino”[7], ou seja, a unidade.
A longa oração de Jesus no evangelho
de hoje, como síntese da sua missão sacerdotal, assim o confirma: “para que
todos sejam um”. A unidade não significa uniformidade ou unicidade, pelo
contrário, é a arte do diálogo na diferença. E se Jesus era um só com Deus-Pai,
a unidade acaba por ser “o modelo da acção na e pela Igreja”[8].
Como sabem, foi com este intuito
que, há 25 anos atrás, escolhi como lema episcopal esta passagem evangélica e
me deixei interpelar pela simbologia da romã.
Uma unidade que se traduz numa
“unidade geracional com a tradição secular que nos precede, numa unidade
espiritual com Cristo, sacerdote eterno, numa unidade pastoral com a Igreja
Universal, numa unidade cultural com o mundo que nos circunda, numa unidade
fraternal com os leigos, numa unidade integral connosco próprios e, acima de
tudo, numa unidade sacerdotal com os membros do presbitério.”[9]
E com razão escreve um dos meus
ex-bispos auxiliares: “onde a caridade irradia, aí aflora a beleza que salva,
aí se louva o Pai celeste, aí cresce a unidade dos homens.”[10]
A propósito, o gesto do Papa Bento
XVI para com o seu desleal mordomo neste Natal comprova que a humildade, o
perdão e a caridade abrem mais portas que a própria autoridade. Por
conseguinte, só com a alavanca desta caridade poderemos erguer as pedras vivas
do templo da unidade e mostrar a diferença da Igreja Católica em relação a
outras instituições, tal como o comprova: a “Carta de Louvor” atribuída pelo
Conselho de Ministros à Obra Católica Portuguesa das Migrações, e o “Prémio
Direitos Humanos” atribuído pela Assembleia da República à Cáritas Portuguesa.
Sem esta alavanca, o Concílio
Vaticano II continuará a ser uma bela teoria que prescreveu na história da
Igreja.
5. Um agradecimento
Para terminar, no concerto de
encerramento do evento Guimarães, Capital Europeia da Cultura, fiquei surpreso
ao reparar nas lágrimas inesperadas dos músicos da orquestra perante o aplauso
da plateia. A orquestra extinguiu-se ali e as lágrimas daqueles jovens músicos
continham certamente um misto de orgulho pelo sucesso alcançado e de incerteza
laboral quanto ao futuro.
É verdade que somos vítimas de uma
factura económico-social que nos tirou qualidade e dignidade à nossa
existência. Mas, como Igreja, resta-nos continuar a apresentar ao mundo
político a solução que o Papa Bento XVI apresentou para esta crise, na sua
mensagem para o Dia Mundial da Paz: “promover a vida, favorecendo a
criatividade humana para fazer da própria crise uma ocasião de discernimento e
de um novo modelo económico”[11], pois só assim as lágrimas da
incerteza, da angústia e do desânimo cessarão.
Daí que neste dia também não poderia
esquecer-me e pedir que não passem despercebidas as lágrimas de dor de tantos
nossos irmãos. Por outro lado, diz-nos S. Gregório Magno que, embora haja
inúmeras formas de chorar, “as lágrimas são uma fala estimada” e um mapa pleno
de significação.
Por isso, neste dia festivo para a
Arquidiocese, as lágrimas que agora derramo no meu interior comunicam a minha
profunda gratidão: ao meu professor no episcopado, Sr. D. Eurico Dias Nogueira,
e a todos os amigos no episcopado com quem temos procurado promover a vida humana
neste Portugal que amamos; aos actuais e ex-Bispos Auxiliares, com os quais
repensamos a pastoral arquidiocesana; ao meu presbitério, com quem peleio pela
edificação do Reino de Deus; aos jovens seminaristas, em quem coloco o futuro
desta Igreja Arquidiocesana; aos religiosos e consagrados, que enriquecem a
nossa Igreja com os seus carismas; aos leigos, que no anonimato executam a
passagem bíblica do “sal da terra e luz mundo”; aos meus condiscípulos de
curso, com quem partilhei o esplendor da juventude; às autoridades civis, com
as quais tenho procurado edificar uma sociedade local mais justa e solidária;
aos não-crentes, cujas perguntas e críticas fazem repensar e crescer a nossa
Igreja; à minha família, a quem devo tudo aquilo que sou; e, por último,
agradeço ao culpado disto tudo: Jesus, o arquitecto da unidade!
Por tudo isto,
creio no Deus Criador, em Jesus
Salvador e no Espírito Santificador,
bem como na Igreja Católica,
e em todos os homens e mulheres de
boa-vontade.
+ Jorge Ortiga, A.P.
3 de Janeiro de 2013, Sé Catedral de
Braga.
[7] D. Jorge
Ortiga, O acorde de Deus. Homilia na peregrinação arquidiocesana à Senhora
do Sameiro 2012.
[8] D. Jorge
Ortiga, Saudação ao Povo de Deus na ordenação como Bispo Auxiliar de Braga,
in Acção Católica, Janeiro-1988, 69-70.
[9] D. Jorge
Ortiga, As 7 maravilhas do sacerdócio. Homilia na Missa Crismal de
Quinta-Feira Santa 2012.
[10] António
Marto, O cristianismo fonte de uma cultura de beleza, in AA.VV., O
evangelho da beleza, 27.
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